Quando eu era garoto me feri
várias vezes. Brincando caía no chão e o joelho ficava ralado. Ferida para vários
dias. Ainda tenho uma cicatriz na testa quando correndo dentro de casa pisei
num carrinho de brinquedo e minha testa foi parar na quina da máquina de
costura de minha mãe. Essa precisou de hospital e pontos. Faz muito tempo, mas
ainda lembro: 11 pontos, 5 internos e 6 externos (ou era o contrário?). Passei
um tempão com uma faixa na testa até sarar. Uma vez derramei água quente no meu
braço, foi um Deus-nos-acuda. Queimadura de não-sei-quantos-graus. Vários dias
colocando pomada, depois a casca, e a ferida foi sarando.
Para a ferida sarar precisa de formar a
casca. Menino adora tirar a casca da ferida. A casca é feia, vontade de tirar
logo pra aparecer a pele limpinha e saudável. Ia tirar a casca e o sangue
jorrava e lá estava a ferida aberta de novo!
Feridas demoram a sarar. Precisa de
paciência. Não adianta tirar a casca. A casca é o sinal bem visível que houve
alguma coisa muito errada ali, mas está sarando...
Mas paciência é uma virtude estranha para nós
do século XXI. A tecnologia reduziu todo o tempo de espera do homem. Não
precisamos mais ter paciência. Não precisamos esperar notícias de alguém por carta
(par avion), por mais distante que
ela esteja no planeta, sendo acessível pela internet, nos falamos pelo Whatsapp,
Tweeter, Facebook, Instagran, por email.
Não precisamos mais enfrentar
intermináveis filas nos bancos, nos autoatendemos no aplicativo, disponível à
mão, em qualquer momento do dia.
Não
precisamos ter paciência para que a dor nos deixe. Os analgésicos nos prometem
alívio imediato.
Mas a tecnologia ainda não consegue fechar
instantaneamente uma ferida aberta. É preciso esperar os processos de cicatrização
orquestrados sabiamente pelo organismo. É preciso ter paciência!
Entretanto, mais lentas de sarar do que as
feridas do corpo, são as feridas da alma. Essas cicatrizam ainda mais lentamente.
Talvez porque as feridas da alma sejam mais profundas, mais doloridas. Não são
meros arranhões.
Eu lembro que vovó Noemia tinha uma ferida
na perna que, por razões que eu nunca entendi bem, ela conviveu alguns anos com
aquela ferida, e vivia com curativos o tempo todo. Ficamos muito felizes quando
a ferida sarou.
Algumas feridas da alma são assim, demoram tempos para sarar. Mas não
queremos esperar sarar. Não queremos uma casca de ferida na alma. É feio.
Lembra do que aconteceu. E nós queremos mesmo é esquecer. E como meninos que
ainda somos, vamos tirar a casca, e aí a ferida diz que ainda está lá. Ainda
não cicatrizou. Lembra-nos que é preciso paciência.
Em tempos de páscoa e ressurreição, lembro
da canção do Stenio que retrata o encontro de Jesus ressuscitado com Tomé, seu
discípulo:
“A minha ferida já sarou, vejo que a tua
ainda não, deixa eu tocar teu coração”.
As feridas de Jesus feitas pelos cravos
estavam cicatrizadas, mas as feridas do coração de Tomé, por se sentir
abandonado pelo seu Mestre, ainda estavam lá. E Jesus está ali para tocar o seu
coração, e ajudar a sarar as feridas de sua alma.
A ressurreição foi um tempo de cura das
feridas dos discípulos. Pedro também tinha uma ferida sangrenta. A ferida da
culpa por ter negado o seu mestre. Tem feridas que nunca serão saradas por si
mesmas. É preciso que outro traga o remédio. Jesus trouxe o seu perdão a Pedro.
Aquela ferida agora estava sarando!
Como os discípulos temos feridas em nossas
almas. Quando fazemos uma ferida no coração de alguém, uma ferida também é
aberta em nossos corações. Não podemos ferir Deus, mas podemos agredi-lo em sua
honra e santidade. E isso gera em nosso interior feridas profundas, que somente
Ele mesmo pode nos oferecer o processo de cura. A morte e ressurreição do Filho
de Deus é a provisão divina para nossa cura. O profeta Isaías disse isso muito
claramente:
“Verdadeiramente, ele tomou
sobre si as nossas ENFERMIDADES e as nossas DORES levou sobre si” (Is 53.4)
O melhor curativo para as feridas da alma
não é um antibiótico, é o perdão. Se ferimos alguém, corramos para pedir-lhe
perdão. Se alguém nos feriu, perdoemos, para que nossas feridas sejam saradas.
Às vezes essas feridas levam tempo para
sararem, como a ferida da perna da vovó. Mas saram. Às vezes dói. Às vezes
achamos a casca da ferida muito feia. Mas precisamos ter paciência. A feiúra da
casca da ferida é o melhor indicativo de que a ferida está sarando, breve a
casca vai cair e só haverá ali uma cicatriz.
Deixa eu tocar teu coração (Stenio Marcius)