terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mens sana in corpore sano: Corpo perfeito numa cabeça oca?

      Quando eu era garoto estudei numa escola onde havia um grande painel na parede retratando um jovem exercitando-se  encimado pela expressão latina “MENS SANA IN CORPORE SANO”.  Naquela época não tinha o discernimento que tenho hoje, porém, mesmo sem saber latim podia intuir a tradução e o significado da frase: Uma mente sã num corpo são.
      Posteriormente vim a descobrir que Mens sana in corpore sano é uma famosa citação do poeta romano Juvenal, que viveu entre o primeiro e o segundo século da era cristã, e escreveu as Sátiras. Esta citação encontra-se na Sátira X. No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida: Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
O  A idéia portanto,  seria uma busca sábia, pelo domínio dos instintos, desejos e apetites, subjugando-os à razão, um ideal de equilíbrio e harmonia, um ideal de medida, ou seja, desenvolver o corpo e o espírito de forma equilibrada.
    Antes desse ideal de equilíbrio buscado pelo poeta romano, tinham vindo os gregos em seu afã pela beleza,  em seu esforço pela perfeição física. O grego belo era aquele que tinha nos exercícios físicos uma prática de valor do grande homem, era aquele que aprendia música, um ser politizado, com grande gosto pelo conhecimento e pela arte. E os Jogos Olímpicos eram a plataforma de desfile. A ocasião na qual aqueles homens competiam entre si, demonstravam também qualidades valiosas para aquele povo: coragem, astúcia, força, indo muito mais alem do que meramente corpos fortes e bonitos. Os jovens gregos exercitavam-se intensamente nos ginásios. O vocábulo grego “gymnos”  significa “nu”, isso porque os jovens que o frequentavam não usavam roupas.

     Um grande exemplo do desejo de perfeição grega em relação às formas do corpo masculino, onde a beleza e a virtude se materializam em um mesmo ideal, é a imagem do Discóbolo de Miron, uma obra datada do século V antes de Cristo. 
    Os gregos buscaram aliar a beleza e perfeição física às virtudes viris que os tornaram uma grande civilização da antiguidade. Os romanos, que os substituíram no domínio do mundo conhecido preocuparam-se em desenvolver com  equilíbrio o corpo e a mente, como nos ilustra o verso de Juvenal, Mens sana in corpore sano.  E nós? Dois mil anos depois dos gregos e romanos, depois de séculos de aprendizado acumulado como estamos? Os gregos se orgulhariam de nós? E o que diriam os romanos?
    Se um grego viesse do passado até nossas cidades ele ficaria surpreso. Viria centenas de atletas treinando no mundo inteiro para as Olimpíadas. Aquela acanhada competição que eles participavam com algumas centenas de representantes gregos agora se transformava num evento onde representantes de todo o mundo estão presentes. E como o homem avançou e superou recordes!
    Porém, para além dos ginásios,  onde os atletas dão o melhor de si (não obrigatoriamente nus, como naquela época), nosso cidadão grego  ficaria surpreso com as academias que estão em toda a parte. Dos bairros mais humildes aos mais elegantes e caros, academias espalham-se por toda a cidade.
   Imagine que nosso amigo grego pudesse estar acompanhado de Juvenal, o poeta  romano de cuja pena brotou “mens sana in corpore sano”.  Ele ficaria maravilhado com o empenho de todo um povo em exercitar-se, para ter uma mente sã num corpo são (já que todo mundo é sedentário mesmo, e tem controle remoto até dentro do carro!).
    Mas espere... eles começaram a observar o que as academias ofereciam. Passaram em frente a várias e constataram:
    Os modernos estão buscando corpos perfeitos. Muito interessante. Juvenal lembra que no seu tempo a busca já não era por corpos perfeitos e sim, corpos sãos. Mas, súbito, Juvenal indaga: E a mente?
     Uma voz brada de algum lugar:
    - Caro Juvenal, o corpo é perfeito, mas a mente é oca!
    O grego e Juvenal retrucaram em coro:
   - Nunca foi essa nossa idéia, nem gregos, nem romanos. De que vale corpo perfeito, se a mente é tristemente doentia?
     Um jovem que passava apressado pelos dois cidadãos antigos, e já estava atrasado para sua aula na academia, reclamou indignado:
    - Quem disse que eu tenho a cabeça oca?
     O grego então perguntou, num koinê irretocável:
     - Jovem, por que vais a academia?
     Impaciente o jovem respondeu:
     - Para ter o corpo perfeito:  barriga de tanquinho, bíceps definidos... tenho que ficar pelo menos parecido com o galã da novela das sete, ou o cara sarado do comercial de cuecas!
     - Quer dizer que não estás na verdade preocupado contigo mesmo, e sim em ter um corpo que não é o teu! Muito interessante!
      - Nunca pensei nisso. Minha namorada, com quem vou me encontrar agora na academia, também tem o corpo perfeito, já fez lipo, implantou silicone...  Não admito que ela tenha uma estria...
    Os antigos se entreolharam estarrecidos diante da constatação: Corpo perfeita numa cabeça oca! 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pinacoteca de São Paulo: um encontro com a Arte



    Ano passado fui com meus filhos para uma manhã na Pinacoteca de São Paulo. Agora estou revendo as fotos e posso assegurar que uma passada lá faz um bem danado para a alma e à sensibilidade de qualquer ser humano. Às vezes falamos do Rijksmuseum de Amsterdam, ou do Museu d’Orsay,  do Louvre e Versailles em Paris, ou do Museu Britânico e da National Gallery, ou do Museu do Prado em Madri, da Galeria Uffizi em Florença, ou da Academia em Veneza, ou mesmo dos Museus do Vaticano... mas não valorizamos o que temos debaixo do nosso nariz. Quem não pode atravessar o oceano para apreciar os museus de arte do hemisfério norte, pode descer na Estação da Luz, e a partir do trem urbano ou do metrô adentrar no mundo da arte.
  Alguns quadros me causaram  impacto peculiar. Certas obras retratam situações cotidianas, outras eternizaram na tela um sentimento, uma expressão...

   Praia de Biarritz é um enorme quadro de Paul Michel Dupuy, datado de 1913... há um século!




   Ocupa quase toda uma parede, mas chama a atenção principalmente por retratar um mundo de costumes tão diversos, quanto o de hoje.  O pintor conseguiu transpor para a tela a forma como as pessoas viviam, como se relacionavam...

    Parece  que a praia era destinada ao lazer e folguedo das crianças. As mulheres, tanto mães como babás estão ali, não para curtir a praia, e sim para cuidar dos pequenos. Não se veem homens buscando o lazer na praia. Os pequenos núcleos familiares se espalham no cenário, sempre com a presença infantil.





    As roupas eram sóbrias, cobrindo todo o corpo. A presença das babás registra o alto nível dos frequentadores do espaço... parece que não era frequentado pelas classes menos favorecidas.
       2013... cem anos depois. Pensei em ver como está a Praia de Biarritz...




   Vi que continua sendo um espaço muito procurado para o lazer, continua sendo uma praia badalada. Não é mais exclusiva dos ricaços, nem apresenta mais exclusividade para a criançada, todo mundo anda de roupa de baixo, e estas são mínimas! Somente as areias, as ondas e o calor de Biarritz continuam os mesmos!

   Outra obra que me chamou a atenção foi “Saudades de Nápoles”,  um quadro pequeno, obra da francesa Berthe Worms, 1895. 

    Nessa tela a saudade não é uma abstração, não é algo difícil de se definir... Ela se materializa, se incorpora, ela transforma-se e está espelhada no olhar dessa criança... É um menino que está  sofrendo pela dureza da vida que lhe foi imposta. A calça remendada e rasgada nos joelhos, indica o trabalho duro do engraxate que se ajoelha para cumprir seu ofício. Os sapatos estão em petição de miséria. Parece que a exaustão o levou a sentar por um minuto num banco de concreto ao pé de uma parede caindo o reboco.  Encostou o rostinho em seus instrumentos de trabalho, a caixa de engraxate, encimada pela escova... a pintora capta esse momento e a expressão daquele rosto, que  tem um nome: Saudade. É um olhar que é um misto de ausência, de nostalgia, de cansaço, de esperança, de sonho... Saudades!

     Quem tem um encontro com a arte nunca fica insensível! Vai lá, e conta também sua história.

domingo, 15 de setembro de 2013

Liderança no Contexto da Geração Y

    Liderar parece ser algo absolutamente simples. Quem olha as ações de um líder e almeja a liderança, normalmente fica pensando que no lugar daquele líder, faria muito melhor! Fala-se dos grandes líderes do passado e do presente, e comenta-se sobre seus feitos como se fossem as coisas mais banais do mundo.
   Alguém pode dizer: Alexandre, o Grande foi um grande conquistador grego que subjugou o império persa e estendeu seus domínios até a Índia;  Charles Spurgeon foi um pregador inglês que criou uma rede de assistência social e sacudiu a Inglaterra com seus sermões;  Pastor Emiliano foi um líder pentecostal  que consolidou o crescimento da Assembléia de Deus no Estado do Ceará. Falar dessa forma parece que o legado dessas pessoas foi algo muito simples, e suas realizações enquanto líderes parece ter sido algo muito natural, espontâneo...
   Eu diria que a liderança é das mais complexas artes existentes na labuta humana. Liderar, meus caros, é muito mais complexo do que parece. 
   O mercado editorial é repleto de publicações que se propõem a ensinar a arte de liderar: Aprenda a liderar com Napoleão Bonaparte, ou com Alexandre, o Grande, ou com  Jesus Cristo... Toda a literatura tem sua validade e é possível, obviamente, obter grande aprendizado com a história dos líderes do passado. Mas seria isso suficiente?





   Talvez a fonte da maior parte dos fracassos dos líderes da atualidade seja exatamente a aplicação dos métodos utilizados por outros, noutro tempo, noutra situação, noutro lugar. Como a maior parte do que se faz em ciências humanas, não é possível em liderança garantir êxito com experiência passada. Não se pode fornecer receitas sobre como fazer a partir do que aconteceu com outros. Podemos trabalhar com princípios, que nortearam experiências exitosas.  Mas é preciso algo além dos princípios... Algo que está ligado à percepção do líder...
    É preciso que o líder saiba quem são e como agem (e reagem) os seus liderados, para que ele possa posicionar-se e desenvolver uma relação sadia com os mesmos, e possa levar a efeito os desafios propostos. 
   Para nós que atualmente trabalhamos com a liderança de jovens na igreja, nossos liderados constituem o que os sociólogos chamam de geração Y.  Esta classificação envolve os nascidos após os anos 80. É uma geração que se deparou com o “boom” da rede mundial de computadores/internet, e o surgimento de uma nova tecnologia da informação, fato este que modificou substancialmente as relações humanas.

   Não se pode lidar com esta geração da mesma forma que meus líderes lidaram comigo. É preciso conhecer as características desta geração para que possamos desenvolver um relacionamento que lhes faça assumir o papel de liderados. E quem é esta geração Y?
   A geração Y é uma geração que “sabe das coisas”. A geração anterior assumia que não sabia das coisas, e o líder era aquele que sabia (ou deveria saber), e portanto era alguém em quem se podia depositar a confiança, alguém que podia ser seguido.  A idade, a formação, a experiência, tudo contava para que o líder pudesse ser alguém cujo conhecimento, ou bagagem o credenciavam para a liderança. E as pessoas precisavam de um líder... sentiam necessidade de alguém para seguir, para direcioná-las...
     A geração Y é uma geração que sabe das coisas. Não precisa de ninguém que a ensine, não quer saber de ninguém que a direcione. A autonomia da geração Y tira do caminho qualquer pessoa que possa estar ali para orientar. Quem precisa de orientação?

    A geração Y é uma geração que sabe das coisas. É uma geração que acessa o Google que imediatamente, e sem gaguejar, responde todas as suas questões. E quando, mesmo assim, ainda há alguma dúvida, faz-se uma conferência nas redes sociais, com os “amigos” virtuais que discutem a situação, e chega-se a alguma conclusão.
   A geração Y quer ser protagonista da sua própria história.  É uma geração que não quer que outros façam por si. Ela quer fazer, do seu jeito, de sua forma, com a sua cara. Não adianta chegar para alguém da geração Y pedindo que algo seja feito, e que seja feito “assim ou assado”.  Nada vai acontecer...
    Quem vai liderar a geração Y precisa saber que sua liderança não é aceita pelo simples fato de que ele foi colocado naquela posição, isto é, há uma liderança institucional. Ele precisa conquistar o seu espaço de liderança no coração dos liderados. Eles vão avaliar cada passo, cada ação daquele líder, para concluir se ele pode assumir em suas vidas, e na vida do grupo o papel de líder.

    Ora, se esta geração sabe das coisas, não precisa de ninguém que a ensine, nem oriente, nem direcione, é autônoma... Ainda há lugar para um líder? A resposta é positiva. Apesar de tudo, é uma geração consciente de que quer deixar sua marca na história. De que quer ir a algum lugar. De que não quer passar despercebida na existência. E isso só é possível se houver alguém que ocupe o papel de liderança em suas vidas, na vida do grupo.
    A liderança é um lugar a ser ocupado no coração da geração Y. Não da forma tradicional, que estávamos acostumados. Não de forma impositiva, não apenas institucionalmente. É preciso conquistar, ganhar a confiança...

    O líder hoje que ignorar estes fatos está definitivamente fadado ao fracasso.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Cargos e Funções X Títulos, ou entre Pastores e Barões

  Eu me lembro quando era garoto do subúrbio de Recife, lá no Córrego da Jaqueira... éramos pobres, mas tinha gente perto de nós que era muito mais pobre ainda... porém os livros me permitiam adentrar outro mundo... o da nobreza européia! Muito cedo eu conheci o Salão dos Espelhos, do Palácio de Versailles,  e fui me familiarizando com os Lordes britânicos, os condes franceses, os arquiduques da Áustria... Ah e eu sonhava com a corte, com a nobreza!
   Logo, logo eu sabia a hierarquia dos títulos de nobreza:  Barões, Viscondes, Condes, Marqueses, Duques...  Muito lindo tudo aquilo! E em meus sonhos, eu ficava pensando que um título de nobreza me cairia bem... um dia descobri no Museu do Estado um quadro com a imagem do Barão de Beberibe, que era o bairro onde morávamos! Eu ficaria bem recebendo uma honraria do tipo!
    Títulos eram outorgados pelos reis aos súditos que lhe agradavam e que com a honraria tornavam-se nobres, distintos dos demais. Lembrava-se da amante de D. Pedro I, Dona Domitila de Castro Canto e Melo, que recebeu o título de Marquesa de Santos. Militares recebiam títulos por suas façanhas no Campo de Batalha, como o nosso Duque de Caxias, o Duque de Wellington, que derrotou Napoleão.

    Na minha cabeça de garoto ingênuo eu olhava para a igreja onde me congregava e ficava outorgando títulos de nobreza aos irmãos... Eu e outros rapazes éramos os condes, alguns líderes seriam os duques...e por aí vai.
     O tempo passou... e eu tive oportunidade de entrar, de verdade, no Salão de Espelhos do Palácio de Versailles, e também em vários outros lugares que antes eram reservados unicamente à nobreza, e que um plebeu como eu nunca chegaria perto, se não houvessem sido transformados em museus... foi assim que eu pude conhecer o Schombrunn, a casa dos Habsburgs d’Áustria, o Palácio do Louvre, o  domicílio dos Valois da França...
   E agora, já um tanto crescido... vejo minhas imaginações de criança tornando-se realidade no mundo eclesiástico!  Há uma corrida por títulos sem precedentes... Todo tempo se ouve que alguém foi ungido apóstolo, ou bispa... ser pastor já não é mais suficiente! É preciso mais...

    É como se um simples título de Visconde fosse pouco (me lembrei de Monteiro Lobato, e o seu nobre Visconde de Sabugosa...) seria preciso  algo mais nobre... como um Marquês (ah...  marcantes lembranças da literatura: veio-me à memória o Marquês de Carabás, o título outorgado pelo Gato de Botas ao seu amo! E no Sítio também tinha o Marquês de Rabicó). Não basta ser pastor, isto é muito comum, é preciso ser intitulado bispo, de repente, bispo é pouco, ascende-se ao apostolado.
Mas esse sonho pela nobreza eclesiástica não paira unicamente na cabeça dos Príncipes da Fé. Entre a plebe espalha-se o desejo por títulos. Membros de igreja sonham  com o Diaconato, Diáconos sonham com o Presbitério, Presbíteros sonham  em ser Ministros... E assim caminha o mundo eclesiástico em seu devaneio pela nobreza... do mesmo jeito que eu imaginava quando era garoto: barões, viscondes, condes, marqueses e duques!
       Em minha necessidade de entender o mundo ao meu redor, voltei-me para a bíblia, tentando compreender  se as designações eclesiásticas de fato dizem respeito a títulos...
   Nos tempos vetero-testamentários encontraremos  sacerdotes, sumo-sacerdotes, videntes, profetas...  Percebo, porém, que não se tratava de um título de honra, embora um profeta ou sacerdote fosse tratado com honraria e distinção (I Sm 16.4) mas sim uma função, um encargo, uma missão, como o próprio Deus disse a Jeremias: Te designei como profeta às nações (Jr 1.5), ou a Amós: Vai profetiza ao meu povo, Israel (Am 7.15).
    Isso não quer dizer que não havia graves deturpações, como os profetas reais, pagos pelo rei para fazer uso da palavra divina (I Rs 22.6). Talvez para estes, muito mais que uma função, profeta significava um título de nobreza, que lhes permitia viver regaladamente do palácio. Bem que poderíamos chamá-los dos Barões do Israel Antigo, preocupados apenas em conservar seu status quo.
    E o que dizer dos sacerdotes? Tendo recebido o encargo de sacrificar e serem mediadores entre o povo e Deus, alguns também perderam totalmente a noção de sua missão e encargo divino. Como os filhos de Eli, que aproveitavam-se de sua nobre posição para se deitarem com as mulheres que serviam à porta do tabernáculo (I Sm 2.22), sem falar em outros desmandos (I Sm 2.13-14). Viam-se a si mesmos como os nobres condes da Religião de Israel.
   No tempo de Jesus a classe judaica dirigente, parceira do Império Romano era a elite sacerdotal do partido dos saduceus. De fato, naquela época o sacerdócio estava bem longe de ser encarado como missão, encargo ou função. Era título de nobreza obtido às custas de favores na relação política com os romanos. O sumo sacerdócio era fruto de negociações, e a preocupação era em buscar a manutenção do lugar conquistado (Jo 11.47-49). Eram os duques e arquiduques da Corte de Jerusalém.  Dá pra entender claramente a indignação de Jesus com tal situação. Advertências claras foram feitas contra os falsos profetas (Mt 7.15-23).
   Naquele ambiente onde funções haviam sido transformadas em títulos, e esvaziadas de seu significado original, João Batista e Jesus recusam-se a serem chamados de Profeta (Jo 1.21), embora de fato, o fossem.  Indagado acerca de sua identidade, João Batista afirma: “Eu sou a voz do que clama no deserto” (Jo 1.23), e Jesus aceitou ficar conhecido apenas como “Mestre” (Jo 13.13).
   Já era tempo de ser redescoberto o ofício profético e sacerdotal, totalmente esquecidos na vaidade louca dos títulos negociados e ostentados com orgulho por toda sorte de pessoas. Era necessária a vinda de um profeta semelhante a Moisés (Dt 18.18)! Jesus era o Mestre e seus seguidores apenas discípulos. O mestre não estimulou a competição entre os aprendizes, nem iniciou nenhum ensaio de distribuição de títulos que os fizessem sentir uns melhores do que outros. Embora essa fosse, em algum momento, a proposta dos discípulos. Eles pensavam em inaugurar uma pequena corte em torno do Rei-Messias: Tiago e João candidataram-se a Arquiduques do Império de Jesus. Grande decepção. Diante da proposta de que lhes fossem dados títulos de destaque no seu Reino, Jesus lhes disse:
     “Sabeis que os que são reconhecidos como governantes dos gentios têm domínio sobre eles, e os seus poderosos exercem autoridade sobre eles. Mas entre vós não será assim. Antes quem entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos servirá; e quem entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em resgate de muitos.” (Mc 10.35-45) 
   Talvez este tenha sido o maior balde de água fria da história!! E aquela bacia fez-lhes ver o mundo de outra forma. Entre os discípulos não deve haver busca de destaque ou competição, apenas todos servindo uns aos outros.
    A igreja inicia-se com os doze assumindo a função de apóstolos, agregando-se depois a figura dos diáconos, que parece-nos um pleonasmo, afinal ser cristão já pressupõe o servir. Depois Barnabé e Saulo recebem a incumbência do encargo da missionário (At 13.2). Não recebem um título, uma honraria para se destacarem dos demais... recebem um fardo, uma missão árdua, que Paulo encara da seguinte forma:
   “Mas em nada considero a minha vida preciosa para mim mesmo, contanto que eu complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus.” (At 20.24)
   Fica muito claro que há uma continuidade dos encargos confiados aos homens da Velha Aliança, no Israel Antigo, como Jeremias, para os chamados da Nova Aliança:
  “E ele designou uns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas, e ainda outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério e para a edificação do corpo de Cristo...” (Ef 4.11-12)
   Fica difícil pensar nas funções de pastores, apóstolos, evangelistas, mestres como títulos de nobreza, como prêmios por serviços prestados, como forma de reconhecer o trabalho de alguém, como uma maneira de destacar alguém frente aos demais. Estamos falando de fardos pesados, encargos difíceis de carregar...
     O que dizer das palavras de Paulo: Se alguém almeja ser bispo, deseja algo excelente! (I Tm 3.1)??
    Vou pedir auxílio ao Bispo de Hipona, Agostinho para nos ajudar no entendimento dessa passagem:
    “Sua intenção era dar a entender que o episcopado é nome designativo de trabalho [cargo], não de dignidade [honraria]. A palavra é grega e significa que quem está à frente é superintendente deu seus subordinados, quer dizer, tem de olhar por eles. Epi significa “sobre” e skopos, “intenção”, cuidado; portanto, podemos traduzir episkopein por “superintender”, zelar por. Dessa forma, aquele que quer comandar sem se devotar não deve pensar em ser um bispo.” Cidade de Deus, XIX, 19, pág. 410 (Ed. Vozes)
    Apenas em períodos de grave apostasia os cristãos fizeram dos cargos, títulos de nobreza, como no final da Idade Média, quando as famílias poderosas da Europa negociavam a púrpura cardinalícia para seus filhos. Foi assim com os Médici de Florença, os Bórgia... Tempos negros aqueles... Espero que não voltem mais... Mas a história tem alguns espasmos de repetição... 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Para piorar tudo é evangélica...

   Lendo as páginas amarelas da VEJA (28/08/13) me deparei com uma entrevista com o cantor Lobão.  Atirando farpas contra seus companheiros de atividade artística como Gil,  Caetano e Chico Buarque; Lobão faz o tipo artista azedo e arrogante, que, aos 55 anos diz de si mesmo que “é um bom escritor e que o seu melhor ainda não chegou”.
    Eu ainda me lembro da própria VEJA falando de Lobão nos anos 80. Ele era o retrato da contracultura, com o seu cabelão e suas tiradas irreverentes. Segundo ele mesmo, naquela época “cheirava quantidades bíblicas de pó”. Em 2010 ele contou a sua história no livro “50 Anos a Mil”. Drogas, tentativas de suicídio, e conflitos com amigos e inimigos recheiam o relato autobiográfico.

   Queria chamar a atenção para o subtítulo da entrevista: “O cantor carioca afirma que a era PT sepultou a tolerância e a diversidade de pensamento e que os protestos de rua pareciam ‘desfiles de escola de samba”.
   Não se espera de uma língua ferina e revoltada como a de Lobão amenidades e elogios... A entrevista se iniciou com os posicionamentos do velho roqueiro acerca dos protestos populares (que ele comparou com desfile de escola de samba). Não sei por que cargas dágua o entrevistador citou o papel desempenhado por Marina Silva no cenário político nacional. Lobão então proferiu pérolas preciosas que mereceram o destaque da página:

   Parece que a irreverente criatividade de Lobão encantou os editores que esperavam exatamente isso de alguém que pudesse ser um porta-voz da contra-corrente. O neologismo “clorofilocrático teocrático” então deve ter merecido vibrantes aplausos.
    Na resposta  seguinte, em sua crítica ao bloco que governa o país Lobão critica: “Não há mais espaço para a tolerância e para a diversidade de pensamento”.
    Não pretendo fazer uma análise de toda a entrevista. Mas preciso apenas fazer algumas considerações sobre  a expressão de nosso sensível artista, envolvendo a ex-senadora Marina Lima: ...para piorar tudo, é evangélica. Lobão, isso me incomodou! Claro que você dirá que isso foi dito pra incomodar mesmo, para provocar.
    Mas é que tudo parece tão louco, quanto o próprio pensamento do Lobão. Quando num bloco eu critico uma personalidade e procuro desqualificá-la totalmente, caracterizando-a como destrambelhada, e para piorar tudo, é evangélica... eu não sei até que ponto essa é uma afirmação tolerante, e que admite a diversidade de pensamento. Sim, porque no parágrafo seguinte as ações do governo são criticadas e execradas por  não haver mais liberdade de pensamento e tolerância. Claro que o Lobão se vê como um indivíduo tolerante, e um paladino da liberdade de pensamento.
    E ele quer que todos  sejamos tolerantes com a sua irreverência, com a sua rabugice, com a sua arrogância, e também admitamos a sua liberdade de pensamento que lhe permite dizer que “a prosódia de Chico Buarque lhe dá urticária”...
   Lobão, e por que você não é tolerante com as crenças de Marina Silva? Por que a militância ambientalista de Marina a faz uma destrambelhada? Por que a sua crença evangélica é colocada como o ápice do destrambelhamento? Isso também não me parece ser muito respeitoso da liberdade de pensamento...  
    A revista obteve o que desejava:  afirmações controversas ‘Contra a “abundância da mesma opinião”. Mas imagino que o caminho para se estimular o pensamento divergente não seja humilhando a posição do outro, nem sendo paradoxalmente intolerante... São bonitos os discursos prontos de tolerância de artistas e políticos. Feia é a intolerância da práxis, que faz pulsar uma teoria muito diferente do discurso...
     Quem quiser ler sobre Lobão, compre o livro dele... não quero falar da biografia desse reconhecido artista. Mas quero pensar em Marina Silva: seringueira, empregada doméstica, ambientalista, historiadora, pedagoga, vereadora, deputada estadual, senadora, Ministra do Meio Ambiente por 5 anos... para piorar tudo, é evangélica!


   Você está certo Lobão, Marina é destrambelhada... como eu, e como milhares de trabalhadores deste país, que nunca assaltaram, nunca se drogaram, pegaram no pesado, não vivem seus dias a mil, mas vivenciam as rotinas e os desafios diários, cuidam de seus pais, apreciam boa música... É isso! Sou destrambelhado como a Marina, e para piorar tudo, sou evangélico! 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O Deus que se dá a conhecer: a experiência de Moisés e Elias com a Glória (Kabod)


      Como qualquer outro conhecimento, o conhecimento de Deus não se dá de imediato, é um processo, envolve a história das pessoas, e os atos de Deus. É claro que conhecer a Deus é algo muito mais complexo de que conhecer uma casa, um livro, um vizinho. Conhecer pessoas é mais complicado do que conhecer coisas, porque as pessoas podem não mostrar-se quem de fato elas são.
     Conhecer a Deus diz respeito a um entendimento de um  Ser transcendente, a apreensão da natureza do Senhor do Universo. Não nos parece algo muito simples.
     Os agnósticos e os céticos afirmam que o conhecimento de Deus é algo impossível. Na verdade, o conhecimento de Deus só é possível, porque Ele se dá a conhecer.  Por isso Deus diz a Jeremias:  Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer... (Jer 9.23).  O Grande Deus, o Criador de todas as coisas se aproxima e começa a conversar conosco através das palavras e verdades das Escrituras, e do seu agir no nosso dia-a-dia.

     Não se trata apenas de ler a bíblia. Trata-se de ler com o desejo de nos aproximarmos de Deus.  É lendo com a seguinte indagação: Como é que Deus me fala aqui e me chama a um amor mais generoso? A uma relação diferenciada com Ele? Uma leitura da Palavra que resulte em maior conhecimento de Deus consiste em ler estando atentos interiormente às moções do Espírito de Deus na nossa vida exterior e interior... assim, estaremos nos deixando ler por Deus!
         Vejamos o que aconteceu com Moisés:
      Como um menino hebreu que cresceu no palácio do Faraó, aprendendo da ciência da época e conhecendo todas as divindades do panteão egípcio, Moisés sabia muito pouco do Deus de seus pais.
     Vivendo no deserto, parece-nos que tornou-se um homem apreciador da natureza, cuja lembrança do Deus de Israel era muito vaga em sua memória. Por isso, quando algo sobrenatural lhe é mostrado ele acha que é algo comum, e não tem discernimento para perceber que neste algo espantoso, está o mistério de Deus! (Êx 3.1-4) Mesmo assim, por pura curiosidade ele se aproxima da sarça ardente, sem saber que está dando o seu primeiro passo no conhecimento de Deus. Registre-se que Deus se revela e o ATRAI.
      A aproximação de Moisés é profana, leviana. Ele se aproxima daquele misterioso fenômeno de forma comum, como se fosse algo próprio da natureza.  De repente, percebe que há algo mais, quando ouve uma voz: “Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos pés, pois o lugar em que estás é terra santa.” (Êx 3.5)  Moisés precisava discernir o sagrado, do profano. Diante do Deus que se revela ele não pode portar-se levianamente.
     Deus se apresenta a Moisés, e este percebe que trata-se de uma apresentação formal do Deus de seus pais, que se dá a conhecer a ele:
      Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. (Êx 3.6) Neste momento, Moisés é tomado de temor e reverência e esconde  o seu rosto, entendendo estar diante da majestade Eterna (Êx 3.6)
    Numa apresentação, saber o nome do interlocutor é importante. Moisés pergunta: Qual o nome do Deus de meus pais? (Êx 3.13) Deus responde: EU SOU O QUE SOU !! (Êx 3.14) Os israelitas indagariam:  Deus se apresentou a você? Então como ele se apresentou? Que novo conhecimento ele permitiu que dEle você tivesse?
    Eu sou o que sou, ou Eu sou aquele que é. A revelação do nome, não é apenas uma verdade teológica, é um apelo a uma resposta de fé por parte de Moisés e do povo de Israel.
   Vamos confiar nEle? Vamos entregar nossas vidas e nosso destino a Ele? Vamos obedecê-lo?
    A seguir, Deus trouxe uma maior tranqüilidade a Moisés quando realizou uma série de sinais. Os sinais endossariam a presença e o poder do Deus Invisível.
    Moisés e Aarão tornam-se porta-vozes de Deus, e entregam ao Faraó e a Israel a mensagem que o Senhor lhes manda.  Mas nem sempre os resultados são os esperados.  Quando as expectativas são frustradas, Moisés volta-se para o Senhor indagando, por que?
    A  resposta de Deus revela sua longanimidade, sua paciência com o homem.  Deus revela sua Graça e fala da história da sua caminhada com Israel, um povo que inicialmente, não lhe conhecia pelo nome (Êx 6.3), fala de sua misericórdia, de promessas de salvação...
    Mas Israel está demasiado sofrido e angustiado, para que pudesse aproveitar naquele momento, o Deus que se revela para seu povo (Êx 6.9). Moisés e o povo testemunharam a liberação por Deus das 10 pragas do Egito. Celebraram a páscoa, conforme orientação divina, prepararam-se para a partida... e puseram-se a caminho.
    Em frente ao Mar Vermelho testemunharam novamente a intervenção maravilhosa de Deus. Diante da grandeza dos feitos divinos, Israel teme e crê (Êx 14.31), enquanto Moisés louva e canta.
   Deus continua agindo, mas também entrega a Moisés determinações, orientações, ordenanças, leis escritas. O caminho do deserto é um caminho de aprendizado, de expansão do conhecimento de Deus. Moisés e os anciãos de Israel sobem o monte, e têm uma visão de Deus (Êx 24.10-11)... Depois Moisés sobe sozinho e fica com Deus, no meio da nuvem (Êx 24-12-18).
    Havia um lugar especial onde Deus conversava com Moisés. Era a Tenda do Encontro, chamada também de Tenda da Revelação, lá ocorriam as conversas de Deus com Moisés (Êx 33.7-11). A esta altura, o conhecimento de Deus que Moisés apresentava já era muito amplo. As conversas aconteciam como os diálogos entre amigos. (Êx 33.11)  
    Moisés poderia estar acomodado com o nível de conhecimento já obtido. O que já era muito considerável! (Acomodação no aprendizado, é quando atingimos um ponto no qual achamos que já dominamos todas as verdades, ou seus aspectos principais, e paramos de nos empenhar no estudo da palavra, no aprofundamento do conhecimento de Deus. Ficamos repisando as mesmas verdades desprezando a riqueza de conhecimento que nos espera em Deus e na sua Palavra).
     Mas, não!! Moisés desejava mais...
     Agora me mostres os teus caminhos para que eu te conheça..  a fim de que continue a achar favor aos teus olhos (Êx 33.13)... Deus lhe responde: Irá a minha presença contigo para te fazer descansar (Êx 33.14)... e os pedidos de Moisés para aprofundamento do seu conhecimento de Deus são atendidos pois, ele achou graça aos olhos do Senhor, e era conhecido pelo nome (Êx 33.17).
     Ainda não satisfeito, Moisés pede: Rogo-te que me mostres tua glória (Kabod)... (Êx 33.18) A que glória Moisés se referia? Afinal ele já vira a glória do Senhor (Êx 16.7), em tantas outras ocasiões!
      Tua glória (KABOD)
     Vale a pena, entender por um momento o que Moisés queria dizer por tua glória. Não há dúvidas que o termo  hebraico kabod pode ser traduzido por glória na medida em que comunica a concepção de algo ou alguém que tem “peso” ou até mesmo uma posição de honra e dignidade. O termo, como substantivo e verbo, pode ser empregado tanto em relação ao ser humano como em relação a Deus. Quando usado em relação ao ser humano expõe o valor de seus bens materiais como também seu crédito e estima. Quando relacionado a Deus revela seu poder e autoridade.
    Alguns autores concordam que Israel experimentou a  kabod de Deus como um fogo devorador sobre o cume do Sinai. O esplendor da  kabod divina era tanto que nem mesmo Moisés pôde contemplar.
    Entretanto, o pensamento de  kabod,  no Pentateuco não se resume apenas a uma coluna de fumaça ou fogo, mas também está associado a completa magnificência ou grandiosidade da  presença de Deus. Era isso que Moisés buscava... Ver Deus de forma plena!  Ampliar o seu conhecimento dEle!
    A resposta do Senhor é:
      Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o meu nome... e agirei com GRAÇA (terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e me compadecerei de quem eu quiser me compadecer)  (Êx 33.19)
     O Kabod de Deus se revela a Moisés como Graça... Bondade... Misericórdia... Não é fogo, não são demonstrações de grande força... não.  Um desfile de bondade, de graça, e do Nome Santo de Deus. Esta experiência, definitivamente bastaria, para Moisés. Séculos depois, João escreveria, que em sua essência, Deus é Amor (I Jo 4.8)
      O homem que um dia foi atraído por uma manifestação sobrenatural de Deus sobre uma sarça, que queimava e não se consumia, agora gozava do privilégio de passar diante de si, a glória (kabod) de Deus. Muito mais do que manifestação de poder, Moisés testemunhava agora a essência do Deus de Israel, Deus de Graça e de Bondade!
     Às vezes continuamos girando em torno da sarça, em nossa curiosidade e empolgação... Há algo maior, há algo mais completo... busquemos ver a Glória (Kabod)  do Senhor.
    O que aconteceu com Elias? Um novo Encontro, e um conhecimento diferente de Deus
    Elias, era um profeta com uma caminhada interessante no conhecimento de Deus.  Acabara de vencer um embate com os baalistas, e grande vitória espiritual fora obtida diante do povo de Israel.
    Mas agora, ameaçado pela rainha Jezabel, Elias teme e busca a morte em sua tristeza. No deserto um anjo vem servi-lo e após alimentá-lo convoca-o a continuar a caminhada. (I Rs 19.7). Sobe ao monte e entra numa caverna para pernoitar. Ali o Senhor lhe aparece e ele testemunha uma natureza em fúria!!!
      Terremotos, ventos, fogo...
          A passagem do Senhor pela montanha foi carregada de sinais naturais. Elias já conhecia todas essas manifestações. Deus já se mostrara para ele como o Deus que envia fogo do céu (que consumiu o altar do holocausto, na prova do Monte Carmelo, e também consumiu os capitães e soldados que foram enviados para prendê-lo), como o Deus que controla as chuvas sobre a terra, que domina sobre as aves do céu (que um dia lhe serviram pão e carne)... mas naquele momento, Elias não necessitava de mais uma demonstração sobrenatural de poder de Deus. Mas naquele momento Elias não conseguia enxergar Deus em qualquer dos sinais... por isso diz o texto: O Senhor não estava no terremoto... no vento... no fogo (I Rs 19.11-12).
     Ele também ansiava pela Kabod de Deus... Mas esta Kabod não estava ali...
     Nossa visão de Deus, às vezes é extremamente reduzida. Estamos atrás dos terremotos, do fogo, dos furacões, dos terremotos despedaçados... das demonstrações sobrenaturais de poder. Que já conhecemos, que já testificamos. Mas buscar um aprofundamento no conhecimento do  Senhor, não é a busca por estas coisas... é mais que isso.
    Para que haja um verdadeiro encontro com o Senhor, e deste encontro resulte aprendizado, um novo conhecimento de Deus, é necessário algo mais que a revelação divina. É preciso que  o homem consiga enxergar o Deus que dele se aproxima.  Tem a ver com a presente necessidade humana, e sua disponibilidade em ver o invisível!!
      Elias estava carente da presença, da essência divina...
     O Kabod de Deus se revela a Elias como um Deus acessível de forma pessoal e inteligível à necessidade humana:    Uma voz mansa e suave (I Rs 19.12). Essa voz também reflete a bondade e graça divinas...
   Elias cobriu o rosto com a capa (I Rs 19,13), ao sair da caverna e ficar frente a frente com a kabod de Deus. Por que ele fez isso?  Porque desde Jacó (Gn 32.30), passando por Moisés, sabia-se que contemplar o Senhor significaria o fim do homem.
   Mas o cobrir o rosto nos fala de reverência, de temor. Nossa relação com o Senhor precisa estar pautada na reverência.  A reverência é mais do que uma emoção; é uma maneira de compreender, é um ato de discernimento sobre um sentido maior do que nós mesmos.
    A reverência reflete-se no Ai de mim de Isaías (Is 6.5). É o que sentimos quando deparamos com o mistério e com a grandeza de Deus:
      Poderás descobrir as profundezas de Deus? Poderás descobrir a perfeição do Todo-Poderoso? A sabedoria de Deus é tão alta quanto o céu. Que poderás fazer? Ela é mais profunda do que o Sheol! Que poderás saber? Ela é mais extensa que a terra e mais larga que o mar... (Jó 11.7-9)
      Na grandeza de Deus, em sua kabod, está o sublime. Aquilo a que tudo o mais se torna pequeno se lhe for comparado!!! Essa sublimidade gera a reverência em nós.
     Elias era reverente, temente... a reverência pelo Senhor é o começo da sabedoria (Sl 111.10). A bíblia não prega a reverência como uma forma de resignação intelectual, não diz que a reverência é o propósito da sabedoria... é o caminho... o início do caminho. Um homem não temente não desfruta da companhia divina!! Ele não consegue discernir o sagrado, o mistério, a kabod de Deus.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Um Encontro... muitos confrontos...


   Estou participando de um encontro de líderes cristãos... ninguém pode prever o que vai acontecer num encontro. Encontros podem significar o começo de algo novo, ou o fim de algo existente. Embora existam encontros de onde se sai do mesmo jeito, nada acontece... e a gente  volta sem nada pra contar, nada foi acrescentado, nada mudou. Claro que depende muito da disposição dos que se encontram... às vezes existe coisa nova no ar, boas propostas, mas um dos lados não abre mão de suas crenças, de suas certezas, é irredutível em suas posições, é insensível em sua avaliação do que se apresenta, vê com desdém ou cinismo o outro e o que ele traz... então não nasce coisa nova do encontro... não nasce um novo momento, não nasce uma nova perspectiva, nem um novo amor, nem uma nova missão...
   Este 40º Encontro da SEPAL, definitivamente não está se mostrando um encontro insosso, uma mera formalidade, mais um evento... verdade é que eu vim com o coração e a mente aberta para algo novo... na verdade nunca consegui deixar de lado o meu (agora velho) coração de estudante... E de alguma forma este Encontro foi um re-encontro com o meu passado. Ouvir o Asaph Borba dirigindo o louvor, e ser ministrado pelo pastor Jerê, me fez voltar 20 anos antes, quando eu ainda era um seminarista cheio de sonhos, e participava do Congresso da VINDE, em Recife... talvez alguns até se escandalizem, mas eu ainda continuo o mesmo garoto ávido por conhecimento e com o senso de que pouco sabe para as tarefas que estão por vir à frente... não perdi o coração de estudante!

Com Asaph Borba       
             Pr. Jeremias Pereira, ou simplesmente pastor Jerê, como o conhecemos no século passado, continua nos trazendo uma mensagem profunda de Deus, com um carinho peculiar e com aquele senso de humor mineiro que só ele tem. Agora com os cabelos brancos...Falou-nos sobre a mensagem de Deus a Israel: Eu é que sei os planos que tenho pra vocês... desafiou-nos a ver a vida sob o prisma da inescrutável soberania de Deus. E ele pode falar disso, ele que perdeu a querida esposa ainda muito jovem há mais de 10 anos... e ficou com os filhos pequenos, na época ele escreveu "Quando as coisas vão de mal a pior"... Não é um texto de auto-ajuda!
 Pr. Jerê                            
 O tempo vai passando e a gente vai consolidando nossas ideias, nossos conceitos... e eles vão se tornando em paradigmas, que são nossa maneira de entender o mundo e agir sobre ele. (Claro que este é um conceito meu, mas que não deve ficar tão distante do conceito acadêmico proposto por Thomas Kuhn).  A repetição das coisas e a taxa de sucesso das mesmas nos fazem consolidar nossos paradigmas... talvez ele tenham se iniciado moles, flexíveis, mas vão endurecendo com o tempo. E não apenas isso, mas passamos a vê-los com carinho, passamos a protegê-los, e atacamos todos que querem alterar nossos paradigmas. É como se isso fosse roubar parte de nós. Afinal são frutos de nossas vivências, nossas reflexões, nosso aprendizado... enfim é algo nosso!
     Imagine que você vai a um encontro e chegando lá alguém lhe apresenta algo que contradiz seu paradigma, e o desafia a abraçar outro paradigma. Seu orgulho é o primeiro a protestar. Já está tudo tão arrumado na cabeça, tudo tão organizado... tá funcionando, e vem você apresentando algo que lhe confronta, que lhe move a sair da sua zona de conforto, a questionar suas crenças, a ser desafiado a abandonar seus paradigmas... Foi isso que me aconteceu nesse encontro...
   Pr. Marco Veja veio de El Salvador, magrinho, fala mansa, simples... pastoreia a igreja Elim, um organismo em células (óbvio, todo organismo tem uma estrutura celular...). Apresentou-nos um panorama do livro de Atos dos Apóstolos como eu nunca tinha percebido antes (olha que eu tive a oportunidade de lecionar durante alguns anos o livro de Atos, no meu querido STPN).  Mostrou-nos os registros de Lucas em Atos como a relutância da igreja em Jerusalém em abrir mão dos seus paradigmas da lei mosaica de relacionamento com Deus, para abraçar os novos paradigmas da graça... fez links com a carta aos Gálatas demonstrando que, de fato Pedro, não obstante toda a insistência divina, continuava agarrado aos seus velhos paradigmas...



     Pr. Jeremias e Pr. Marco Vega também trabalharam com o texto de Jer 29.4-11... um povo de Deus em Babilônia, conclamado a interceder pela cidade em que estavam, a trabalhar pelo Shalom (pela prosperidade, pela paz) daquele lugar, a plantar pomares, a fazer aumentar o povo de Deus...
    Dr. Bishara Awad veio de Belém, da Cisjordânia. Ele é palestino, cristão, fundador e diretor da Faculdade Bíblica de Belém. Começou trazendo o Salmo 11.3: “Quando os fundamentos são destruídos, que pode fazer o justo?” Falou sobre sua história... sua família. Seu pai morreu na guerra de 1948, e sua mãe foi acolhida com os filhos na casa de muçulmanos, em Jerusalém. Falou sobre a ocupação da terra pelos israelenses... como na época dos romanos... agora os judeus são os ‘opressores’. Mas falou sobre o sublime amor de um judeu chamado Jesus, amor este que constrange os cristãos palestinos a amarem seus irmãos israelenses e orar por eles. Falou sobre a segunda milha...
Pr. Bishara e Marco Cruz (da Missão Portas Abertas)
Pensei nos meus paradigmas que me faziam ver os palestinos como as pedras no sapato de Israel. Pensei na minha educação que me inculcou um Israel triunfante... e eu li as biografias dos pais da nação de Israel, como Golda Meir, Moshe Dayan, Ythzak Rabin... e vibrei com cada vitória de Israel nas guerras de 1948, do Sinai em 1956, dos Seis Dias em 1967 e do Dia do Perdão, em 1973.
     Agora estou ouvindo um cristão palestino falando do amor de Jesus (nas palavras do professor Geza Vermes, Jesus, o Judeu), falando do verdadeiro aprendizado da Segunda Milha...
     É muito confronto, é muito paradigma a ser abandonado... que Deus me ajude...
       E ainda não terminou... hoje ainda tem o Miss. Ronaldo Lidório

terça-feira, 23 de abril de 2013

Confissões (parte 2)

   Há pouco mais de um ano, eu postava a primeira parte de minhas confissões... agora vai a segunda parte. Daqui a 10 anos eu termino de confessar tudo!!!


    Hoje as pessoas participam de tantas comunidades virtuais,  mas às vezes não encontram um ser humano de carne e osso para abraçar e partilhar o dia-a-dia. Naquela época o mundo virtual ainda era um exercício de ficção científica, e nós pertencíamos à comunidade da igreja local, que curiosamente chamava-se “Acampamento”. Foi  um espaço onde fizemos amigos, nos entendemos queridos e amados, e exercitamos nossa fé. Muito do que sou hoje, devo aquelas pessoas. Gente humilde, sofrida, trabalhadora, piedosa. Gente com suas picuinhas, seus pra-que-isso, suas idiossincrasias, gente... Gente aprendendo a viver com gente. Ajudávamos e éramos ajudados, amávamos e éramos amados.
    Tínhamos um profundo senso de pertencimento. Ali estava uma comunidade na qual minha mãe crescera com outras moças, onde também havia casado, onde as pessoas conheciam não apenas o presente umas das outras mas o seu passado, e os seus antepassados. Riam, choravam e sofriam juntos...

    A igreja mostrou-se um lugar ideal para exercício de talentos. Tão logo pude comprei minha máquina de datilografia portátil. Era uma Remington. Equivalia hoje ao notebook Itautec no qual estou digitando estas memórias. Na velha Remington eu editava o jornal mensal do nosso Grupo Vocal: Chamava-se Shalom. Eu participava de dois grupos de cântico, o Coral de Jovens e o Vocal, recitava, compunha jograis e pequenas peças, dava aulas na Escola Dominical... Ah... era colportor. Para manter meus hábitos de leitura, passei a vender livros. Foram os primeiros de minha biblioteca! E como eu devorava livros!!
    Nosso grupo de jovens era de causar inveja... éramos mais de 100 jovens numa igreja de bairro. Tínhamos algumas lideranças que nunca esqueceremos, gente que nos inspirava, gente que nós queríamos seguir...
    Fazíamos viagens evangelísticas para o interior, que nos forjaram o entendimento de um evangelho simples, que podia ser compartilhado e vivido. Meu aniversário de 15 anos foi numa dessas viagens, à cidade de Custódia, sertão de Pernambuco.
    Com 16 anos incompletos comecei a trabalhar como Menor Auxiliar de Serviços Gerais no Banco do Brasil. Trabalhava de manhã na agência Centro Recife, estudava à tarde, e fazia curso de Contabilidade à noite. Lembro-me bem do ônibus do Alto José Bonifácio/João de Barros. Vinha cheio demais, apinhado de gente... Ainda bem que indo para o Banco, eu descia no ponto final.
     Nossa farda era azul, mas um azul muito feio. A camisa era de tergal (!). Éramos muitos menores no prédio.  A Centro Recife ocupava todo o prédio da Av. Rio Branco, 240. Eram 10 andares de gente comandada por um super-gerente que era quase um semi-deus. Boas lembranças daquela época.
     Integrando a equipe BB fui forjado como profissional, e lapidado nas preferências culturais. Os colegas eram apreciadores de viagens e de arte... E o menorzinho só ouvia os relatos.
     Fui aprovado no Concurso Interno e no meu aniversário de 18 anos assumi como funcionário da carreira administrativa do Banco. Naquele ano passei no vestibular e tive a cabeça raspada. Despedi-me do Colégio no qual estudei por 12 anos, e dos amigos de infância. Fiz minha primeira viagem em férias, para João Pessoa, Natal, Campina Grande,  Taquaritinga do Norte e Paulo Afonso. Meu irmão Heber me acompanhou pelo trajeto nas capitais, depois eu continuei sozinho pelo interior.

    Comprei meu primeiro carro, uma Brasília amarela, 1980, dois carburadores... zoadenta como ela só. Foi nela que eu e meu pai aprendemos a dirigir. O Córrego, onde morávamos estava cada vez mais violento. Muitos moradores originais da rua já haviam se mudado para outros bairros em busca de mais sossego. Assim que tivemos condições, custeamos a diferença de uma outra casa, e deixamos o nosso velho Córrego da Jaqueira, e passamos a integrar a comunidade do Rio Doce, em Olinda.
    Conciliei a Faculdade com o Seminário, e toquei os cursos de Administração de Empresas e Teologia. Novos amigos em ambas as instituições. Muita leitura, muito estudo.  Perto do fim do curso de Teologia, meu amigo Leandro me levou ao Ceará, e lá na bela praia da Taíba, eu conheci minha virgem dos lábios de mel, Elynes, na época estudante de Psicologia, com a qual casei 1 ano e meio depois, e raptei para Recife.
   Concluí os cursos, fui dar aulas de Teologia, enquanto minha carreira no Banco ia progredindo. Fizemos nossa primeira viagem à Europa em 1997, e para lá retornamos algumas vezes... e as paisagens e histórias dos livros passavam diante de nós, nas catedrais góticas, nas ruas, nos museus, jardins e palácios de Paris, Toledo, Madri, Burgos, Ávila, Barcelona, Genebra, Bruges, Bruxelas, Amsterdan, Florença, Milão, Roma, Nápoli, Praga, Budapeste, Viena, Salzburg, Colônia...


      Em 1999, nasceu nosso primeiro filho, Paulo César. Eu era pai... Tia Cida, que cuidou de meu irmão Bene, quando ele nasceu, veio nos ajudar a cuidar do Paulinho. Voltei para a Faculdade para cursar uma especialização.  Quando Paulinho tinha dois anos eu fui transferido de Recife para Petrolina, no sertão do Estado... muito chororô na despedida. Novas mudanças, novas amizades, novos desafios, muito trabalho! Uma comunidade que nos abraçou com muito carinho, pessoas queridas que passaram a nos amar, e vice-versa.  Ali nasceu nossa filha, Aline Barros. O nascimento de um filho era um sinal que eu precisava voltar aos bancos escolares. Fui cursar o mestrado na Faculdade Teológica de São Paulo. Ainda me lembro do longo trajeto... ônibus de Juazeiro  a Salvador, numa estrada extremamente esburacada e um vôo de Salvador a São Paulo. Lembro  dos dias e noites trancado num quarto de um hotelzinho barato em São Paulo para terminar os trabalhos, que não conseguia fazer em casa...

     Nas férias descobertas de novos locais... nos feriados muita natureza a ser explorada na Chapada Diamantina, na Chapada do Araripe, na Serra da Capivara... Não precisava ir muito longe para fazer um passeio. Bastava pegar  o barco e atravessar o rio para Juazeiro.  Os amigos nos chamavam para as roças... uma roça à margem do Rio São Francisco, era tudo de bom! Ah... como dizia Aline, lá nós éramos celebridades, de vez em quando estávamos nas colunas sociais!
      Naquela cidade acolhedora, nossa casa na Rua da Simpatia, sombreada na frente por uma grande castanhola, era um convite para fixarmos residência ali. Fui ensinar na Faculdade local... De repente... chegou a hora de partir. Não fiz despedida, não disse adeus. Apenas fui. Por isso quando volto lá novamente, parece que eu nunca saí dali.
    O Ceará acolheu de braços abertos um forasteiro... ninguém conhecia meu passado, minha história, minha formação, meus pais... Fortaleza se tornou minha cidade, como Recife, Olinda, Petrolina... mas também como tantas outras onde estive e onde estão meus amigos... Salvador, Natal, Vitória, Brasília, Rio, São Paulo...
    São 21:00 e eu estou voando sobre algum lugar desse Brasil querido, compartilhando com vocês minhas memórias... É bom relembrar, reviver... eu estava com saudade disso!