sábado, 26 de novembro de 2016

Pastor Russell Shedd... uma perda

            É duro acordar com a notícia da morte de uma pessoa querida. E esta pessoa querida não é um parente próximo, não é um familiar consanguíneo, mas me é muito familiar: Pastor Russell Shedd.
            Meu primeiro contato com ele aconteceu no início dos anos 90, através de sua primeira publicação de grande repercussão no país, a Bíblia Vida Nova, na qual ele é o editor responsável. A minha é daquela versão grande, de púlpito. Eu ainda era um seminarista. E no meu querido Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste, comecei a ser influenciado por esse homem sem nunca tê-lo visto.
   Quando fui fazer o Mestrado na Faculdade Teológica de São Paulo, em 2002, ele já não era mais o titular da Cátedra de Novo Testamento.


     Em 2008 fui ao Congresso Vida Nova pela primeira vez. Lá nos inesquecíveis devocionais que antecediam as palestras, pude entender o significado de fazer teologia com o pastor Russell Shedd. É um mix de erudição bíblica, amor ao Senhor e à sua Palavra, e  serviço à Igreja. Na falta de qualquer desses itens teologia pode se tornar sinônimo de arrogância, ou de pragmatismo utilitarista.
         Novamente participei do Congresso de 2012, e por último em março de 2016. Era minha despedida do doutor Shedd. Num intervalo de uma das palestras, o ladeamos e registramos aquele momento numa foto,  eu e meu irmão-amigo Thalison.

        Lembro-me das copiosas lágrimas que me escorriam pelas faces quando o ouvia falar, exposições sempre entremeadas de exemplos práticos de sua experiência pastoral... ainda hoje me ardem o coração, aquelas lembranças!
      Quando esse ano fizemos a Exposição na congregação  da Carta aos Filipenses, pude novamente voltar aos pés do Mestre, através do seu livro Epístolas da Prisão. Às vezes temas áridos eram tratados por ele com singeleza e clareza que nos faziam entender a profundidade dos mistérios do Senhor.
     Por isso, Russell Shedd me é tão familiar. O Senhor toma para si, hoje, um homem que se tornou referencial para mim, de teólogo e servo de Deus. Não existe teólogo sem amor, temor e submissão a Deus. E não existe teólogo sem disposição para servir à obra de Deus.
   Hoje o Brasil tem muitos expoentes da teologia, e das Escrituras. Mas poucos com a humildade, sinceridade, e fidelidade do pastor Russell Shedd. Desde os tempos em que estudei no Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste, com pessoas de muitas denominações distintas, aprendi a viver o Evangelho respeitando nossas diferenças doutrinárias, sem proselitismo ou ar de superioridade.
    Pastor Russell Shedd nos mostrou isso, a cada momento. A possibilidade de convivermos como irmãos e enfatizarmos o que nos une, e não o que nos diferencia. Ele proferiu palestras em Seminários e Igrejas de todas as denominações. Fui ouvi-lo na AD Cidade, na Sede da IEADTC. Ainda lembro do Congresso Vida Nova de 2008, que reunia batistas como Pr. Israel Belo de Azevedo, Professor Lourenço Rega, presbiterianos como Pr. Augustus Nicodemus e, o bispo episcopal Robinson Cavalcanti. Pastor Russell Shedd nos ensinou que podemos estar unidos para glória de Deus, e em torno da sua Palavra.

    Continuarei dizendo que Pastor Shedd é um dos meus referenciais, embora não mais o tenhamos entre nós. E Deus me convoca a, do meu simples lugar, tornar-me um referencial para as novas gerações. Que o Senhor me ajude... 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Minha consciência negra...

   Minha cidade, Recife, é um lugar de muitos negros. Os engenhos de cana-de-açúcar que a região abrigou desde o tempo de Duarte Coelho exigiram uma quantidade razoável de mão de obra escrava... e esta mão de obra era africana, negra. Vinha nos navios negreiros da África para o Porto de Recife. Estudo da Universidade de Emory, coloca o Porto do Recife como o quinto mais movimentado de todo o mundo no quesito desembarque de escravos. E quando o mercado de escravos foi proibido, o fluxo foi mantido às escondidas, num, literalmente, mercado negro. Os navios não aportavam no Porto de Recife, ficavam um pouco ao sul, e vinham carregados de negros, mas diziam que estavam trazendo “galinhas d’Angola”, por isso o nome de uma das mais belas praias da minha terra: Porto de Galinhas.

  Bem, a cor da pele nunca foi um problema pra nós. Meu avô, Justo José, que todos nós, filhos e netos, o chamávamos carinhosamente de Meu Pai, não era um negro autêntico, era mulato. Sua mãe era branca, mas meu bisavô, o Velho Sansão, era um negro de verdade. Imagino que meu trisavô deva ter sido escravo em algum engenho de cana do litoral pernambucano.

   Por artes da genética, nasci branco. Meus irmãos tiveram a pele mais tostada, trazendo mais próximo os resquícios da mãe África. E quem é mais escurinho a gente sempre chamava de “nego”. Meu irmão Heber, era, e ainda deve ser, “o meu Nego” da tia Moisa, que era a mais morena das filhas do meu avô. Temos uma idade próxima, e eu me lembro de desde criança admirar sua morenice, com lindos cabelos negros escorridos. Levava à loucura os rapazes, quando era solteira!
   Tia Moisa casou com um homem branco, e teve dois filhos, um negro e um branco. O “nego Clevson”, é o nego mais lindo dessa parte do Equador!  Chamar o outro de “nego”, pode ser um xingamento, mas também uma forma carinhosa de se dirigir a alguém que se ama.

   Nos dias de hoje, penso que posso ser preso, pelo que estou escrevendo.
 Na escola, nunca precisamos de um dia de consciência negra, para reconhecer a importância de nossos colegas pretinhos. E naquela época ninguém sofria “bullying”. Então a gente podia chamar o outro de “nego feio”. Como me chamavam de “baleia-fora-da-água” (eu era um garoto gordo).  E ninguém morria.
   Além das relações familiares, a igreja foi outro lugar onde nossa convivência nunca esbarrou com questões ligadas à cor da pele. Na maior parte das décadas de 80 e 90, nosso pastor era um negro, Pr. José Leôncio da Silva. O negro mais amável e carismático que alguém pudesse imaginar. Sua lembrança continua viva na minha memória, e de tantos outros que puderam ser sua ovelha, por algum tempo.
    Lembro que, em nossa congregação na periferia de Recife tinha muitos irmãos negros. Gente tão querida, tão especial, que a cor nunca fez diferença em nossos relacionamentos. Me lembro da irmã “Roxinha”. Imagino que a apelidaram de Roxinha porque era tão pretinha que parecia roxinha. 
    Na minha rede de amigos, nunca separei, estes são os brancos, e aqueles são os negros. Foram sempre meus amigos.
   Hoje as coisas estão diferentes. Outro dia alguém propôs que precisa catequizar quem for negro para que volte às práticas religiosas africanas. Que coisa estranha!!!
   Sempre achei interessante nosso país, onde negros e brancos caminhavam juntos sem enfatizarem a diferença racial. As coisas parece que estão mudando.
    Posso aqui gritar minha origem africana e me definir como afrodescendente. Posso dizer aos meus filhos que busquem as cotas na universidade pois lhes cabe de direito.
    Somos homens, somos seres criados à imagem e semelhança do Criador. Por que enfatizar o que nos distingue? Enfatizemos o que é comum em nós: Somos todos pecadores, carentes da graça do Senhor! 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Em tempos de ebulição política...

Os sinais da Idolatria Política
  (Timothy Keller, em Deuses Falsos, pág. 96 a 98)

Obs. Trata-se de um escritor norte-americano. Qualquer semelhança com o que vemos em nosso país é mera coincidência...

   Um dos sinais de que um objeto está funcionando como um ídolo é que o medo se torna uma das características principais da vida. Quando centralizamos nossa vida em um ídolo, tornamo-nos dependentes dele Se nosso falso deus é ameaçado de alguma forma, nossa resposta é o pânico completo. Não dizemos "Que vergonha! Que dificuldade!", mas sim: "É o fim! Não há esperança!"
    Talvez seja por essa razão que tantas pessoas hoje respondem às tendências políticas dos Estados Unidos de forma tão extrema. Quando um partido ganha uma eleição, certa fração do lado perdedor começa a falar abertamente em deixar o país. Essas pessoas se tornam agitadas e temerosas em relação ao futuro. Elas colocaram em suas agendas e líderes políticos o tipo de esperança que antes era reservado a Deus e à obra do evangelho.Quando seus líderes políticos estão fora do poder, elas experimentam a morte. Acreditam que, se as pessoas e políticas delas não estiverem em ação, tudo irá pelos ares. Recusam-se a admitir as semelhanças entre seu partido e o adversário, concentrando-se em vez disso nos pontos de desacordo. Os pontos de contenda obscurecem todo o resto, e um ambiente venenoso é criado.

     Outro sinal de idolatria em nossa política é que os oponentes não são vistos como simplesmente errados, mas sim maus. Depois da última eleição presidencial, minha mãe de 84 anos observou: "Antigamente, quem quer que fosse eleito como presidente, mesmo que você não tivesse votado nele, era seu presidente. Hoje em dia não é mais assim." Depois de cada eleição, há um número significativo de pessoas que veem o presidente eleito como alguém sem legitimidade moral. A crescente polarização e amargura que vemos na política americana de hoje é um sinal de que transformamos o ativismo político em uma forma de religião. Como a idolatria produz o medo e a demonização?

   O filósofo holandês-canadense Al Wolters ensinou que, na visão bíblica das coisas, o principal problema da vida é o pecado, e a única solução é Deus e sua graça. A alternativa a essa visão é identificar algo além do pecado como o principal problema no mundo e algo além de Deus como o principal remédio. Isso demoniza algo que não é de todo ruim e transforma em ídolo que não pode ser o bem último. Wolters escreve:
    O grande perigo é isolar algum aspecto ou fenômeno da boa criação de Deus e identificá-lo, em vez da intrusão do pecado, como o vilão no drama da vida humana. [...] A Bíblia é única em sua rejeição intransigente de todas as tentativas de [..] identificar uma parte da criação como vilã ou salvadora.
   Isso explica os constantes ciclos políticos de esperanças e desilusões exageradas, os discursos políticos cada vez mais venenosos e o medo e desespero desproporcionais quando um partido perde o poder. Mas por que endeusamos e demonizamos causas e ideias políticas? Reinhold Niebuhr respondeu que, na idolatria política, transformamos o poder em um deus.


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A cara do Brasil que não é retratada pelo IBGE e a responsabilidade de cada um

* Obs. Todos os nomes são fictícios

    Mais uma vez trabalhei como mesário nas eleições. Parece um trabalho repetitivo e desinteressante, mas não é. Para mim é sempre uma experiência sociológica única. Nenhuma aula de antropologia na universidade poderia me trazer um retrato tão vívido do povo da cidade, e em menor escala do país.
   O vaivém constante do cara-crachá, da checagem de rotina “documento de identificação com foto” – rosto do eleitor, é um sermão da implacabilidade do tempo. Mas por que o tempo é mais implacável pra uns do que pra outros?
   Sr. H é um homem jovem, a data de nascimento informa. Mas estamos diante de um velho. Um velho trêmulo, que já pela manhã cheira a cachaça. Como no dia da eleição não se vende bebida alcoólica, desconfio que tenha um estoque em sua casa. A bebida se encarregou de debilitar sua saúde e apressar sua velhice.
    O documento de identificação  da Sra. M também nos indica uma mulher jovem. Mas estamos diante de uma idosa. Mais do que isso, alguém com marcas intensas do trabalho e de sofrimento. Fez biometria, mas os dedos estão tão grossos de calos decorrentes do trabalho pesado, que o leitor biométrico se recusa a reconhecer aquele polegar deformado, ou indicador estranho.  

    É.... há labores que não constam nos registros do Ministério do Trabalho, mas não são fictícios. Talvez sejam mais reais do que aqueles que estão sendo contabilizados pela Previdência Social.
   É verdade que o calor de Fortaleza não é para os fracos! Mas isso explica os trajes mínimos das adolescentes e jovens? Normalmente apenas os glúteos das garotas são cobertos; E muitas vezes com peças excessivamente apertadas com o objetivo de despertar os olhares cobiçosos dos homens jovens e velhos.
    Pode-se observar também que boa parte delas vem acompanhadas de crianças. Garotas com menos de 20 anos trazendo crianças que nem são mais de colo, as quais ficam ao lado, puxando pela peça ínfima que cobre os glúteos da garota-mãe.

    Claro que alguns daqueles rapazes que votaram na mesma seção devem ter sido os machos que geraram aquelas criancinhas... e nunca reconhecerão a paternidade. Isso ficará a cargo dos avós... e eles estarão livres para gerar outras crianças, que também não conhecerão o pai!
   Em pequeno número tem aqueles que desistiram do gênero que nasceram. Não é fácil identificar Maria Fernanda, a bonita garota da foto da identidade, que em nada se parece com o garoto musculoso  à sua frente. Ou ainda, fazer a identificação de Carlos Eduardo, o adolescente sério e com cara de macho retratado no documento de identificação com a moça peituda e melosa à sua frente.
    Pensa-se no futuro do país a partir dos governantes eleitos. E se pensarmos a partir do povo? E se cada brasileiro anônimo entender que o futuro desse país depende de cada um de nós? Que há consequências macro e micro para os vícios, os atos irresponsáveis!
    Eu sei que é politicamente incorreto dizer isso. Melhor pensar que são todos vítimas do sistema cruel e opressor. Eu insisto em dizer que há sim, responsabilidade em cada um dos eleitores que compareceram na minha seção para eleger o novo prefeito da cidade!

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Palestra do Pr. Carlos Queiroz na Conferência Liderança em Foco, IEADTC, Fortaleza

     O último dia de nossa Conferência tivemos a preleção do Pr. Carlos Queiroz, que em sua maneira totalmente peculiar, ministrou com sua habitual simplicidade, calma e autoridade.

     Inicialmente fomos chamados a fazer a diferenciação entre Chefe, Gerente e Líder:
     O Chefe constrói relacionamentos baseados no medo, as ameaças. Tais relacionamentos independem de valores e princípios. As gangues, máfias, quadrilhas, são o melhor exemplo deste tipo de relação.
     O Gerente é caracterizado por seu foco em resultados.
     E o Líder, tem seu foco nas pessoas, no crescimento das mesmas. Sua ação busca trazer sentido e significado para os seres humanos.
    Jesus e Barnabé são utilizados como dois grandes líderes a serem seguidos, imitados. São líderes servidores.
    A função do líder é “Apoiar e inspirar pessoas para a tarefa que Deus lhes confiou”.
    E qual a missão que ele confiou a cada um? A missão que ele confiou foi “seguir Jesus, sendo transformado de glória em glória”. É importante cada um discernir a vontade de Deus para sua própria existência. Aprendemos com Jesus “A minha comida é fazer a vontade de meu pai que está nos céus.” (Jo 4.34) É preciso que indaguemos “qual a tua vontade, Senhor?”
    É importante ressaltar que para liderar outros em primeiro lugar precisamos nos autoliderar.
    Nossas ações e atitudes são orientadas a partir de nosso imaginário, nossos modelos mentais, nossas memórias. Esse imaginário revela as estruturas e conjunturas que elegemos como padrão. Quando Jesus indaga que dizem os homens ser o Filho do Homem, eles respondem: Uns dizem Elias, João Batista. Diante do Cristo que ali estava, eles se reportavam aos modelos e estruturas já estabelecidos em seu imaginário.
    É preciso que nosso entendimento de liderança tenha como paradigma Jesus de Nazaré, e não sejamos contaminados pelas conjunturas de liderança política da nossa época, nem nossos modelos mentais e memórias. Quanto à liderança, Jesus propõe posturas contrárias às vigentes:
   “Então Jesus os chamou e explicou: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que são as pessoas importantes que exercem poder sobre as nações. Não será assim entre vós. Ao contrário, quem desejar ser importante entre vós será esse o que deva servir aos demais” (Mt 20.25-26). A lógica do Reino não está de acordo com a lógica do mundo. O Reino de Deus tem sua coerência própria.

    Quando todos esperam que um rei entre em Jerusalém com toda a pompa num imponente cavalo branco, Jesus entra montado num jumentinho. Porém, sua singularidade, a autoridade que dele emanava, não exigia pompas e animais reais. Ele foi reconhecido como rei, mesmo num jumentinho, pois a multidão acudiu aos gritos: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o Rei de Israel” (Jo 12.13)
     Liderança não depende de papel e função. Liderança depende de integridade, da construção histórica, da singularidade mais profunda de cada um.
     Liderança não é o mesmo que prestígio e fama. Liderança não é sinônimo de acumulação de recursos. Por todas essas coisas Jesus foi tentado, mas não cedeu a nenhuma delas.
     Parece que o mesmo não está acontecendo em nossos dias...
     Líderes são pessoas preocupadas não apenas em fazer algo, mas  em fazer a coisa certa. É preciso discernir o contexto, para que que possamos dar resposta adequadas às demandas de nosso tempo. Para isso, precisamos viver a plena e total dependência de Deus. Precisamos viver as bem aventuranças, choro, pobreza de espírito, pacificação... Nosso modelo será sempre Jesus de Nazaré!!!
    Tendo Cristo como exemplo maior nossa preocupação com a imagem não será superior que a nossa preocupação com as pessoas. Então, evitaremos a exposição pública quando as coisas não estiverem bem resolvidas por dentro. Isso também é autoliderança.
    Como Cristo, manteremos a oração como espaço de intimidade com o Pai. E faremos jejuns, para disciplinar os apelos da existência.

    O ministério de Cristo foi peregrinando pelas vilas e cidades da Palestina. Ele foi um peregrino. Na peregrinação saímos do nosso espaço para ir ao encontro dos outros!

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Segunda Palestra do Pr. Rubens Muzio na Conferência Liderança em Foco, IEADTC, Fortaleza

    No dia de ontem o Pr. Rubens Muzio nos trouxe mais duas tendências externas que influenciam as lideranças das igrejas, para as quais precisamos estar vigilantes e atentos, e quatro funções da igreja que devem permanentemente nortear e orientar a nossa prática de liderança.
   As duas tendências externas são o consumismo e a marketização por um lado, e o entretenimento por outro.
   A intensificação do consumo, inclusive com o fenômeno da obsolescência planejada dos produtos, faz com que a oferta de bens e serviços seja a maior preocupação das pessoas. E o fenômeno do mercado vai envolvendo tudo, inclusive as igrejas. Crentes se tornam clientes, membros de igrejas se tornam consumidores de produtos religiosos, igrejas passam a funcionar como lojas da fé, produzindo bens religiosos para o consumo. Os pastores estão preocupados com a concorrência da loja vizinha, e com a plena satisfação dos consumidores exigentes.


    A ciência do marketing vai tomando lugar do Evangelho da Cruz. Líderes marqueteiros gerenciam estruturas de distribuição de bens e serviços religiosos. E no afã da conquista de novos clientes se busca oferecer o produto ao menor preço possível. É o fenômeno da graça em liquidação. A graça é vendida muito barata, pois assim um número maior de consumidores será alcançado. O Evangelho de santidade que pressupõe a graça preciosa não tem mais espaço. Os consumidores estão muito mais interessados num pseudoevangelho antropocêntrico, do que no verdadeiro evangelho cristocêntrico e com a logomarca da cruz.
    Não são poucos os pastores e as igrejas que realinharam sua mensagem para não perder mercado. A marketização da igreja parece ser muito atraente, e até eficaz, mas tira da igreja o seu papel profético!
    Outra tendência muito sedutora hoje é o entretenimento, a igreja teatro, os eventos, os cultos shows, o pastor diretor do espetáculo, o pregador comediante motivador. No culto entretenimento a ação sobrenatural do Espírito Santo cede lugar à manipulação. Os consumidores se sentem bem, saem satisfeitos. Porém o culto não é o espaço onde nosso ego é massageado e temos nossas necessidades satisfeitas. É o lugar onde somos confrontados com a Palavra do Senhor e nos humilhamos diante da glória de Deus!
    Diante dessas tendências que muitas vezes encantam até os escolhidos, somos chamados a refletir sobre as funções da Igreja: Koinonia (comunhão), Kerygma (proclamação da mensagem), Diakonia (serviço) e Martyria (testemunho).

   Não estamos falando de conceitos abstratos, de formulações teológicas complexas que podem ou não ser abraçadas. Estamos falando de funções vitais da igreja, que caso não se observem, como diria Nietzsche, nosso cristianismo vai cheirar mal, não nos pareceremos com redimidos.
   O primeiro é o desafio da Koinonia, da comunhão, da vida unida a Cristo, do chamado à unidade prática. É o aprendizado que nos faz conviver com pessoas diferentes, a  crescer com os conflitos. É um chamado à maturidade de abandonarmos nossa ultrasensibilidade infantil, não me toques, desenvolvendo a resistência de uma pele de rinoceronte, que suporte as pressões, e as dificuldades das relações interpessoais.
   Precisamos levar em conta a orientação agostiniana para que, haja unidade nas questões essenciais, liberdade nas questões secundárias, e em todas as outras, caridade. Precisamos ter discernimento para distinguir o que são questões essenciais e quais são secundárias. Conhecimento da palavra de Deus e sensibilidade do Espírito nos ajudarão a perceber cada uma delas.
     O segundo desafio é o Kerygma, a proclamação da mensagem. Há um total desvirtuamento da mensagem no mercado da fé. Somos chamados a estar encharcados da palavra, a amar, obedecer, proclamar, enfim, voltar à Palavra.

      Da história nos vem exemplos que não podem ser ignorados, João Bunyan, João Calvino, George Muller. Homens que liam a bíblia, a amavam e a pregavam. Não são os reformadores que nos ensinaram a ênfase na palavra, eles apenas trouxeram à luz algo que havia sido esquecido. Por ocasião da separação dos diáconos os apóstolos disseram: Nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra (At 6.4).
    O evangelho precisa ser pregado nas nossas igrejas, não apenas para os que estão fora, mas também para os que estão dentro. Cristo precisa ser proclamado como o único caminho para a salvação, o centro do pensamento cristão, a essência do cristianismo.
     Outra função da igreja é a diakonia, o serviço. A diakonia exige que enxerguemos o outro, o próximo. Os quatro primeiro mandamentos nos apontam para a relação com Deus, mas os seis últimos nos apontam para a relação com o próximo.
   Há uma tensão instalada quando falamos do mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Alguns enfatizam uma parte e esquecem a outra e vice versa. Somos desafiados ao equilíbrio. Serviço cristão é tudo o que fazemos para a glória de Deus. Foi a igreja medieval que erroneamente propôs que somente o trabalho ligado à igreja seria para a glória de Deus. Por isso quem quisesse servir a Deus verdadeiramente precisava ser padre, monge ou freira. Os reformadores corrigiram esta distorção. Precisamos servir à igreja, à comunidade onde estamos. A presença de Deus não está apenas na igreja, ela preenche toda a criação. Somos agentes na Terra, para que Venha o Reino, seja feita a vontade do Senhor.
     No século XIX os irmãos ingleses entenderam que o problema da escravidão na Inglaterra era de todos eles. E todos serviram a Deus no afã de acabar com aquela prática desumana.
    Não esqueceremos a citação de Edmund Burke: “Para que o mal triunfe, tudo o que é necessário é que boas pessoas não façam nada.”
    Martyria, testemunho, foi a última função da igreja que analisamos. É curioso como a palavra original martyr significa apenas aquele que testemunha. Jesus disse ser-me-eis testemunhas (At 1.8). Os primeiros discípulos foram testemunhas de  Jesus, andaram como ele, proclamaram sua mensagem. Mas para as autoridades, inicialmente judaicas, e depois romanas, essa martyria, esse testemunho incomodava demais. Testemunhar passou a ser sinônimo de condenação à morte. Foi assim com Estêvão, e Tiago. Então a palavra grega martyr, testemunha foi para o latim mártir, designando aquele que dá a sua vida por uma causa.

   Martyria é nossa disposição em testemunhar, e caso seja necessário dar a nossa vida, pelo Senhor que por nós morreu. Isso é muito mais do que ser um crente cliente, ou “criente”. Finalizo com a citação de Richard Forster, que não devemos apenas achar bonito, mas refletir sobre o que precisamos fazer para tornar as nossa igrejas dessa forma: “Comunidade de amor e aceitação. Alianças de liberdade e libertação. Centros de esperança e visão. Sociedades de edificação e prestação de contas. Pequenos bolsões de vida e luz tão impressionantes que o mundo, quando os vir, vai se admirar: ‘Vejam como eles amam uns aos outros!’”        

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Resumo da Primeira Palestra do Pr. Rubens Muzio na Conferência Liderança em Foco, Fortaleza

    É uma alegria pra mim saber que líderes da minha querida congregação de Quintino Cunha, bem como meus irmãos supervisores e demais líderes de igreja de toda Fortaleza podem estar aqui, na nossa igreja participando de uma Conferência de Liderança, onde expoentes como o Pastor Rubens Muzio podem compartilhar conosco suas experiências e aprendizado acerca da liderança. Alguns de nós precisamos viajar até São Paulo para ouvi-lo em Eventos como o Encontro Sepal para Pastores e Líderes, hoje, temos o privilégio de tê-lo aqui conosco. Estamos de parabéns, pela iniciativa da ESLIC e da Diretoria da nossa Igreja.
    Uma conferência não é o ambiente para se sair sorrindo e descontraído. É um espaço para reflexão, é um tempo de confronto. Onde nossas aparentes certezas são sacudidas, e somos desafiados a pensar nossa prática de liderança.
   O que vimos ontem?

    Vimos que estamos sujeitos às influências que nos rodeiam. E que algumas tendências externas tem afetado nossa ação na lide pastoral. A primeira delas são os conceitos empresariais, são os padrões de resultado e eficiência que, se aplicados à igreja tornarão a mesma em uma empresa, em um negócio.
    Somos conscientes de que há uma tensão entre duas realidades que necessariamente precisam coexistir: A igreja enquanto organização humana, e a igreja enquanto organismo, Corpo vivo de Cristo.
    Não podemos permitir que o elemento organizacional sobrepuje o poder do Espírito Santo que traz vida e sentido ao Corpo do Senhor.
     A segunda tendência é a aplicação de técnicas e soluções tecnológicas, ou estratégias e ferramentas que se aplicados corretamente prometem o pleno sucesso.  Essa tendência é um indicativo de que percepções humanistas e autossuficientes estão nos dominando, que não somos mais o povo e os líderes dependentes de Deus, que nossa oração se tornou apenas um apêndice obrigatório para comprovar nossa “espiritualidade”.
    Começamos a acreditar que as coisas acontecem em razão de nossas eficientes ferramentas ministeriais. Muitos de nós utilizamos as receitas de livros que estão nas livrarias: 6 passos para um pastorado eficiente, a chave para o crescimento de sua igreja, o que fazer para duplicar o número de membros da sua igreja.
    Somos desafiados a voltar a confiar no Senhor, e no poder do Espírito Santo, vamos cuidar do nosso barco e manter a vela intacta, e depender do Vento do Espírito, que sopra onde quer, e como quer!
      Cristo é nosso modelo. Um ministério cristão verdadeiro não pode ser antropocêntrico, necessariamente precisa ser Cristocêntrico.
      Jesus é o nosso modelo em sua Encarnação. Em sua identificação com a humanidade, sua kenosis, seu autoesvaziamento bem descrita por Paulo em Fp 2. Jesus não passa ao largo da vida dos homens e da comunidade. Ele encarna missionalmente, mergulha na cultura, na vida da comunidade, sente seus dramas, sofre suas dores, abraça seus desafios.

     Não podemos ser líderes que ignoram o drama dos homens, como os religiosos, levitas que passaram ao largo do homem ferido da parábola do bom samaritano.
     Jesus é nosso modelo em sua morte. Nossa logomarca é a cruz, não a coroa. A cruz em sua tragicidade, em seu sofrimento cruel, em sua dor. O discípulo não pode ser maior que seu senhor. Todo o líder cristão precisa saber que a cruz é uma etapa de sua vida, de seu ministério. Cruz não combina com conforto, com sucesso... Nossa logomarca precisa voltar a ser a cruz, como de tantos missionários no passado, como Adoniram Judson, William Carey e tantos outros.

     Precisamos contemplar a Cristo em sua ressurreição. Sua ressurreição é sinônimo de dynamis, de poder, que veio sobre os discípulos em Pentecostes, e eles não se mantiveram escondidos, mas fizeram toda Jerusalém ser sacudida pelo poder do Espírito do Cristo Ressurreto. Comunidade do Ressurreto é a comunidade empenhada em trazer o reino para as pessoas, para que elas sejam transformadas e seja feita a vontade do Pai.


    Finalizamos com uma oração de Confissão e Petição: “Senhor que as tendências que nos rodeiam não falem mais alto que o teu Espírito. Que sejamos gente que conheça o coração de Jesus e o obedeça mais do que as técnicas de sucesso. Que sejamos teus discípulos, que nos pareçamos contigo, Jesus Cristo, Senhor nosso”.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ADULTÉRIO!!!!

    O Código Penal brasileiro em seu Artigo 240 prescrevia entre os crimes: Cometer adultério. Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses.  A Lei nº 11.106, de 28.03.05, revogou o artigo fazendo caducar a ideia de adultério como crime.
   Crime é algo que a lei nomina como tal. Praticá-lo é o mesmo que transgredir, descumprir a lei. Sabe-se que  o "crime de adultério" tinha uma pena simbólica prevista para o culpado, e essa pena não surtia efeito algum e nunca se via alguém efetivamente condenado. Não sabemos se alguém deixou de “pular a cerca” porque era crime... talvez não.
   Adultério não somente não é crime há 11 anos, como é quase um mandamento nesse país tropical. O homem que não trai a mulher, não tem um “casinho” quando viaja, que não está de olho numa mulher mais nova, ou mesmo que não está “ligado” nas curvas de alguém das redondezas... esse nem parece que é homem! Em muitos grupos um homem não dado ao adultério tende a ser excluído, marginalizado.

   Esse é o mundo dos homens! E mais especificamente esta é a sociedade brasileira. O artigo 226 da Constituição Federal (este ainda vigente) preceitua: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. A sociedade é assim mesmo, registra o ideal, e realiza o inconcebível.
    Novelas não tem atrativos se não tiverem adultérios, traições. E os tele expectadores ficam torcendo pelos amantes... pelo fim de mais uma família (que tem especial proteção do Estado).
    Deixo para os leitores pensarem e concluírem onde vamos parar, pois introduzi o tema para falar de outro adultério: O Adultério espiritual.
    Uma coisa que caracteriza o adultério é que surge um novo relacionamento sem o abandono do anterior. Um homem ou uma mulher adúlteros estão ligados a duas pessoas: seu cônjuge e seu (ou sua)  amante. E normalmente não há intenção de se abrir mão de nenhum dos dois. No entanto, o amor humano exige exclusividade, ninguém quer compartilhar o ser amado com outro.
    Quem vive em adultério vive perigosamente! Entretanto, a sociedade tenta conscientizar a si mesma da naturalidade do adultério. Parece que há uma tentativa de absorvê-lo como parte da rotina social.
    Na época em que adultério era crime, no outro lado do mundo, em Israel, os profetas de Deus ergueram sua voz contra o adultério. Profetas são pessoas chatas, um tipo de desmancha prazeres, sem graça. Não é à toa que muitos foram presos, ou até mortos.
   Me lembro de João Batista, que foi dizer ao Rei Herodes que ele estava errado em ter um caso com a cunhada, e foi preso. Depois foi degolado (Mt 14.3-12). E nesse tempo adultério era crime... Abusado, esse João. Não queria deixar o rei viver tranquilamente a sua aventura amorosa com a mulher do seu irmão Felipe. Por isso perdeu a cabeça.

    Mas não quero falar dos casos escondidos dos reis, como Davi, que o profeta Natã, esse desmancha prazer, insistiu em trazer à luz. Desses adultérios todo mundo já sabe. Quero falar de outro adultério.
    Preciso primeiro falar de outro relacionamento. Não homem-mulher. Falo de Yahweh-Israel, Deus-homem, Cristo-igreja. O profeta Isaías num bonito poema afirma: “O teu Criador é o teu marido; Yahweh dos Exércitos é o seu nome...” (Is 54.5)
     O profeta Oséias registra a história de um Israel adúltero, com vários amantes. Constatamos isso tanto na mensagem do profeta quanto em sua complicadíssima vida conjugal, uma verdadeira epopeia de traições  e reconciliações. Cito apenas um trecho que ilustra o drama desse relacionamento, Os 2.13-20:
Castigá-la-ei pelos dias dos Baalins, nos quais lhes queimou incenso, e se adornou dos seus pendentes e das suas jóias, e andou atrás de seus amantes, mas de mim se esqueceu, diz o SENHOR. Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. E lhe darei as suas vinhas dali, e o vale de Acor, por porta de esperança; e ali cantará, como nos dias de sua mocidade, e como no dia em que subiu da terra do Egito. E naquele dia, diz o SENHOR, tu me chamarás: Meu marido; e não mais me chamarás: Meu senhor. E da sua boca tirarei os nomes dos Baalins, e não mais se lembrará desses nomes. E naquele dia farei por eles aliança com as feras do campo, e com as aves do céu, e com os répteis da terra; e da terra quebrarei o arco, e a espada, e a guerra, e os farei deitar em segurança. E desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias. E desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor.”
    Em Oséias, Deus é o marido traído pelo seu povo adúltero.
   No Novo Testamento, multiplica-se a comparação do relacionamento conjugal entre Cristo e a igreja:
    Vós maridos amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela (Ef 5.25). O Apocalipse fala da grande celebração das Bodas do Cordeiro (Ap 19.7).
   O perigo do adultério ronda o relacionamento conjugal. No Velho Testamento, Oséias identifica os ídolos e deuses cananeus como Baal, como os amantes. Israel não se divorcia de Yahweh, não finda o relacionamento. Continua como Israel de Deus, mas, mantem casos com as divindades cananeias.
   Hoje a igreja desposada com o noivo celestial vive, como o Israel antigo, não apenas possibilidades, mas verdadeiro adultério espiritual. Os baalins do passado foram transformados em outro tipo de ídolos. A esposa igreja continua tendo Cristo como celeste esposo, porém, agora anda de “caso” com amantes.

   Como todo profeta “chato”, estou aqui como desmancha prazer repetindo Natã e João Batista (meus célebres predecessores).
    Há alguns dias postamos um texto muitíssimo pertinente, por Thalison Evangelista, acerca da ideologia política como ídolo do pensamento.  Gostaria de sugerir a leitura de um livro excelente acerca do assunto: Deuses Falsos, por Timothy Keller. É uma caminhada desafiadora por entre os ídolos de nosso coração.  Apenas citarei outros ídolos, cuja análise é feita de forma mais cuidadosa e acurada por Tim Keller, no livro citado.
    “Existem ídolos pessoais, como o amor romântico e a família, ou o dinheiro, poder e sucesso, ou o acesso a círculos sociais específicos, ou a dependência emocional de outros em relação a você, ou saúde, boa forma e beleza física.

     Existem ídolos culturais, como a liberdade individual, o autoconhecimento, a prosperidade pessoal e a satisfação. Além dos ídolos intelectuais, muitas vezes chamados de ideologias...”
     Enquanto pessoas comprometidas com Jesus, parte da sua igreja, e tendo Deus como único Senhor. Qual o ídolo de nosso coração? Ou quais os ídolos que temos constituído, e por ele (s) dividimos nossa adoração, nosso tempo, nosso empenho...

   Como todo adúltero, talvez estejamos racionalizando nossa idolatria. Eis porque nosso cristianismo é tão vazio. Nosso relacionamento com Deus é tão infrutífero. Não seria tempo de humildemente confessarmos e gritarmos como Davi: Pequei contra o Senhor? (II Sm 12.13). 

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ideologias políticas: Ídolos e utopias

                                                              por Thalison Evangelista

Estamos às vésperas das eleições, e os debates entre candidatos acontecem em todas as grandes emissoras do país. Muita gente assiste, outros não. Alguns se empolgam, outros, na verdade, se horrorizam com a falta de conhecimento, comprometimento, ética e outras virtudes nos candidatos.
O Brasil vem passando por uma espécie de despertar (pouco, diga-se de passagem) no aspecto político. Talvez diante do fato de tantos escândalos de corrupção e também de uma crise financeira enorme, as pessoas procuram saber o motivo por trás de tudo isso. Mas esse tipo de despertar nos esclarece, ou pelo menos nos alerta, para outro tipo de problema, a saber, a esperança depositada na política (ideologias, partidos, etc.).

Nós vivemos em um mundo profundamente secularizado, apesar de ouvirmos muito a palavra “espiritualidade”, na verdade ela hoje é usada em muitos sentidos, menos no sentido real. Mas, embora secularizado, o homem jamais deixou de ser um “ser religioso”, pois é da sua natureza adorar. Mesmo o mais ateu dos ateus adora alguma coisa, seja o objeto de adoração um animal, dinheiro, sexo, poder ou ideias.
David Koyzis argumenta em seu excelente livro “Visões e Ilusões Políticas”, que “a ideologia provém do comprometimento religioso (idólatra) de uma pessoa ou comunidade”. Talvez soe estranho para nós, modernos, essa afirmação. Afinal, estamos acostumados a ver política totalmente separada de religião, e enquanto no meio cristão se vive uma espécie de esquizofrenia em que no contexto da vida “secular” somos movidos por pensamentos diferentes em várias situações, vivendo uma dicotomia, no meio não cristão costumamos ouvir: “Não se discute religião, política e futebol”. Mesmo parecendo estranho, queremos apontar alguns argumentos que mostrarão fazer muito sentido o que Koyzis diz.
A “ideologia é religião invertida”, diz o historiador Russell Kirk. Nós diríamos ainda que ideologia é uma religião reducionista. Ela nasce primeiro no imaginário do ideólogo, e depois tenta se encaixar na realidade. Assim, para poder fazer sentido, necessariamente precisará descartar algumas verdades da criação, criar outras, e distorcer outras tantas. Dessa maneira, ela acabará formando uma visão errada da criação, criando formas distintas de enxergar o que é o mal, e mostrando formas ruins de redenção para esse tipo de mal.

Alguns pensadores, ao analisarem os totalitarismos políticos, percebem que na raiz do pensamento dos totalitários, está sua maneira equivocada de perceber quem é o homem. Mas, poderíamos ir além, percebendo que, na verdade, suas maneiras de enxergar a criação são distorcidas. Por exemplo, na ideologia socialista/comunista, a liberdade individual e grupos que pensam de forma diferente (opressores) são vistos como o mal da criação a ser combatido, por isso, o próprio Marx percebia que era necessário a ditadura do proletário, e necessário também a luta armada, para o fim dos “opressores”, que atrapalham a paz e a prosperidade mundial. Essa forma de ideologia, apesar de mostrar sua ineficiência em vários países, ainda é almejada por muitos, como uma esperança utópica, uma “religião”. Mas não só ela, como todas as outras ideologias são vistas também como esperança política para a humanidade.
Existe um perigo enorme na adoção dessas ideologias, pois como afirma o professor Francisco Razzo, em sua obra "A Imaginação Totalitária",  “na articulação conceitual, uma variável pode ser eliminada com a força do raciocínio, [mas] no mundo da vida, que é o mundo de pessoas vivas e reais, eliminar variáveis pode significar eliminar pessoas”, ou seja, nossas ideias têm consequências práticas, e elas podem ser catastróficas. Quando se delimita o pensamento a um âmbito restrito, podemos pensar o que for. Porém, quando se tenta levar as mais variadas formas de pensamentos para a realidade, e transforma-las em verdade absoluta, as consequências podem ser terríveis e irreparáveis. O homem insuficiente, tenta criar uma maneira de pensar que corresponde a tudo, e falha por ser justamente insuficiente, e não conseguir visualizar tudo. Apesar das falhas, as ideologias tomam o coração humano com a força de um ídolo, que por sua vez exigirá nosso sacrifício, e também dos outros.

A ideologia surge da nossa estiagem espiritual. Trocamos o Deus cristão por diversos ídolos, incluindo nossas próprias ideias absurdas. A confiança na graça salvadora através de Cristo, é substituída pela confiança ideológica-política. O escatológico dia do juízo final, onde a justiça será manifesta de forma perfeita por Deus, agora é realizado aqui e agora, onde são julgados e aniquilados aqueles que são contrários e atrapalham a imposição de nossa ideologia.  A esperança no porvir, nos novos céus e nova terra, é alterada pela utopia da “Sião terrena”, a perfeição na terra. Como diria Kirk, “a ideologia, em suma, é uma fórmula política que promete um paraíso terreno à humanidade; mas, de fato, o que ela criou foi uma série de infernos na terra. ”
É possível que o ideólogo questione se o Cristianismo não funciona também como uma ideologia. A resposta é simples: Não. O Cristianismo é, na verdade, revelação de Deus. Não é produto de uma imaginação de ideias feita por alguns intelectuais, portanto não pode ser chamado de ideologia. A ideologia é materialista e naturalista, e por ser reducionista desse modo, não levando em consideração toda a realidade criada, sempre vai errar em sua visão total, apesar de acertar em alguns aspectos. O Cristianismo não é materialista, nem naturalista, mas percebe que existe Alguém absoluto de onde temos o referencial para afirmar o que é a criação, o que é o homem, o que é mal e o que é bom. A ideologia, no entanto, não tem referencial absoluto para afirmar o que é bom, ou o que é mal, utilizando somente a razão como forma final de avaliação. O conflito, por fim, será inevitável, pois, como sabemos, cada ideologia tem suas ideias do que é bom e do que não é, cada uma afirmando que algo deve ser combatido e aniquilado, apontando cada qual à uma redenção diferente e ineficaz. Assim, os meios para alcançar os objetivos redentores não são levados em conta, e no sentido mais maquiavélico, os “ideolatras” levarão suas ideias adiante, rumo ao inconcebível.

É preciso perceber qual cosmovisão estamos utilizando para avaliar nossas decisões. É necessário analisar nossa maneira de pensar, e perguntar a nós mesmos por que julgamos tal ação mais valiosa que outra.
Os Cristãos devem ter sua mente cativa à Palavra de Deus, que é o referencial para toda forma de julgamento de visões. É através dela que analisamos cada ação, cada ideia proposta, cada ideologia, em seus aspectos bons e ruins. Qualquer candidato que fale a verdade, seja ele ateu ou não, fala por Deus, pois, “toda verdade, é verdade de Deus”, mas, se fala mentira, seja cristão ou não, não fala por Deus, pois, “seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso”.

Que a nossa esperança seja aquela que ainda não podemos ver, como escreve o Apóstolo Paulo. Que ela seja depositada em Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso Salvador, Redentor e Senhor, e não nos governantes desta terra, tão falhos como qualquer um de nós, e busquemos àquele a que toda forma de governo deve estar sujeita.

domingo, 25 de setembro de 2016

O que nos fascina?


   O ser humano é um ser de fascínio. Nossos sentidos têm contato com certas coisas que parecem ecoar algo dentro de nós, então ficamos fascinados! Os olhos brilham, a mente fica voltada para algo como um pensamento fixo, a adrenalina corre nas veias, nada mais importa, é um fascínio, um encanto!

    A história humana nos mostra que o homem é fascinado por algumas coisas que só mudam de contexto, mas continuam as mesmas. O homem é fascinado pelo poder. Não é à toa que em algumas sociedades um homem tinha várias mulheres. E o fascínio pela conquista de novos territórios, pela expansão do poder, levou a humanidade a seguidas guerras.  A expansão do poder vai além do contexto bélico propriamente dito para englobar as disputas culturais e religiosas. O poder do sagrado fascinava o homem medieval, e dominou o pensamento da época.
   A narrativa do Gênesis mostra-nos Eva fascinada por um fruto proibido. Não um fruto qualquer, mas um fruto que lhe traria poder: O poder do conhecimento! O homem da renascença e do iluminismo é o homem fascinado pelo conhecimento, o conhecimento oriundo da razão. Esse poder continua fascinando o homem do século XXI, tanto quanto o primeiro casal.
    Há uma faceta do poder que parece ainda mais fascinante do que outras: o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Aquilo que não tem uma resposta imediata na racionalidade humana.
      Os relatos do texto sagrado indicam desde os primórdios, que para o ser humano não há outro fascínio tão irresistível quanto o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Na verdade, o Deus invisível dos hebreus se manifesta de forma sobrenatural. E o homem é atraído como um camundongo para a fascinante armadilha divina. Foi assim com Moisés: O fascínio de um arbusto que ardia em fogo mas se mantinha verde. Quem poderia resistir como se nada tivesse acontecendo a tão tamanha maravilha?

     Quando um povo que só conhecia Deus através dos relatos orais dos seus antepassados, é formalmente apresentado a esse Deus, que é invisível, a maneira encontrada por Ele de se fazer conhecido é através do sobrenatural, do milagroso, do espantoso. Eles creram pelo fascínio do sobrenatural. Diz o texto: “...e fez  os sinais perante os olhos do povo. E o povo creu” (Ex 4.30-31).
    É assim que os judeus se tornam fascinados por sinais, pelo sobrenatural, afinal Yahweh é o Deus Todo Poderoso, que responde com fogo ao clamor de Elias no Carmelo (I Rs 18.38), além das inúmeras intervenções miraculosas de Deus ao longo da história de Israel. Os gregos por outro lado, eram fascinados pelo conhecimento. Paulo resume isto na conhecida sentença: “Os judeus pedem sinal e os gregos buscam sabedoria” (I Co 1.22).
   Escrevendo aos gálatas, Paulo indaga: “Ó Insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade”? (Gl 3.1). Alguém deveria ter fascinado os gálatas, os induzido, os encantado, os enfeitiçado, para que mudassem de entendimento, de crença.  Tiago poderia responder a Paulo, que cada um é tentado, fascinado, atraído pelo seu próprio desejo (Tg 1.14). O ser pecaminoso do homem ama o fascínio. Está dentro do homem essa tendência para ser fascinado.
      Não pergunto portanto, quem nos fascinou? Mas o que nos fascina?
     Hoje, mais do que nunca somos fascinados pelo sobrenatural, pelo místico, pelo inexplicável. E hoje há toda uma indústria que movimenta milhões em torno desse fascínio. Uma gama de segmentos religiosos surge e se expande graças ao fascínio pelo sobrenatural.

     Não estamos aqui para negarmos que Yahweh é o Deus todo poderoso, e que tem poder para dar a vida, tirar a vida, curar, abrir o Mar Vermelho... Os relatos bíblicos neo e veterotestamentários estão cheios de relatos de milagres divinos. Os fascinados pelo poder da razão e do conhecimento sempre negaram a veracidade desses relatos. Quero registrar que creio inteiramente na ação sobrenatural de Deus. Mas os evangelhos que, diga-se de passagem são eivados de relatos de milagres nos ensinam algo que não pode ser ignorado.
     Num contexto judaico a existência dos milagres, ou sinais, era autenticadora da presença de Yahweh, e legitimava a mensagem por intermédio de quem os milagres aconteciam. Foi assim que Nicodemos creu em Jesus: “Rabi, bem sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3.2).   Porém, o fato de ficarem fascinados com os sinais que Jesus fazia, fosse multiplicação de pães, cura de aleijados ou ressurreição de mortos, não os fazia seguidores verdadeiros de Cristo, e muitos o abandonaram (Jo 6.66), quando lhes foi esclarecido que precisavam partilhar da sua humanidade e crer no seu sacrifício (Jo 6.54). O fascínio é egoísta, visa fins pessoais, o gozo individual.
    É Paulo que complementa quando fala do fascínio dos judeus e dos gregos, ele diz: “Mas nós pregamos a Cristo crucificado” (I Co 1.23). Paulo nos diz o que exatamente nos deve fascinar. Não é a ressurreição de Lázaro, nem a cura da sogra de Pedro, nem a restauração da vista de Bartimeu, nem a cura da filha da mulher siro-fenícia. O que nos deve fascinar é o Cristo crucificado.
    E olhando para o Calvário veremos essa escolha da fascinação muito bem ilustrada:
    Um dos crucificados com Jesus lhe diz: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23.39). Fascinava-o o sobrenatural. Ele iria crer em Jesus se milagrosamente, e numa demonstração de poder sem igual, o mestre se despregasse dos cravos, e baixasse até o chão, deixando a cruz vazia,  salvando também a vida dos demais crucificados, e condenando à morte eterna o restante da humanidade.


    A proposta nos faz lembrar a tentação de Cristo, na qual o diabo tenta o Senhor buscando fazê-lo fascinantes demonstrações de poder: “Se tu és o filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão”; “Se tu és o filho de Deus, lança-te daqui abaixo...” (Lc 4.3,9). 
    Jesus ainda é tentado com uma proposta de fascinante poder: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória” (Lc 4.6).
    Por outro lado, o outro crucificado não se fascina com qualquer ato de glória e poder que Jesus pudesse fazer, mas apenas lhe diz: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino (Lc 23.42).
    É apenas o fascínio pelo crucificado. Que não sejam os milagres que nos fascinem, ou mesmo as possibilidades de glórias deste mundo. Mas Cristo, apenas ele, o crucificado! A nascente igreja de Cristo aprendeu que os milagres estão no âmbito da soberania de Deus. Foi assim que Tiago foi morto à espada, mas Pedro foi liberto da prisão por um anjo do Senhor (At 12.1-10).
    Se formos fascinados apenas pelo poder sobrenatural, ficaremos indefinidamente em busca de milagres e maravilhas, e não do Cristo crucificado. Se ficarmos buscando o fascínio do poder e glórias terrenas nos curvaremos diante dos ídolos. Simão, o mago samaritano recém convertido fica extasiado diante dos sinais que Deus realiza (At 8.13). Não lhe atraía o Cristo crucificado, morto, sepultado e ressuscitado. Lhe atraía de tal forma o sobrenatural que ele ofereceu aos apóstolos dinheiro para que ele pudesse ser também detentor do poder (At 8.18). Para que ele pudesse exercer livremente ações fantásticas e miraculosas. Foi duramente repreendido pelos apóstolos: Ele não era um cristão convertido!


    A prática de Simão é encontrada em toda a parte, em pleno século XXI.  Que nosso fascínio seja o Cristo crucificado, e como pobres pecadores que somos, nos juntemos ao ladrão da cruz dizendo: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Novo Impeachment no Brasil, 24 anos depois... Nesse país não se aprende com a História?

     Eu votei na eleição para presidente em 1989, a primeira eleição por voto direto no país para presidência da República, depois de longos 29 anos (a última eleição direta para presidente foi em 1960, quando os brasileiros elegeram Jânio Quadros, que renunciou no ano seguinte e foi substituído por seu vice, João Goulart, que foi deposto pelos militares em 31 de março de 1964). Tancredo Neves, o primeiro presidente depois dos militares foi eleito pelo Congresso em 1985, e morreu sem ter assumido, sendo substituído também pelo seu vice-presidente José Sarney.
   Eu não precisava votar, tinha apenas 17 anos, mas que jovem brasileiro ia perder a oportunidade de votar para presidente? Muitos de nossos pais ainda não tinham tido essa oportunidade. E havia um motivo a mais: Votar em Lula para presidente. Cantávamos a plenos pulmões: Lula lá, brilha uma estrela... Lula lá, meu primeiro voto!!! A juventude se incendiava com a canção do candidato do Partido dos Trabalhadores.
   Lula perdeu a eleição. Ficamos tristes. Fernando Collor de Mello, foi eleito por um partido desconhecido, PRN. Jovem, bonito, boa retórica, jeito de homem sério. Empreendeu algumas mudanças que impactaram o país. Eram tempos difíceis, alta inflação, nossa autoestima em baixa. Ainda me lembro da ministra Zélia Cardoso e dos pacotes para enxugar a liquidez da economia. O país foi chamado a um esforço especial para nos tirar do ciclo devastador da inflação. Estávamos prontos a dar nossa parcela de contribuição pelo bem da pátria.
    Mas tudo foi por água abaixo, quando Pedro Collor, irmão do presidente, abriu as porteiras das denúncias de corrupção do Governo. Outros se animaram também a denunciar. Dentro em breve uma CPI foi aberta no congresso. O povo ganhou as ruas e os cara pintadas, jovens como eu, foram protestar contra a corrupção. Um processo de impeachment foi aberto, e em 29 de setembro de 1992, o Congresso, liderado pela oposição petista aprovou a saída de Collor. Antes de ocorrer a votação no Senado, o presidente enviou carta de renúncia aos senadores. Collor saiu protestando inocência.




    Muitas águas rolaram... Itamar Franco, vice de Collor assumiu o governo e juntamente com seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, lograram êxito na estabilização econômica. A inflação foi definitivamente domada. Na substituição de Itamar, nova eleições: Lula e FHC. Lula perdeu na primeira vez, e na segunda, na reeleição de FHC. Mas por ocasião da saída de Fernando Henrique, Lula foi, enfim, eleito presidente.
   O discurso ético do PT, o compromisso com a classe trabalhadora, tudo isso nos dava a sensação que valia muito a pena, ser governado por Lula e pelo PT. Mas ainda no primeiro mandato as coisas começaram a desandar. José Genoíno e José Dirceu, homens fortes do partido e estrelas do novo governo se envolveram numa série de escândalos de corrupção que ficou conhecida como Mensalão.

    O Brasil entendeu que seria algo localizado, talvez de cunho pessoal, e Lula foi reeleito, e conseguiu eleger sua substituta, Dilma Rousseff. Dilma não conseguiu repetir a performance do seu antecessor, mas tinha a confiança do país. A duras penas conseguiu se reeleger, num tempo onde denúncias de corrupção surgiram de todos os lados, originadas da própria Justiça e da Polícia Federal, na operação conjunta conhecida por Lava Jato.

    Negava-se tudo. Tudo era culpa da oposição impiedosa. Um mar de lama atingiu o governo nos mais diversos escalões. A Petrobrás, praticamente desabou na enxurrada de corrupção. O povo novamente foi às ruas. Um processo de impeachment foi instaurado na Câmara dos Deputados, e hoje, 31 de agosto de 2016, o Senado Federal acompanhou os deputados no afastamento definitivo da Presidente da República.
    Hoje não sou mais simpatizante de qualquer partido. Mas eu, e a maior parte dos brasileiros temos consciência de estarmos antipatizando qualquer partido, governo, facção, grupo que esteja envolvido com corrupção.
   O que derrubou Dilma Rousseff foi absolutamente a mesma coisa que derrubou Fernando Collor de Mello, a corrupção. Mas não é só corrupção, é corrupção conjugada com prepotência, com arrogância, com hipocrisia. Ambos repetiram a mesma receita. E o resultado dessa combinação é sempre o mesmo: Impeachment. Foi há 24 anos, repete-se agora!

     O povo tolera erros de um chefe de governo, mas o povo está cansado de corrupção, de ter acesso a serviços básico precários e saber que seus tributos estão se convertendo em propina, em riquezas indevidas para um grupo de políticos. Isso não se tolera mais. Quando alguém vai entender isso? Enquanto isso não for entendido novos impeachments virão!
    Quem discordar do que eu estou dizendo, precisa negar a história, precisa negar o bom senso, a lógica, a coerência...


domingo, 24 de julho de 2016

Confissão e Lamento


   Semana passada estava envolvido na nossa congregação com o Forum Dokimon para a juventude, com o tema “O Evangelho Puro e Simples”, parafraseando C.S.Lewis. Foi um tempo proveitoso de aprendizagem para todos nós que estávamos envolvidos. Não tive tempo de acompanhar o desenrolar das novidades nas redes sociais.  Hoje, buscando me atualizar das novidades me deparei com a lamentável notícia do cancelamento de um evento na CPAD que teria participação do Rev. Augustos Nicodemus, juntamente com os desdobramentos possíveis numa sociedade conectada.
    Não pretendo realizar uma crítica abrangente do episódio, pois gente com muito mais cacife do que eu já o fez, com muita propriedade. Restou-me duas coisas, que parece que se encontram em desuso nesses tempos de um evangelicalismo triunfante: Lamentar e Confessar...



   O lamento era um recurso que os homens dos tempos bíblicos sempre lançavam à mão nas épocas de tragédia. Foi assim com Jeremias. Quase podemos ouvir sua voz de choro em suas Lamentações (Lam 2.11). Em meio a tanta tristeza decide “trazer à memória aquilo que pode lhe trazer esperança” (Lam  3.21). Gostaria de seguir os passos de Jeremias, um profeta com o qual tenho uma profunda identificação. Lamento porque nossas instituições cedem com alguma facilidade às pressões, como o Rei Saul, o que lhe causou, inclusive a perda do trono (I Sm 13.8-14). Lamento porque percebemos na igreja evangélica um festival de gente imatura. Por um lado gente imatura que por ter tido acesso ao conhecimento, a alguma formação, permitiu que a arrogância tomasse conta de si, ignorando o que Paulo escreveu aos coríntios: “O conhecimento/ciência (gnosis) incha, mas o amor (ágape) edifica. (I Co 8.1)”. Por outro lado, gente imatura que por não ter qualquer conhecimento, não sabe lidar com as situações que surgem.
    Meu lamento é maior ainda porque a solução encontrada tem sido a negação do outro. Pra quem entende, isto também é uma forma de violência! Parece ser a solução mais simples, embora não cristã para o impasse. Gente que pode ser ensinada através do exemplo, exortada pela palavra para viver em amor e não em arrogância, entra em colisão com líderes sem conhecimento e formação, e o anátema mútuo corre solto. Lamento porque num nível institucional estamos vivendo a atitude infantil dos discípulos: “Mestre, vimos um homem que expulsava demônios em teu nome, e nós o proibimos, pois ele não nos acompanha” (Lc 9.49).
   Eu poderia sentir, de repente, um sentimento pós-moderno denominado de vergonha alheia. E, certamente, juntar-me ao coro das maldições. Nas Escrituras somos chamados a encarar a culpa de nosso povo como nossa. Gosto do capítulo 9 do profeta Daniel. Daniel não fora um judeu idólatra, não transgredira os mandamentos do Senhor, mas sua oração de confissão o inclui: “Pecamos e praticamos o mal, agindo com impiedade e rebeldia, apartando-nos dos teus preceitos e das tuas normas, não demos ouvidos aos teus servos, os profetas, que falaram em teu nome... A ti, ó Senhor, pertence a justiça; mas a nós, a vergonha, como hoje se vê...” (Dan 9. 5-7).
  Confessamos que a igreja brasileira não tem se preocupado com a formação dos seus pastores como deveria fazê-lo. Muitos se encontram totalmente incapacitados para tão grande e nobre tarefa. Confessamos que não orientamos nossos jovens com o amor e piedade que deveríamos fazê-lo. Às vezes nossos seminários são fábricas de Querubins Ungidos, de donos do conhecimento, de devoradores de livros sem qualquer temor a Deus.  Fico lembrando de meu querido mestre Pr. Thomas Fodor, no Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste. Estava sempre preocupado com nossa vida devocional, com nosso caminhar com Deus, angustiado para que nossa balança entre o conhecimento e o amor estivesse em equilíbrio...
   Lamentando e confessando, quero trazer à memória aquilo que pode me trazer esperança. Conheci o Rev. Augustus Nicodemus há alguns anos, numa Conferência Teológica. É meu conterrâneo. Fala com a gravidade de um mestre, e a propriedade de quem sabe o que está dizendo. Posso não concordar com todas as suas posições, mas reconheço nele um homem de Deus, com um profundo amor pelas Escrituras. Minha formação espiritual se deu aos pés dos mestres, fossem eles da minha denominação ou não. Como jovem pobre na periferia de Recife, gostava de ler, mas não tinha dinheiro para comprar livros. Me tornei colportor, da  Editora Betânia, CPAD. Os livros eram, e ainda são minha riqueza. Nunca me importei em olhar se o autor era da minha denominação, e sim, se era alguém que tinha algo a me ensinar, sempre tentei seguir a orientação paulina: Examinai de tudo e retende o bem (I Tes 5.21). Estudei num Seminário interdenominacional que me levou a ter uma visão do Reino de Deus não sectária, não mesquinha. Fui fazer mestrado na querida Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde o fato de ser um pentecostal assembleiano nunca foi problema em minha relação com os professores e colegas.

     Atualmente estou ministrando na Igreja a Carta aos Gálatas, e um dos livros que utilizo é o livro de autoria do Pastor Augustus Nicodemus.  Fico pensando se dentro em breve não haverá uma proibição de ler os livros deste expoente da Palavra... Outro dia ministrei na Igreja sobre João 14.1-3 “Vou preparar-vos lugar”. Ao final do culto confessei a um irmão próximo que estou desejando muito ir, para um lugar junto ao Pai... Talvez não haja mais lugar para mim nesse mundo, não consigo mais achar natural determinadas coisas... Resta-me seguir o conselho de Jeremias: “Põe a tua boca no pó, talvez ainda haja esperança” (Lam 3.29).