sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Arroubos de fé, humildade e amor

    Arroubo significa enlevo, êxtase.  Santo Agostinho explica o arroubo como o momento em que “a mente é tomada por alguma inspiração ou revelação”  (Comentário ao Salmo 116.11).  Esta é uma palavra muito utilizada na literatura para se falar em atitudes impensadas de amor, tornando-se sinônimo de precipitação.  
    Em seu romance “Budapeste”, Chico Buarque escreve um trecho que ilustra perfeitamente a ideia do arroubo: “Tive medo de, num arroubo, puxá-la contra o peito e falar as coisas que eu só sabia falar na minha língua”.
    Misturando a literatura de Chico, com as reflexões teológicas do bispo de Hipona, acordei pensando em “arroubos de fé, humildade e amor”. Seriam coisas ditas de forma precipitada, ou atitudes que nem sempre correspondem às reais crenças do indivíduo.
   Lembrando passagens dos evangelhos percebo que a pessoa de Jesus Cristo provocava nas pessoas arroubos de admiração, de devoção, de paixão. E acho, que continua provocando...
   Na narrativa de Mt 8.19-20, um escriba fica tão entusiasmado com Jesus, que num arroubo de devoção declara: “Mestre, ande quer que fores, eu te seguirei”. É provável que ele estivesse a oferecer-se para acompanhar Jesus em todas as suas viagens. A resposta de Jesus visou mostrara a ele que o Filho do homem não tem lar estabelecido. É preciso levar em conta o custo de ser discípulo!
   Talvez Simão Pedro tenha sido o homem mais cheio de arroubos do texto bíblico neotestamentário. Vejamos o episódio no qual Jesus caminha sobre as águas, Mt 14.22-31:
  “Logo em seguida obrigou os seus discípulos a entrar no barco, e passar adiante dele para o outro lado, enquanto ele despedia as multidões.   Tendo-as despedido, subiu ao monte para orar à parte. Ao anoitecer, estava ali sozinho. Entrementes, o barco já estava a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário.    À quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando sobre o mar.  Os discípulos, porém, ao vê-lo andando sobre o mar, assustaram-se e disseram: É um fantasma. E gritaram de medo.    Jesus, porém, imediatamente lhes falou, dizendo: Tende ânimo; sou eu; não temais.   Respondeu-lhe Pedro: Senhor! se és tu, manda-me ir ter contigo sobre as águas.    Disse-lhe ele: Vem. Pedro, descendo do barco, e andando sobre as águas, foi ao encontro de Jesus. Mas, sentindo o vento, teve medo; e, começando a submergir, clamou: Senhor, salva-me. Imediatamente estendeu Jesus a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?”

       Quando Jesus se identifica como aquele que está vindo sobre as águas, Pedro, num arroubo de fé, candidata-se a andar sobre as águas. Ao ouvir o consentimento do Mestre, Pedro desce do barco e anda sobre as águas. Mas o vento é forte, e a realidade do medo, é ainda maior do que o arroubo de fé de Simão Pedro. Ele então começa a ir para o fundo. Clama então: Senhor Salva-me. Jesus o segura pela mão e indaga: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
   Parece que a verdade sobre a nossa fé não está nos nossos arroubos que nos fazem tomar decisões espetaculares. Está na realidade de como enfrentamos o medo, e a forte tempestade.  O fato é que, apesar do seu arroubo de fé, Pedro era um homem de pouca fé!
   A convivência com Jesus não somente provocava em Pedro arroubos de fé, mas também de humildade. Vejamos a narrativa joanina, Jo 13.3-9:
   “Sabendo Jesus que o Pai lhe outorgara poder sobre tudo o que existe, e que viera de Deus e estava retornando a Deus, levantou-se da mesa, tirou a capa e colocou uma toalha em volta da cintura. Em seguida, derramou água em uma bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha que estava em sua cintura. Aproximou-se de Simão Pedro, que lhe disse: “Senhor, vais me lavar os pés?” Respondeu-lhe Jesus: “O que faço agora, não podes compreender, todavia o compreenderás mais tarde.” Disse-lhe Pedro: “Senhor, jamais me lavarás os pés!” Ao que Jesus lhe advertiu: “Se Eu não lavar os teus pés, tu não terás parte comigo.” Rogou-lhe Simão Pedro: “Senhor, lava não somente meus pés, mas também, as minhas mãos e a minha cabeça!”

     Vendo o seu mestre lavando os pés dos demais discípulos, Pedro, num arroubo de humildade, decidiu que os seus pés não seriam lavados pelo Senhor: “Jamais me lavarás os pés”. Mas no momento seguinte, Pedro pede que o Senhor não somente lhe lave os pés, mas as mãos e a cabeça!
    A pretensa humildade de Pedro se esvai qual fumaça, agora ele pede que o Mestre lhe dê um banho!
    O mais marcante dos arroubos de Pedro, com certeza é um arroubo de amor. Senão vejamos o texto de Jo 13.36-38:
   Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, para onde vais? Jesus lhe respondeu: Para onde eu vou não podes agora seguir-me, mas depois me seguirás.  Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida. Respondeu-lhe Jesus: Tu darás a tua vida por mim? Na verdade, na verdade te digo que não cantará o galo enquanto não me tiveres negado três vezes.
   Num diálogo com Jesus, num arroubo de amor e devoção Pedro declara que pelo Mestre daria a sua vida. Esta não é uma afirmativa usual. É uma declaração de amor intensa, dita apenas para aqueles a quem se devota um profundo amor.
   Mais adiante, Jesus esclarece que “Ninguém tem maior amor do que este: de dar a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). Portanto, Pedro estava dizendo que ninguém amava mais a Jesus do que ele próprio, pois estava disposto a dar a sua vida pelo Mestre.
   Diante do arroubo de Pedro, Jesus parece cético: Tu darás a tua vida por mim? Na verdade, antes que o galo cante me negarás três vezes.

   Pedro negou três vezes a Cristo, como fora predito, antes do cantar do galo.
   Após sua morte, sepultamento e ressurreição, Jesus aparece aos discípulos às margens do Mar da Galiléia. Dirige-se a Pedro indagando: Simão, Filho de Jonas, amas-me mais do que estes? (Jo 21.15).
    É como se o Mestre retomasse a conversa de onde pararam, só que tinham diante de si a recente negação de Pedro. Negou o Mestre ainda que, em seu arroubo de amor, dissera que por ele daria a sua vida. “ É verdade, Pedro, que você me ama mais do que os demais? Pois foi isso que você declarou em seu arroubo de amor: Por ti darei a minha vida”.
   Jesus repete duas vezes a indagação se Pedro o ama, sem incluir “mais do que estes”. Ao que Pedro responde positivamente. Fica claro que Pedro não amava Jesus mais do que os demais, mas era fato que o amava.
      Queremos declarar que somos os que mais amamos o Mestre, que somos os mais humildes, que temos mais fé: Na realidade amamos igual aos outros, somos de fato orgulhosos, e temos pouca fé!
   Num arroubo de amor somos capazes de dizer coisas que nunca poderemos cumprir. Num arroubo de humildade poderemos nos comprometer com algo que de fato não corresponde às nossas ações. Num arroubo de fé poderemos dar passos que nos levarão ao afogamento.
    Ainda bem que Jesus tem paciência com nossos arroubos. Estende a sua mão e nos salva em nossos arroubos de fé. Ensina-nos pacientemente em nossos arroubos de humildade, e confronta-nos em nossos arroubos de amor.
    Fico pensando... talvez somente eu e Pedro, tenhamos arroubos do tipo! 

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Líderes relevantes no contexto urbano - Segunda Palestra do Pr. Rubens Muzio na Conferencia Liderança Em Foco

   

  Iniciamos lembrando os desafios da cidade, falados na palestra anterior, então o palestrante nos trouxe a imagem de uma ponte, e ao lado da ponte enxergamos um rio. Aquela ponte existe, situa-se na Ásia, um dia engenheiros experientes e eficientes construíram aquela ponte sobre um rio. Mas os tempos passaram, o rio mudou de lugar, a geografia mudou. A ponte continua no mesmo lugar, mas não é mais utilizada, não serve mais para cruzar o rio, embora ele ainda exista.
   Fomos instigados a refletir sobre nós mesmos enquanto líderes. Nossas igrejas foram estabelecidas por homens que fizeram da melhor forma possível, mas os tempos mudaram. Os líderes precisam entender isso. Caso contrário podemos ser pontes que não tem mais serventia, não levam a lugar nenhum.
   Os líderes são resolvedores de problemas. Desde os conselhos de Jetro a Moisés, podemos perceber o desafio dos líderes em solucionar problemas.
   Relembremos o conceito de liderança como “o esforço de exercer conscientemente uma influência especial dentro de um grupo no sentido de levá-lo a atingir metas de forma permanente, benefício que atende às necessidades reais do grupo.”
  Como eu influencio, enquanto líder?
a)      Modelando – Sendo exemplo para meus liderados;
b)      Motivando – Encorajando meus liderados;
c)      Mentoreando – Compartilhando com meus liderados, o coração da liderança, formando novos líderes;
d)      Multiplicando – Conseguindo gerar novos liderados.
    Lembrando que Jesus nos chamou para fazer discípulos. Olhando para Cristo percebemos que ele fez discípulos modelando, motivando, mentoreando, multiplicando. Somos chamados a fazer o mesmo: Ide fazei discípulos!
    É importante entendermos que, considerando o tempo dedicado pelo líder ao seu trabalho, podemos dividir o uso do tempo em dois tipos de trabalho, isto é, ocupamos o nosso tempo em trabalhos de liderança propriamente dito, e trabalhos técnicos (também podemos chamar de operacionais).
    Quando Moisés tira o povo do Egito, no início da jornada ele concentra em si mesmo todas as demandas do povo. Ele é profeta, intercessor, conselheiro de todos. Aos poucos ele vai organizando as equipes. Arão e seus filhos passam a compor a equipe de sacerdotes. Josué e seus capitães organizam o exército. O tempo de Moisés que inicialmente era em grande parte dedicado aos trabalhos operacionais, técnicos, tais funções vão sendo delegadas, e ele pode se dedicar à sua ampla função de liderança, formando líderes, ensinando o povo, organizando a nação.


    Mas Moisés ainda acha que só ele pode orientar e aconselhar o povo. É como muitos pastores, que tem boas equipes nas suas igrejas, mas ainda andam com o molho de chaves de cada porta da congregação. É nesse momento que Jetro orienta a Moisés... Lembre-se, no início, concentrar as atividades que podem ser delegadas, pode ser até necessária, mas não se pode falar em desenvolvimento e crescimento, se o líder continuar  utilizando a maior parte de seu tempo em trabalhos técnicos. Lembre-se, você não é um cavaleiro solitário.
    No Novo Testamento os apóstolos entenderam muito bem isso, quando estabeleceram que outra equipe iria cuidar das mesas e das viúvas (atividade técnica/operacional), foi o início da atividade dos diáconos, enquanto eles continuariam se dedicando à palavra (Atos 6).
    Às vezes não crescemos mais porque não sabemos formar equipes. Imaginamos que somente nós conseguimos fazer bem feito. Aprendamos com Jetro, e os apóstolos.
   Líderes nascem prontos?
    Somos pessoas naturalmente dotadas por Deus de dons e talentos, portanto podemos falar de líderes naturais. Porém, líderes naturais não são líderes maduros. Para atingir a maturidade é necessário o desenvolvimento dos dons e talentos, este desenvolvimento é feito com o auxílio de três coisas: treinamento, que nos municia em ferramentas que nos permitem realizar planejamento, provê direção e monitoramento; trabalho duro, não há líderes maduros sem trabalho duro, sem ‘meter a mão na massa’; e finalmente, disciplina, a disciplina nos transforma de líderes inconstantes e temerosos, em líderes firmes e determinados.
    E acima de tudo isso, está a ação do Espírito Santo. Mas precisamos fazer nossa parte, cooperando com Deus em nosso próprio crescimento enquanto líderes.
     Precisamos ter claro 6 coisas em nossa mente:
        a)  Missão: Por que existimos?
        b)  Valores: Que somos nós?
        c)  Visão: Para onde estamos indo?
        d)  Análise da realidade: Onde estamos agindo?
        e)  Estratégias claras: Quais serão nossos passos?

         f)   Implementação do plano de ação: Como faremos isso?

     Pensando na missão, existimos para cumprir aqui a Missio Dei, a missão de Deus. Nossa cosmovisão cristã aponta para a visão bíblica da história do mundo no esquema: Criação, Queda, Redenção e Consumação/Recriação.
    Recebemos o mandato cultural no Gênesis para sujeitar a terra, trabalhar nela. Fracassamos na nossa missão com a Queda. Com a Redenção através de Cristo, somos chamados a ser igreja, fazer discípulos, atuando na Restauração do mundo caído. A Missio Dei de restauração é dada a nós, povo de Deus.
   Nossa visão precisa estar baseada na missão e nos valores, que temos enquanto Igreja de Deus. Precisamos ter uma mesma visão, sonhar unidos. Pois visão + visão = divisão.  Sonhemos grandes sonhos para Deus e realizemos grandes coisas para Glória de Deus.
    A análise da realidade é necessária para que tenhamos uma compreensão das questões que      nos cercam:
    Onde está situada nossa igreja? Há alguma subcultura  que manifesta um nível de opressão satânica? Existem grupos muito vulneráveis próximos a nós? Quais as oportunidades de parceria?
    A partir daí, dessa conscientização precisamos traçar estratégias claras, definindo nossos passos e implementando um plano de ação.
    Como líderes somos convidados a olhar para o apóstolo Paulo, com quem aprendemos a crescer para baixo:
   Em 59 d.C Paulo dizia: Eu sou o menor dos apóstolos, indigno de ser chamado de apóstolo, porque persegui a igreja de Deus (I Co 15.9).
   Em 63 d.C Paulo escreveu aos efésios: A mim, o menor entre todos os santos, foi concedida a graça de anunciar aos gentios as riquezas insondáveis de Cristo (Ef 3.8). A medida que o ministério de Paulo avançava, prosperava, ele sentia-se menor, crescia para baixo.
   Em 64 d.C Paulo escreve a Timóteo: Esta palavra é fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.
   A identidade de Paulo está em Cristo, não nele. Por isso ele dizia, vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim. Aprendemos com Paulo, e com Jesus, a humildade.
   Cuidado com a tentação de superestimar nossas realizações.  Agostinho dizia: “Você quer elevar-se? Comece descendo. Você planeja uma torre que alcança as nuvens. Firme primeiro os alicerces da humildade.”
    Jonathan Edwards, pastor puritano do século XVIII dizia: “Estou convencido como Calvino está, de que todas as muitas provações dos homens são para demonstrar para si e para o mundo que eles são apenas falsificações.”
   O grande pecado dos líderes é o orgulho. Dizia C.S. Lewis: “Se alguém quiser adquirir humildade, eu penso que posso lhe dizer qual é o primeiro passo. O primeiro passo é reconhecer que você é orgulhoso”.
    Foi o orgulho que fez Lúcifer transformar-se em diabo, e é o orgulho que faz com que o homem se pareça com o diabo. Irmãos, calcemos as sandálias da humildade. Para a doença do orgulho só existe um médico, Jesus, ele próprio é o remédio. Encarnou e viveu como servo humilde. Ele é o remédio para o nosso orgulho.

    C.S.Lewis dizia que “Humildade cristã não é pensar menos DE SI mesmo, é pensar menos EM SI MESMO. É não mais reparar em você mesmo, o que você está fazendo como está sendo tratado. É um abençoado auto-esquecimento.”

   Dependemos do Senhor, olhemos para Ele, manso e humilde, o Leão de Judá, que nos mostra a sua face, Cordeiro de Deus, que foi morto, ressuscitou, e nos inspira a vida de  humildade, desprezando nosso orgulho pecaminoso.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Os desafios do Contexto Urbano - Palestra do Pr. Rubens Muzio na Conferência Liderança em Foco

  
 A Igreja Evangélica brasileira apresentou galopante crescimento nos últimos 40 anos, ultrapassando 26 milhões de adeptos, o que significa uma parcela de aproximadamente 22% da população, conforme dados de 2010.
    Entretanto, tal crescimento é acompanhado de algumas preocupações, tais como:
- Uma superficialidade que se manifesta em pouca consciência do pecado, numa conversão também superficial, numa espiritualidade carnal, ou carnalidade espiritual;
- Profunda ênfase na experiência mística, sem a necessária dosagem de doutrina e ensino da Palavra de Deus;
- Esterilidade evangélica, ausência de frutos;
- Desenfreada busca por modelos, modelos que possam levar ao “sucesso”;
- Separatismo, isolamento, busca desenfreada por garantir seus “clientes”;
- Um gosto por entretenimento, teatro, espetáculo (sem que seja o espetáculo da cruz de Cristo);
- Desafios na santificação.
   Em outras palavras, precisamos fazer a indagação: O Brasil é um país melhor por causa de quase ¼ da população que se diz evangélica?
    A população evangélica do Brasil está em praticamente todas as cidades. Pouquíssimas cidades no país apresentam um número abaixo de 5% dos evangélicos. O Brasil é um país predominante urbano, as pessoas estão mais nos ambientes de cidades. Cerca de 80% da população brasileira está nas cidades.
     No texto de Mt 9.35-38, vimos que Jesus caminhou por várias cidades, Josefo estima que tenham sido cerca de 200 cidades, percorrendo os ambientes urbanos e também os rurais, entrando nas sinagogas, mas não apenas enxergando as multidões como coletivo, mas encontrando pessoas, com as quais o Mestre interage, observa suas condições, percebe suas carências e necessidades.
    Quando o Senhor diz: Rogai ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua colheita, ele quis dizer que os trabalhadores estão no campo da colheita. Precisamos abrir os olhos e enxergar a nossa realidade como possível de ser transformada, entendendo o que está acontecendo, olhando com olhos de um pesquisador, ouvidos aguçados, coração sensível, cheio de compaixão.
    Lembremo-nos que “AS CIDADES são o principal campo missionário do século XXI.”
     O contexto das cidades tem sua complexidade, é um ambiente multigeracional, onde convivem pessoas de diferentes gerações, culturas, cosmovisões, sonhos, valores.
    Quando olhamos para as cidades, muitos de nós temos uma postura que precisa urgentemente ser revista:
     Desprezamos a cidade como má e pecadora, então nos isolamos, buscamos nos afastar de sua contaminação moral. De fato, nas palavras do apóstolo Paulo “Toda a criação geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de parto” (Rm 8.22), mas essa cidade reflete os problemas do país, do mundo e precisamos enxergá-la como objeto do amor de Deus.
     Cientes de que os problemas são grandes demais, e nós não temos tanto poder nem amplitude de ação, nos anulamos na nossa impotência, e já que nada se pode fazer, ficamos somente a almejar o céu. De fato, não podemos resolver todos os problemas da cidade, mas será que não podemos eleger algum problema, uma área, e trabalharmos com afinco na transformação da cidade?
     Isolamento e ausência de cooperação e unidade com outras igrejas, associações e ONGs. É importante registrar as palavra de John Stott: Não podemos dividir a igreja como não podemos dividir a Trindade. Mas parece que temos um gosto especial por agir sozinhos, trabalhar sozinhos.
     A percepção da vocação ministerial da igreja como espiritualizada. Na idade Média a única forma de servir a Deus era sendo monge, freira ou padre. A maior parte dos nossos irmãos ainda pensam assim. Só tem vocação para servir no Reino de Deus quem prega, canta, ora, ou é cantor. Os demais, coitados, não são vocacionados. A Reforma protestante veio restaurar a visão de vocação, a partir do texto de Paulo aos Coríntios: Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus (I Co 10.31). Se estamos lavando a louça, ensinando na escola, atendendo o cliente no banco, estamos desempenhando nossa vocação para a glória de Deus. Dizia Abraham Kuyper: Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!
       Como podemos agir na restauração da cidade?
      Reconhecemos que decorrente da queda, podemos constatar o mal estrutural no mundo, quer seja na política, apresentada no Brasil em sua forma terrivelmente corrupta, quer seja no secularismo da sociedade, numa religiosidade legalista e idolátrica, numa economia de opressão e injustiça, numa mídia orientada para o negócio e o consumo, manipulando as mentes e cheia de sensualidade, numa educaçãoo voltada para uma filosofia secular e individualista voltada para o sucesso.
      Que mensagem Deus nos envia orientando nossa ação em algumas dessas áreas a serem transformadas em nossa cidade?
     É a mesma mensagem contida na carta que o Profeta Jeremias enviou aos exilados em Babilônia, contida no seu livro cap 29.3-14. As orientações divinas sobre como viver numa terra que não pertence a Deus, na qual nos sentimos como exilados e imigrantes, podem ser condensadas nos seguintes pontos:

a) Construam casas e habitem nelas. Apesar de todas as coisas que estão acontecendo, Deus continua sendo soberano sobre todas as coisas. Cultivem um senso de equilíbrio entre a peregrinação e a permanência, que Calvino chamou de “estado de suspense”: não se pode estar alienado da sociedade onde se habita;
b) Plantem jardins e comam dos seus frutos. Acompanhem o ritmo da estação. A dignidade do nosso trabalho é restaurada, fazendo tudo para a glória de Deus. Exercitem sua vocação social, sejam produtivos. Ponham em prática o mandato cultural recebido por Deus no Jardim do Edem: Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a e dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu... Em outras palavras, criem empregos, vençam nos negócios de forma lícita, paguem seus impostos com integridade;
c) Casem-se e tenham filhos. Valorizem seus relacionamentos, e assim testemunhem para os demais acerca dos valores deixados por Deus;
d) Busquem a prosperidade da Cidade. A palavra hebraica para prosperidade é Shalom, que também significa, completude, paz, harmonia, plenitude. A Shalom dos judeus está contida na Shalom da cidade. A prosperidade da cidade abençoa a comunidade de crentes, e não o contrário. Para tanto engajem-se na sociedade em todas as esferas da sua vida política e pública;

e) Orem pela prosperidade da cidade, pelo Shalom da cidade.  Busquemos a cada dia ser uma igreja que intercede pela cidade, suas mazelas, seus problemas, seus desafios. Isso não é algo estranho a nós. É orientação divina que sejamos sacerdotes intercedendo pela cidade.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Blasfêmia e Respeito

   Blasfêmia é uma palavra quase em desuso. Poucos conhecem seu significado. O dicionário Aurélio clarifica acerca do seu significado: “Dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado.”
     Para muitos a definição não ajuda muito pois traz outro vocábulo também com significado pouco claro nestes tempos de discursos inflamados para ouvintes pouco informados: sagrado.  Blasfêmia é um insulto contra o que se considera como sagrado. (Propositadamente vou ignorar o “dito ímpio”, porque já seria exigir demais do repertório vocabular da maior parte das pessoas).
    E o que é o sagrado? O dicionário Caldas Aulete nos diz que “se refere às coisas divinas, aos cultos religiosos”.  Então, Blasfêmia é um insulto contra o que se considera como divino, religioso.
     E o que é um insulto? Embora todos entendamos claramente o que seja um insulto, vamos recorrer ao dicionário pela última vez para que não fiquem dúvidas:  “Palavra, gesto ou atitude ofensiva, desrespeitosa”.




     Blasfêmia é uma palavra, uma ação, uma atitude muito conhecida e discutida nas sociedades religiosas, nos grupos humanos onde a divindade integra o cotidiano das pessoas. Os gregos eram profundamente religiosos, o apóstolo Paulo constatou isso quando foi a Atenas (At 17.22), e na mesma Atenas, há mais de 400 anos, Sócrates havia sido condenado  à morte por blasfêmia.
    Na antiga sociedade israelita, profundamente embebida do senso do sagrado, a blasfêmia também era punida com a morte. Foi assim com Nabote, que injustamente acusado de blasfêmia, foi apedrejado (I Rs 21.13).
    A mais conhecida acusação de blasfêmia, com certeza é do próprio Jesus Cristo. Foi acusado de blasfêmia, pelo grupo religioso dominante de Israel no tempo da dominação dos romanos, e condenado à morte (Mt 26.63-66).
      Século XXI, 2017. Como falar de blasfêmia em tempos de descrença? Como falar de blasfêmia quando a crença religiosa não mais faz parte do cotidiano das pessoas? A crença no divino tornou-se algo privado, que não se deve enunciar.
      E o que é o divino? Na sociedade grega, falar do divino era falar dos deuses do panteão grego, de Zeus a Eros. A sociedade romana absorveu o panteão grego e adaptou seus nomes. Numa sociedade cristã, seja ela antiga, medieval, moderna ou contemporânea, falar do divino é falar da Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
     Numa sociedade islâmica, Alá é Deus, e Maomé o seu profeta.
      Por ocasião da Revolução Francesa, a Razão foi divinizada. Na época de Augusto Comte, foram erigidas igrejas positivistas, inclusive no Brasil. As igrejas positivistas não vingaram, mas a divindade da Razão, sim.
      O homem do século XXI, cultua a razão, a liberdade, e ignora as crenças tradicionais religiosas, sejam elas cristãs, islâmicas ou judaicas.
      Por isso, vive-se tempos onde se pode fazer ou dizer qualquer coisa, e não será visto como blasfêmia. Relembrando: Dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado. Quem considera como sagrado (divino, religioso ou algo do tipo)? O homem culto do século XXI não considera como sagrado crenças religiosas tradicionais. Portanto, para ele não existe blasfêmia. Por isso ele se acha no direito de ridicularizar, humilhar, e ofender aquilo que outros consideram como sagrado.

      Em 2015, um atentado terrorista matou várias pessoas do jornal francês Charlie Hebdo, em Paris. Alá foi achincalhado e Maomé foi exposto ao ridículo nas charges do jornal satírico francês. Para os irmãos muçulmanos Said e Cherif Kouachi, aquela blasfêmia deveria ser respondida com a morte.
    Quem tiver curiosidade de ver o trabalho do Charlie Hebdo, vai constatar que não apenas crenças muçulmanas são ridicularizadas, e ofendidas...
   Manifestações públicas no mundo inteiro resultaram da indignação do esclarecido homem culto ocidental, pela liberdade de expressão contra o Massacre do Charlie Hebdo.
    Os chargistas franceses só quiseram utilizar sua liberdade de expressão. Por que entender que era um insulto? Relembrando, Insulto: Palavra, gesto ou atitude ofensiva, desrespeitosa.
     Se numa sociedade arreligiosa não se reconhece a existência de blasfêmia, mas seria possível entender o significado de insulto? Atitude ofensiva, desrespeitosa?
     Abstraindo crenças religiosas, fé, divindade, porventura o homem culto do século XXI não deveria manter com o outro uma atitude de respeito?
      E essa atitude de respeito, porventura não é superior à liberdade de expressão?

      Na época em que a sociedade dava ouvidos aos ditos religiosos, amar ao próximo como a si mesmo, era um valor da sociedade cristã... mas isso é coisa do passado!
     Uma liberdade que não respeita o outro, é anárquica, destrutiva, ofensiva.
     Diante dos deuses gregos, o missionário cristão Paulo, não os ridicularizou ou ofendeu. Falou deles com respeito, num discurso que chegou até nós através do livro de Atos dos Apóstolos. Mas querer tirar lições de um livro como a Bíblia é querer muito do homem culto do século XXI.
     O recente episódio da exposição Queermuseu, no Santander Cultural de Porto Alegre, mostra que conta com incentivo financeiro do Ministério da Cultura reabriu a discussão no Brasil acerca da liberdade de expressão.
    A Revista Veja utilizou 7 páginas de sua edição de 20/09 para expor o assunto. As duas reportagens publicadas tratam sobre a liberdade de expressão, com os temas: A Vitória das Trevas (pág.74 a 78) e A Censura das Redes (pág. 80 e 81).
    Acho interessante os seres humanos, só conseguem ver o que querem ver. Talvez conseguíssemos ser uma sociedade menos belicosa, se puséssemos o respeito acima da liberdade de expressão.  Se um pouco de humildade nos fizesse ouvir a voz de Cristo: “Tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei vós também a eles” (Mt 7.12).
        Seria pedir demais, não?
    Ontem Cristo e sua mensagem encontrada nos evangelhos nos inspirava, agora Sartre e seu existencialismo, e sua máxima “O Inferno são os outros”, norteiam a sociedade. Posso afirmar que baseado nessa realidade nosso futuro será sombrio, e não adianta clamar pela liberdade de expressão!

      

domingo, 11 de junho de 2017

Pombos: romantismo e convivência, o que a sabedoria hebraica nos ensina

     Época dos namorados, o romantismo está no ar. Comprei um mimo altamente calórico para minha namorada, numa chocolateria famosa da cidade, ganhei um óculos esporte de presente, porque ela não suporta o meu óculos escuro, disse que é de surfista... Fui convidado a falar num jantar de namorados numa de nossas igrejas e me veio ao coração uma reflexão a partir das pombas.
   Bichinho gracioso, tão lindo que é abundantemente citado no livro mais romântico das Escrituras, Cantares de Salomão. Salomão derrama-se em galanteio para sua amada chamando-a “Pomba minha” (Cant 2.14, 5.2, 6.9), além do mais os olhos da sua amada são tão lindos que são comparados aos olhos das pombas (Cant 1.15).
    Casais românticos (e ricos, claro!), vão a Veneza para fazer o seu álbum de noivado ou de casamento. E o que encontram na praça mais famosa da cidade mais romântica do mundo? Pombos, pombos e mais pombos. Assim, pombinhos humanos misturam-se aos pombos nativos na paisagem da Piazza San Marco.
   


     Quando fomos a Veneza, há exatos 10 anos, nossa visão dos pombos era assim. Romântica, idealizada: bichinhos lindos, meigos, fofos...
     Essa visão mudou bastante, quando algumas famílias de pombos resolveram se instalar em nosso telhado. Olha que sujeira fazem! Parece que fazer pose com os pombinhos na Piazza San Marco é muito diferente de conviver com eles em nossa própria casa. A convivência, o cotidiano, o dia a dia muda nossa ideia das coisas.
     Parece que não somente nós, conseguimos perceber isso, os profetas bíblicos também. Os profetas apontam coisas que aparentemente o romântico Salomão parece ignorar (!?)
    Isaías é o profeta que mais cita nossos românticos bichinhos alados. Mas o que percebe Isaías? A beleza das pombas? A graça de seu voo?
    Você já testemunhou o incessante arrulhar das pombas a ecoar no silêncio da noite? “Gru... gru... gru...” É bem essa figura que Isaías usa para o gemido dos aflitos. Ele escreve: ... gemia  como uma pomba chorosa... (38.14) e ... gememos como pombas. Procuramos justiça, e nada! Buscamos livramento, mas está longe (59.11).
    O profeta Isaías traz o gemido queixoso, (e chato!) das pombas. Somente quem divide o espaço com os pombos se incomoda com o seu arrulhar abusado. Naum também faz referência a esse gemido atribulado (e atribulante!) das pombas (Na 2.7).
    Outro profeta a citar as pombas é o profeta Oséias: “Efraim é como uma pomba enganada, sem entendimento” (Os 7.11). A pomba é lembrada como uma ave insensata, facilmente seduzida, lograda, enganada, presa fácil.
    


        Aos pombinhos de plantão, namorados ou noivos, preparem-se para um tempo especial após o casamento: a convivência. O cotidiano, o dia a dia, a convivência, vai além da contemplação apaixonada dos belos olhos do seu pombinho ou da sua pombinha. No dia a dia você descobrirá que seu pombinho querido às vezes age como um pombo insensato. Você se surpreenderá ao descobrir que sua pomba amada reclama e atribula a si própria e a você.
       Será isto motivo para perda do encanto? Dos galanteios românticos?
       Talvez não. Será que Salomão de fato ignorava a insensatez das pombas e seu gemido angustiante? Não nos parece! Salomão não era apenas um romântico incurável e apaixonado pelas mulheres. Ele também era um cientista. Vejamos o que se diz sobre ele:
      “Também falou das árvores, desde o cedro que está no Líbano até ao hissopo que nasce na parede; também falou dos animais, e das aves, e dos répteis e dos peixes” (I Rs 4.33).
       Para um especialista em botânica e zoologia, seria muito estranho ignorar certas características de uma ave que ele tão bem conhecia, pois era abundante em seu país. Então sou forçado a concordar que Salomão era ciente dos gemidos e da insensatez das pombas.
      Mas por que ele olha para sua amada como “Pomba minha” e a galanteia comparando-a com a beleza dos olhos das pombas?
      Salomão nos responde do alto de sua sabedoria. Parte da resposta ele próprio nos dá no livro de Cantares: “O amor é forte como a morte” (Cant 8.6). A outra parte ele nos dá no livro de Provérbios: “O amor cobre todas as transgressões” (Pv 10.12). Essa é uma verdade que Pedro registra em sua epístola: “O amor cobre um grande número de pecados” (I Pe 4.8). Wayne Gruden nos diz: “Onde falta amor cada palavra é vista como suspeita, cada ato é passível de incompreensão e sobram conflitos.”

       Ame sua pombinha, seu pombinho, com suas imperfeições e fragilidades. Quanto mais cedo você descobrir os gemidos e a insensatez, mais rapidamente você vai aprender a arte da convivência, e vai, como Salomão, continuar amando, pois o amor cobre multidão de defeitos.
     Feliz dia dos namorados a todos os pombinhos...
      

    

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Aprendendo sobre Pecado com a Operação Lava Jato

   O Brasil anda às voltas com o que talvez seja a maior investigação de corrupção da história da humanidade. As ações já se desenrolam há 4 anos, ou mais, mas a cada vez que ligamos a TV novos desdobramentos surgem. Utilizando uma expressão chula conhecida “quanto mais se mexe, mais fede”. A operação já derrubou presidentes (ou presidentas), expôs uma face desconhecida de muitos políticos, funcionários públicos, executivos e empresários. Já mandou alguns para atrás das grades e mudou o status de muita gente: Gente acima de qualquer suspeita agora entende-se que é “criminoso”.

    Os nomes escolhidos para certas operações são sugestivos, além do próprio “Lava Jato”, que aponta para remoção da sujeira, temos outros cognomes como “Fratura Exposta”, quando o que está quebrado é trazido à luz. Uma operação recente que abalou o mercado de carne bovina do mundo era denominada “Carne Fraca”. Imagino que seria uma velada referência ao texto bíblico Mt 26.41: “Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”.
     É interessante observarmos a reação das pessoas quando o que estava oculto vai sendo trazido à luz. Os envolvidos diretamente normalmente negam peremptoriamente. Os familiares são capazes de jurar inocência dos seus parentes acusados de algum ilícito. Os simpatizantes, amigos, correligionários ou partidários se indignam a tal ponto que chegam à conclusão que tudo se resume a um complô orquestrado contra aquela pessoa querida totalmente inocente e injustiçada.
    É difícil admitir que a “carne é fraca”, e é capaz de Hamartia (errar o alvo, pecar), bem como de Anomia (descumprimento dos preceitos, iniquidade). A Lava Jato é uma aula de Hamartiologia, Doutrina do Pecado!
    Os sistemas soteriológicos tradicionais enfocam a Depravação Total do Homem, tanto calvinistas quanto arminianos afirmam a deterioração da natureza humana decorrente da Queda. A Lava Jato está aí para atestar a Depravação Total do Homem, nem precisa ler os dois primeiros capítulos da epístola de Paulo aos Romanos.
   Mas é complicado para o homem do século XXI admitir que é um pecador, confessar seus pecados, tirar a máscara de respeitabilidade. E é difícil também para aqueles que depositaram suas esperanças nesses mesmos homens, admitir que fracassaram plenamente.
   De fato, nunca foi muito simples para o homem expor seu erro, sua culpa. De alguma forma as Escrituras Sagradas estão o tempo todo fazendo uma operação Lava Jato em nossas vidas. Adão e Eva pecaram e se esconderam. Deus expôs a sua ANOMIA, descumprimento dos preceitos (Gn 3.11), e os julgou.
    Caim matou Abel e Deus lhe perguntou “Onde está Abel, teu irmão?” (Gn 4.9). Acã apropriou-se de objetos que lhe haviam sido proibidos, e os escondeu num buraco na sua tenda (Jos 7.21). Uma derrota na batalha provocou a exposição do erro de Acã e seu julgamento.

    É conhecido o caso do Rei Davi que para ficar com a mulher de seu soldado, provocou a morte do soldado. O profeta Natã não era um juiz de Curitiba, mas enfrentou o velho Rei e expôs o seu pecado (II Sm 12.9).
    Para finalizar lembramos da mulher de Samaria que encontra Jesus junto ao poço. É uma senhora respeitável até que Cristo lhe diz: Vai, chama o teu marido e vem cá (Jo 4.16). Ela traz uma meia informação que o mestre complementa refrescando-lhe a memória: Disseste bem, não tenho marido. Porque tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido (Jo 4.17-18).
    Não há como as mudanças acontecerem sem que a verdade não venha à tona. Não há como as coisas ficarem limpas, se a sujeira não for exposta. O homem só conhece a purificação quando reconhece seu estado de depravação total e sua total carência de um Redentor, que lhe justifica, e pela fé lhe atribui a justiça.
        Mesmo que você e eu não estejamos citados na Lava Jato, lembremos que:
    “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” Rm 3.23-24


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Ator, Ídolo, Hypocrites: José Mayer e uma reflexão sobre hipocrisia

     Estes dias o ator José Mayer, galã da principal emissora de TV do país se viu às voltas com um escândalo que pode significar o fim de sua brilhante carreira. O ator sexagenário, mas bonitão,  que faz o sexo feminino delirar com seu charme, mostrou o outro lado de si, que as câmeras não focam, ou melhor o verdadeiro lado de si: Assediou de forma grosseira uma figurinista da empresa. Em tempos de redes sociais casos como esse não passam mais em branco.
     A mulher assediada botou a boca no mundo, o caso ganhou notoriedade, e a própria emissora teve que noticiar o caso de um dos seus mais caros galãs. Tornou-se o assunto da semana na mídia nacional.

     A revista VEJA esclarece que “Em uma primeira e desastrada declaração, José Mayer disse que as atitudes denunciadas eram próprias do machismo e da misoginia do personagem Tião Bezerra, não minhas!” (VEJA, 12/04/2017, pág. 76)    
     Ninguém engoliu a explicação, mas a saída encontrada pelo ator também precisa ser analisada.
     Sendo um ator de grande projeção José Mayer tornou-se o ídolo de muita gente. Idealizações e fantasias rondam o imaginário daqueles e daquelas que o põem num pedestal. Trata-se de um ator. A arte da representação nos veio da Grécia. O antigo teatro grego tinha seus atores, que usavam máscaras.  O ator era o hypocrites, o respondedor.
    É da realidade da representação do papel que não corresponde a si mesmo, do fingimento, que hypocrites se torna uma palavra pejorativa, com significado desagradável. E essa palavra é conhecida por nós no texto bíblico, mas também de uma forma ampla, transliterada para o português hipócrita: fingido, falso, dissimulado!

    Esta palavra é encontrada várias vezes nos Evangelhos na boca de Jesus: Hipócritas!!! Os religiosos da época eram rotulados por Cristo como hipócritas.
    Mas o caso José Mayer indica-nos claramente que hipocrisia não é um adjetivo restrito aos religiosos fingidos de ontem e de hoje. Ao desempenhar seu papel como hypocrites, como ator, segundo ele, o fingimento sai das telas e invade o seu verdadeiro ser. Então quanto ele assedia a moça, não é o cidadão José Mayer, é o hypocrites, é o ator na pele do personagem-cafajeste Tião Bezerra!
    Quando terminava a peça no antigo teatro grego, que os hypocrites tiravam suas máscaras, se reconhecia exatamente quem era o homem por trás da máscara!
    Parece-nos que caiu a máscara de José Mayer, literalmente foi desmascarado, e por trás do hypocrites/ator galã nos demos conta que está um homem equivocado, sem o devido respeito pelo próximo, que explica suas ações como “fruto de sua geração” (VEJA, 12/04/2017, pág. 78).
     Para quem endeusou o ator, e fez dele seu ídolo, é triste admitir que era apenas um hipócrita!
      Mas não fique triste. O maior drama que aconteceu na história não foi na Grécia. Aconteceu no Monte Calvário, em Jerusalém. Jesus Cristo, o filho de Deus foi crucificado  entre dois malfeitores. Mas o drama do Calvário não envolvida máscaras, nem hypocrites. Jesus vergonhosamente despido levava sobre si nossos pecados.

    Em tempos de hipocrisia, a voz de Cristo ressoa num Brasil cansado de tanto fingimento: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por mim.” Ele precisa estar no lugar onde colocamos nossos ídolos hipócritas!