Blasfêmia é uma palavra quase em
desuso. Poucos conhecem seu significado. O dicionário Aurélio clarifica acerca
do seu significado: “Dito ímpio ou
insultante contra o que se considera como sagrado.”
Para muitos a definição não ajuda muito
pois traz outro vocábulo também com significado pouco claro nestes tempos de
discursos inflamados para ouvintes pouco informados: sagrado. Blasfêmia é um insulto contra o que se
considera como sagrado. (Propositadamente vou ignorar o “dito ímpio”, porque
já seria exigir demais do repertório vocabular da maior parte das pessoas).
E o que é o sagrado? O dicionário Caldas
Aulete nos diz que “se refere às coisas
divinas, aos cultos religiosos”. Então, Blasfêmia é um insulto contra o que se
considera como divino, religioso.
E o que é um insulto? Embora todos
entendamos claramente o que seja um insulto, vamos recorrer ao dicionário pela
última vez para que não fiquem dúvidas: “Palavra, gesto ou atitude ofensiva,
desrespeitosa”.
Blasfêmia é uma palavra, uma ação, uma atitude
muito conhecida e discutida nas sociedades religiosas, nos grupos humanos onde
a divindade integra o cotidiano das pessoas. Os gregos eram profundamente
religiosos, o apóstolo Paulo constatou isso quando foi a Atenas (At 17.22), e
na mesma Atenas, há mais de 400 anos, Sócrates havia sido condenado à morte por blasfêmia.
Na antiga sociedade israelita,
profundamente embebida do senso do sagrado, a blasfêmia também era punida com a
morte. Foi assim com Nabote, que injustamente acusado de blasfêmia, foi
apedrejado (I Rs 21.13).
A mais conhecida acusação de blasfêmia, com
certeza é do próprio Jesus Cristo. Foi acusado de blasfêmia, pelo grupo
religioso dominante de Israel no tempo da dominação dos romanos, e condenado à
morte (Mt 26.63-66).
Século XXI, 2017. Como falar de blasfêmia
em tempos de descrença? Como falar de blasfêmia quando a crença religiosa não mais
faz parte do cotidiano das pessoas? A crença no divino tornou-se algo privado,
que não se deve enunciar.
E o que é o divino? Na sociedade grega,
falar do divino era falar dos deuses do panteão grego, de Zeus a Eros. A
sociedade romana absorveu o panteão grego e adaptou seus nomes. Numa sociedade
cristã, seja ela antiga, medieval, moderna ou contemporânea, falar do divino é
falar da Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo.
Numa sociedade islâmica, Alá é Deus, e
Maomé o seu profeta.
Por ocasião da Revolução Francesa, a
Razão foi divinizada. Na época de Augusto Comte, foram erigidas igrejas positivistas,
inclusive no Brasil. As igrejas positivistas não vingaram, mas a divindade da
Razão, sim.
O homem do século XXI, cultua a razão, a
liberdade, e ignora as crenças tradicionais religiosas, sejam elas cristãs,
islâmicas ou judaicas.
Por isso, vive-se tempos onde se pode
fazer ou dizer qualquer coisa, e não será visto como blasfêmia. Relembrando: Dito
ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado. Quem considera como
sagrado (divino, religioso ou algo do tipo)? O homem culto do século XXI não
considera como sagrado crenças religiosas tradicionais. Portanto, para ele não
existe blasfêmia. Por isso ele se acha no direito de ridicularizar, humilhar, e
ofender aquilo que outros consideram como sagrado.
Em 2015, um atentado terrorista matou várias
pessoas do jornal francês Charlie Hebdo, em Paris. Alá foi achincalhado e Maomé
foi exposto ao ridículo nas charges do jornal satírico francês. Para os irmãos
muçulmanos Said e Cherif Kouachi, aquela blasfêmia deveria ser respondida com a
morte.
Quem tiver curiosidade de ver o trabalho do
Charlie Hebdo, vai constatar que não apenas crenças muçulmanas são
ridicularizadas, e ofendidas...
Manifestações públicas no mundo inteiro
resultaram da indignação do esclarecido homem culto ocidental, pela liberdade
de expressão contra o Massacre do Charlie Hebdo.
Os chargistas franceses só quiseram
utilizar sua liberdade de expressão. Por que entender que era um insulto? Relembrando,
Insulto: Palavra, gesto ou atitude ofensiva, desrespeitosa.
Se numa sociedade arreligiosa não se
reconhece a existência de blasfêmia, mas seria possível entender o significado
de insulto? Atitude ofensiva, desrespeitosa?
Abstraindo crenças religiosas, fé,
divindade, porventura o homem culto do século XXI não deveria manter com o
outro uma atitude de respeito?
E essa atitude de respeito, porventura
não é superior à liberdade de expressão?
Na época em que a sociedade dava ouvidos
aos ditos religiosos, amar ao próximo como a si mesmo, era um valor da
sociedade cristã... mas isso é coisa do passado!
Uma liberdade que não respeita o outro, é
anárquica, destrutiva, ofensiva.
Diante dos deuses gregos, o missionário
cristão Paulo, não os ridicularizou ou ofendeu. Falou deles com respeito, num
discurso que chegou até nós através do livro de Atos dos Apóstolos. Mas querer
tirar lições de um livro como a Bíblia é querer muito do homem culto do século
XXI.
O recente episódio da exposição
Queermuseu, no Santander Cultural de Porto Alegre, mostra que conta com
incentivo financeiro do Ministério da Cultura reabriu a discussão no Brasil
acerca da liberdade de expressão.
A Revista Veja utilizou 7 páginas de sua
edição de 20/09 para expor o assunto. As duas reportagens publicadas tratam sobre
a liberdade de expressão, com os temas: A Vitória das Trevas (pág.74 a 78) e A
Censura das Redes (pág. 80 e 81).
Acho interessante os seres humanos, só
conseguem ver o que querem ver. Talvez conseguíssemos ser uma sociedade menos
belicosa, se puséssemos o respeito acima da liberdade de expressão. Se um pouco de humildade nos fizesse ouvir a
voz de Cristo: “Tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei vós também
a eles” (Mt 7.12).
Seria pedir demais, não?
Ontem Cristo e sua mensagem encontrada nos
evangelhos nos inspirava, agora Sartre e seu existencialismo, e sua máxima “O
Inferno são os outros”, norteiam a sociedade. Posso afirmar que baseado nessa
realidade nosso futuro será sombrio, e não adianta clamar pela liberdade de
expressão!
Vivemos uma crise semântica séria e sem precedentes! O egoísmo idiossincrático segue de mãos algemadas com ideologias tão efêmeras quanto uma inconsistente e fugaz bolha de sabão! A famosa e amada "liberdade" pregada pelo humanismo/existencialismo de Sartre, que condena e aprisiona o homem, tem se apresentado como um rascunho roto constantemente borrado pelas insatisfações de um ser cada vez mais perdido, vazio, bruto, egoísta e arrogante. Desde a expressão artística à nossa representação política este país vive um drama onde o que falta é o sentido. E, fora do Evangelho de Cristo Jesus, não existe dicionários ou perspectivas que possam preencher, literalmente, essa lacuna existencial.
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