sábado, 22 de novembro de 2014

Uma mensagem para cristãos pós-modernos

      Às vezes ficamos atordoados com o cristianismo vivido no século XXI. Pensamos que estamos vivenciando algo inédito, que são características dos tempos pós-modernos.  Nada me espanta mais. Percebi que, pelo menos  na história da igreja cristã pode-se aplicar plenamente a máxima bíblica “Não há nada novo debaixo do sol” (Ec 1.9).
    Gostaria de convidá-lo a ler um trecho de um livro, que achei  absolutamente atual:
“ Quão poucos são os que amam a cruz de Jesus
   Muitos encontram Jesus agora, como apreciadores de seu reino celestial; mas poucos que queiram levar a sua cruz. Tem muitos sequiosos de consolação, mas poucos da tribulação; muitos companheiros à sua mesa, mas poucos de sua abstinência. Todos querem gozar com ele, poucos sofrer por ele alguma coisa. Muitos seguem a Jesus até ao partir do pão, poucos até beber o cálice da paixão. Muitos veneram seus milagres, mas poucos abraçam a ignomínia da cruz. Muitos amam a Jesus, enquanto não encontram adversidades. Muitos O louvam e bendizem, enquanto recebem d'Ele algumas consolações; se, porém, Jesus se oculta e por um pouco os deixa, caem logo em queixumes e desânimo excessivo.
    Aqueles, porém, que amam a Jesus por Jesus mesmo e não por própria satisfação, tanto O louvam nas tribulações e angústias, como na maior consolação. E posto que nunca lhes fosse dada a consolação, sempre O louvariam e Lhe dariam graças.
    Oh! Quanto pode o amor puro de Jesus, sem mistura de interesse ou amor-próprio! Não são porventura mercenários os que andam sempre em busca de consolações? Não se amam mais a si do que a Cristo os que estão sempre cuidando de seus cômodos e interesses? Onde se achará quem queira servir desinteressadamente a Deus?”
    Onde está você neste jogo de afirmações?
    Agora vem o mais interessante: Quem escreveu este texto?
     Thomas de Kempis, há mais de 500 anos!


        Século XV... Norte da Europa.
     A oeste, França e Inglaterra se digladiavam numa guerra sem fim, que já ia para mais de 100 anos.  Constantinopla encontrava-se sob constante ameaça dos turcos. Na Boemia, a Universidade de Praga era sacudida pela destemida pregação do Reitor Jan Huss, que em 1415 sucumbiu nas chamas da fogueira, condenado por heresia.  Durante quase quarenta anos dois papas haviam disputado o trono de Pedro, um em Roma outro em Avignon, na França. Tempos turbulentos aqueles...
    Servir a Deus significava abraçar a vida religiosa, era sinônimo de deixar a vida comum, e recolher-se no interior dos muros de um mosteiro ou de uma abadia.
    Nascido na pequena cidade de Kempen, no extremo oeste da Alemanha, em 1379 ou 1380, o jovem Thomas foi aos 13 anos estudar em Deventer, na Holanda.  Como era costume  a cidade veio a se tornar parte do seu nome, Thomas de Kempis.  Naquela época um avivamento espiritual estava em andamento nos Países Baixos. Uma nova devoção era pregada, um fervor semelhante aos primitivos cristãos de Jerusalém e Antioquia era observado. Aqueles que aderiam ao movimento eram chamados de “Irmãos e Irmãs Devotos”.  Eles não faziam votos, mas viviam uma vida de castidade, obediência e pobreza. Thomas aderiu ao movimento e trabalhou incansavelmente pelo Reino de Deus. Ajudou a estabelecer uma casa para a comunidade no Monte de Santa Ana, próximo a Zwolle. Depois tornou-se um dos religiosos regulares.

   Ele devotou sua vida à oração, ao estudo, copiar manuscritos, ensinar noviços e ouvir a confissão das pessoas que o procuravam. Quando lhe davam uma posição de autoridade na comunidade ele preferia a quietude de sua cela ao desafio da administração.  Um possível retrato autêntico seu foi preservado com o que deve ter sido seu lema, enquanto em vida: “Em todos os lugares tenho procurado descanso...  não encontrei, exceto em pequenos recantos com pequenos livros”.

      Marcou definitivamente a história com sua obra, hoje traduzida por todo o mundo, como um clássico devocional “Imitação de Cristo”. O trecho 11 do livro Segundo, dessa obra, traz a atualíssima mensagem que lemos acima.

    Morreu em 1471... mas suas percepções ainda continuam atual, no século XXI! A sede da comunidade foi destruída no período da Reforma, mas o espírito do avivamento ainda persiste hoje!

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Mistura Paulista: Encerramento e mistura de emoções

   Às vezes eu me surpreendo como certas mudanças não afetam mais a vida das pessoas. Ou pelo menos ninguém acha relevante a ponto de comentá-la. Sexta-feira passada, dia 31 de Outubro, foi  o último dia de funcionamento do Restaurante Self-Service Mistura Paulista, no Centro de Fortaleza.  Assim que soube do encerramento das atividades de uma casa que funcionou por 22 anos fiquei triste, e fiz questão de lá almoçar os dois últimos dias, como uma espécie de despedida... uma elaboração de luto.  Pensei em escrever algumas linhas que demonstrassem meu estado de espírito. A correria cotidiana não me permitiu imediatamente fazê-lo. Porém, agora, freado compulsoriamente por força de uma conjuntivite, não pude mais adiar.
    Talvez alguém tenha escrito algo, talvez não. O Mistura Paulista, não era conhecido como um espaço de boêmios, de poetas, de literatos. Era o lugar onde almoçavam trabalhadores, empregados, executivos, gente de negócios.  Muitos que normalmente não tem tempo de refletir sobre o fechamento de um restaurante, e muito menos de escrever sobre o significado disto para suas vidas. Ou talvez, seja isto mesmo muito supérfluo, até quase imperceptível...
    Acho que sou um ser um tanto estranho, antigo, antiquado, dono de uma sensibilidade ultrapassada, que remonta a uma poesia fora-de-moda.  Por que o drama, se era apenas um restaurante?  Esta é a questão. Pra mim, não era apenas um restaurante. Foi um espaço primordialmente de encontro. Embora o simples fato de ser um restaurante, já indique sua importância para o ser humano:  um lugar de restauração... por isso restaurante, dizem que esse vocábulo, oriundo do francês, vem de “comida restauradora”.
    Além de ser um lugar onde eu era restaurado ao me alimentar com uma boa comida. Era um lugar de encontro, e que fazia me sentir em casa.  Encontro com os funcionários da casa: O mestre churrasqueiro, que já sabia que eu não gostava de carnes, mas apreciava um queijo coalho frito; a moça do caixa, que nem precisava mais perguntar se o pagamento no cartão era no débito ou no crédito, e  a tia, a senhora que nos atendia no primeiro andar, e que eu chamava de Tia.
     Eu sou um fortalezense de apenas 9 anos. Mas o Mistura Paulista foi um dos primeiros estabelecimentos gastronômicos  ao qual eu fui apresentado na cidade. Meu sogro me levou lá, quando eu ainda nem residia em Fortaleza. E vez por outra a agenda dele permitia que almoçasse com um genro assoberbado de trabalho.  Trabalhando na Praça do Carmo, minha frequência no Mistura aumentou muito, bastava virar a esquina da Rua Major Facundo e caminhar até a metade do segundo quarteirão.
    Lembro do Mistura como um lugar de celebração. Quando terminávamos alguns cursos no nosso Centro de Formação, nossa querida GEPES Fortaleza, o Mistura Paulista era o destino de todo mundo da turma no último dia do curso. Íamos celebrar juntos as novas amizades, bem como os conhecimentos adquiridos.  Reservávamos um espaço no primeiro andar, e íamos nós comermos juntos.
    Comer junto é algo sagrado, especial. Nem nos damos conta disso. Não é à toa que o cristianismo celebra sua doutrina central, a morte vicária de Jesus, com uma refeição coletiva. Em Emaús, o mestre recém-ressuscitado é reconhecido no partir do pão. Hoje comemos com tanta rapidez, e tão preocupados com o que vamos fazer depois, que não valorizamos mais este momento único, mágico.

      Ainda há outros para os quais o ato de comer junto não faz sentido, porque a hora da refeição tornou-se o momento de um balanço contábil, onde cada caloria é meticulosamente contabilizada. Então, o sabor da comida é substituído pelo terror do “engordamento”.
     Fico pensando nos amigos que precisavam compartilhar alguma coisa, e meu horário de almoço era disponibilizado, juntamente com um espaço no andar de cima do Mistura Paulista, onde éramos servidos com diligência pela Tia, que servia os mais diversos tipos de sucos, para os paladares mais exigentes.

    Na maioria das vezes eu ia sozinho mesmo. E aí eu tinha um encontro comigo mesmo, e meus pensamentos.  O lindo aquário próximo à churrasqueira trazia-me uma sensação de paz, na selva de pedra da capital cearense.  Vou lembrar sempre do aquário. Recentemente um cardume de peixinhos nasceu, e puseram uma rede no meio do aquário, separando os bebês dos adultos,  acredito que para evitar que os maiores devorassem os pequenininhos. Outro dia eu olhei e vi que a rede já havia sido retirada, os menorzinhos já nadavam junto com os grandes sem ter nada a temer...

     Mas às vezes íamos ao Mistura também nos domingos, principalmente quando nós ainda não tínhamos filhos adolescentes, e a comida por quilo não era tão dispendiosa... Depois da Escola Dominical, comíamos no Mistura e andávamos um pouco pela cidade deserta, caminhando até a Praça do Ferreira, onde dizíamos às crianças: Aqui a mamãe e o papai trocaram seu primeiro beijo de amor.

     Sexta-feira, dia 31 de Outubro foi o último dia. Conversei com a Tia, e ela falou que trabalhava lá desde quando o restaurante foi aberto, há quase 22 anos. Já estava aposentada e ia passar um tempo de”férias”.  Vou sempre lembrar do seu sorriso e presteza. Disse obrigado pela última vez à moça do caixa e fui tomar meu último chocolate quente... Delícia de chocolate quente... vou sentir falta... Mas as memórias não morrem. O Mistura Paulista da Major Facundo vai sempre existir em nossas memórias!