segunda-feira, 2 de abril de 2018

Ressurreição... e feridas a serem saradas


   Quando eu era garoto me feri várias vezes. Brincando caía no chão e o joelho ficava ralado. Ferida para vários dias. Ainda tenho uma cicatriz na testa quando correndo dentro de casa pisei num carrinho de brinquedo e minha testa foi parar na quina da máquina de costura de minha mãe. Essa precisou de hospital e pontos. Faz muito tempo, mas ainda lembro: 11 pontos, 5 internos e 6 externos (ou era o contrário?). Passei um tempão com uma faixa na testa até sarar. Uma vez derramei água quente no meu braço, foi um Deus-nos-acuda. Queimadura de não-sei-quantos-graus. Vários dias colocando pomada, depois a casca, e a ferida foi sarando.
    Para a ferida sarar precisa de formar a casca. Menino adora tirar a casca da ferida. A casca é feia, vontade de tirar logo pra aparecer a pele limpinha e saudável. Ia tirar a casca e o sangue jorrava e lá estava a ferida aberta de novo!
    Feridas demoram a sarar. Precisa de paciência. Não adianta tirar a casca. A casca é o sinal bem visível que houve alguma coisa muito errada ali, mas está sarando...
    Mas paciência é uma virtude estranha para nós do século XXI. A tecnologia reduziu todo o tempo de espera do homem. Não precisamos mais ter paciência. Não precisamos esperar notícias de alguém por carta (par avion), por mais distante que ela esteja no planeta, sendo acessível pela internet, nos falamos pelo Whatsapp, Tweeter, Facebook, Instagran, por email.
     Não precisamos mais enfrentar intermináveis filas nos bancos, nos autoatendemos no aplicativo, disponível à mão, em qualquer momento do dia.
      Não precisamos ter paciência para que a dor nos deixe. Os analgésicos nos prometem alívio imediato.
     Mas a tecnologia ainda não consegue fechar instantaneamente uma ferida aberta. É preciso esperar os processos de cicatrização orquestrados sabiamente pelo organismo. É preciso ter paciência!
     Entretanto, mais lentas de sarar do que as feridas do corpo, são as feridas da alma. Essas cicatrizam ainda mais lentamente. Talvez porque as feridas da alma sejam mais profundas, mais doloridas. Não são meros arranhões.
     Eu lembro que vovó Noemia tinha uma ferida na perna que, por razões que eu nunca entendi bem, ela conviveu alguns anos com aquela ferida, e vivia com curativos o tempo todo. Ficamos muito felizes quando a ferida sarou.
   Algumas feridas da alma são assim, demoram tempos para sarar. Mas não queremos esperar sarar. Não queremos uma casca de ferida na alma. É feio. Lembra do que aconteceu. E nós queremos mesmo é esquecer. E como meninos que ainda somos, vamos tirar a casca, e aí a ferida diz que ainda está lá. Ainda não cicatrizou. Lembra-nos que é preciso paciência.
    Em tempos de páscoa e ressurreição, lembro da canção do Stenio que retrata o encontro de Jesus ressuscitado com Tomé, seu discípulo:
    “A minha ferida já sarou, vejo que a tua ainda não, deixa eu tocar teu coração”.

    As feridas de Jesus feitas pelos cravos estavam cicatrizadas, mas as feridas do coração de Tomé, por se sentir abandonado pelo seu Mestre, ainda estavam lá. E Jesus está ali para tocar o seu coração, e ajudar a sarar as feridas de sua alma.
    A ressurreição foi um tempo de cura das feridas dos discípulos. Pedro também tinha uma ferida sangrenta. A ferida da culpa por ter negado o seu mestre. Tem feridas que nunca serão saradas por si mesmas. É preciso que outro traga o remédio. Jesus trouxe o seu perdão a Pedro. Aquela ferida agora estava sarando!
    Como os discípulos temos feridas em nossas almas. Quando fazemos uma ferida no coração de alguém, uma ferida também é aberta em nossos corações. Não podemos ferir Deus, mas podemos agredi-lo em sua honra e santidade. E isso gera em nosso interior feridas profundas, que somente Ele mesmo pode nos oferecer o processo de cura. A morte e ressurreição do Filho de Deus é a provisão divina para nossa cura. O profeta Isaías disse isso muito claramente:
      “Verdadeiramente, ele tomou sobre si as nossas ENFERMIDADES e as nossas DORES levou sobre si” (Is 53.4)    
      O melhor curativo para as feridas da alma não é um antibiótico, é o perdão. Se ferimos alguém, corramos para pedir-lhe perdão. Se alguém nos feriu, perdoemos, para que nossas feridas sejam saradas.
     Às vezes essas feridas levam tempo para sararem, como a ferida da perna da vovó. Mas saram. Às vezes dói. Às vezes achamos a casca da ferida muito feia. Mas precisamos ter paciência. A feiúra da casca da ferida é o melhor indicativo de que a ferida está sarando, breve a casca vai cair e só haverá ali uma cicatriz.
                                             Deixa eu tocar teu coração (Stenio Marcius)