sexta-feira, 12 de abril de 2019

Coisas que eu aprendi no meu jardim... ou Caraca!! Cuidado com os Caracóis!!




    Quando pensamos num jardim pensamos num lugar de beleza e de tranquilidade. Lá não há barulho, há calma, e parece haver uma harmonia entre os seres vivos ali: abelhas colhem o néctar das flores, ao mesmo tempo que fazem a polinização viabilizando a fertilização e o consequente surgimento dos frutos, beija-flores voejam equilibrando-se misteriosamente no ar enquanto se alimentam do mesmo pólen... formiguinhas aqui e ali carregam folhas para seu abrigo localizado em algum lugar subterrâneo.
      Recentemente meu jardim me ensinou que nesse clima idílico e bucólico pode surgir uma ameaça calma, silenciosa, para muitos “bonita”, parecendo plenamente harmônica, mas altamente destruidora!
    Entre as plantas do meu jardim está a conhecida “Trapoeraba roxa” (Tradescantia pallida purpúrea), uma plantinha rasteira com suas folhas roxas grossas, suculentas. Plantamos porque traz um colorido novo para o jardim. Quebra a monotonia do verde. Ela espalha-se preguiçosamente até onde for permitido levando seu roxo vivo!

    Um dia desses percebi que havia caracóis no jardim. Achei bonitinho, além do mais temos  um risonho caracol de barro pintado com cores vivas, obra de algum artesão caprichoso, lá no jardim... coisa muita apropriada: se há uma representação inanimada de um caracol, então por que não termos um original, vivo?
    Decidi deixar os caracóis seguirem o curso de sua existência molusca.
     Não demorou muito para que eu percebesse que minha parte roxa do jardim estava sendo devastada! Rapidamente a “Trapoeraba roxa” estava perdendo as folhas, ficando só os talos das plantas.
      Foi aí que eu percebi que os recém-chegados não eram tão inofensivos assim. Quando fui investigar melhor no jardim, os poucos caracóis  que eu tinha visto há algumas semanas haviam se transformado em centenas! Eles eram uma praga no meu jardim! Fui pesquisar e descobri que eram hermafroditas, tinham dois sexos embora precisassem de um parceiro para o “ato sexual”.

    Decidi então ter o meu jardim de volta, e a beleza das cores da minha “Traperoaba roxa”. Como? Matando os caracóis. Decidido a exterminar os moluscos fofinhos fui à caça. Passei horas de alguns dias juntando um por um num saco e jogando-os no lixo. Isso a partir do final da tarde, porque durante o período do calor do sol eles estão abrigados em seus esconderijos.
   Depois da primeira centena de indivíduos exterminados parei de contar... mas percebi que no meu pequeno jardim os caracóis haviam se tornado uma praga, e se eu não me empenhasse em tirá-los... meu jardim perderia por completo sua beleza.

   Mortos os caracóis, algumas semanas depois o roxo da Traperoaba foi timidamente retornando. As folhas suculentas puderam voltar a crescer e colorir o jardim.
    Aprendi que coisas aparentemente gentis, inofensivas e silenciosas que acolhemos conscientemente em nossa mente podem nos oferecer perigo, e podem se proliferar e iniciar um processo de autodestruição, que se não for freado causará nossa ruína! Caraca!! Cuidado com os caracóis!

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Como nós, romanticamente, abrimos mão do “amor” eterno


    O soneto 116 de Shakespeare vale a pena ser relembrado:
Não tenha eu restrições ao casamento
De almas sinceras, pois não é amor
O amor que muda ao sabor do momento,
Ou se move e remove em desamor.
Oh, não, o amor é marca mais constante
Que enfrenta a tempestade e não balança,
É a estrela-guia dos batéis errantes,
Cujo valor lá no alto não se alcança.
O amor não é o bufão do Tempo, embora
Sua foice vá ceifando a face a fundo.
O amor não muda com o passar das horas,
Mas se sustenta até o final do mundo.
Se é engano meu, e assim provado for,
Nunca escrevi, ninguém jamais amou.

     O poeta maior britânico escreveu esse poema no início do século XVII. Em suas palavras que cantam o amor eterno, encontramos ecos dos filósofos gregos, mas não apenas da sabedoria clássica, mas também da sabedoria hebraica, contida no Cântico dos Cânticos onde o amor é forte como a morte (Cant 8.6), ou nos ideais cristãos também encontrados na bíblia, nos quais o amor tudo espera, tudo sofre, tudo suporta, o amor nunca perece (I Co 13.4-8).
   A sabedoria antiga, grega, judaico-cristã concordava plenamente nesse ponto: O amor é eterno! Shakespeare de forma tão inspirada o retratou no Soneto 116!
   Mas os ventos de mudança sopraram fortemente sobre o amor, sobre seu atributo de eternidade.
   Em 1946, Vinícius de Morais publicava em São Paulo o seu “Soneto de Fidelidade”. Ganhou logo fama, e veio para definitivamente substituir o Soneto 116 de Shakespeare:

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



     Diferente do amor em Shakespeare, o amor em Vinícius é chama fugaz, de forma nenhum imortal, com tempo previsto para acabar. Infinito somente enquanto durar.
    O poeta brasileiro descreveu nesses versos a sua forma de ver o mundo e o amor. Não mais um amor sagrado, eterno. Mas um amor intenso, fugaz... e passageiro! Ele viveu essa realidade:  “casou-se” nove vezes.
     Interessante que é o soneto de Vinícius que os nubentes citam um para o outro em seu matrimônio. E juram amor... não eterno! Enquanto que um padre ou um pastor declara: O que Deus uniu não separe o homem, e talvez leia o texto de 1º Coríntios 13.
    E a música popular empenhou-se em propagar o novo conceito desse amor intenso e fugaz. Música baiana, pagode, sertanejo, samba... pode procurar, alguém vai estar cantando “Eu quero que esse amor seja eterno enquanto dure...”
     É assim que um conceito muda... é assim que um atributo é perdido.  É assim que o amor eterna, torna-se finito, fugaz e passageiro!
     Gosto do "poetinha"... mas quanto à perenidade do amor, prefiro Shakespeare!



sábado, 23 de março de 2019

Nem tudo o que é belo, é bom!


   Quando o mundo foi criado Deus viu que tudo era bom, no original hebraico towb  טוֹב. Essa bondade da criação inclui também o belo, essa palavra pode significar bom e belo!


   A árvore proibida é a árvore do conhecimento do bem, do towb, contrário do mal. Towb é o que é correto, certo, moral e eticamente. Ester e Abigail são bonitas, são towb. Estética, Ética e moral caminham num mesmo sentido, no pensamento hebraico bíblico.

   No Israel Antigo algo errado não poderia ser bonito. O que é bom é bonito! Assim, o caso de amor de Davi com a bonita (towb) Bate Seba, não é algo a ser apreciado e aplaudido, por mais bonito casal que os dois pudessem formar. Isso é mal, é feio (II Sm 12.9).

   Hoje, parece-nos que tudo o que é bonito, torna-se também sinônimo de bom, de certo. Há beleza em filmes, em poesias, em discursos, mas nem sempre isso é bom! Isso ocorre porque quem determina o que está certo, o que é bom é cada pessoa de forma arbitrária.
   Somos conquistados pela beleza estética de obras de arte que nos passam mensagens erradas. Porque são bonitas, são boas... Nem sempre! É importante utilizarmos os referenciais bíblicos para discernirmos o que é bom. Na verdade, precisamos voltar aos princípios bíblicos, onde somente o que é bom, é belo. Se parece belo, mas não é bom, então é mal, como o adultério de Davi.

   Acho que foi pensando nisso que Paulo, sabendo que na sociedade grega de Filipos, nem tudo o que era belo era bom, nos disse: “Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Fp 4.8).

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Eu só quero o leve da vida... E o que faço com a dureza da vida?

Hoje cedo fui ao velório de uma pessoa de nossa comunidade. Muito pranto na terrível hora da despedida... Quando vim no carro estava tocando Trevo, da Anavitória. Gosto especialmente do trecho que diz "Eu só quero o leve da vida pra te levar..." É um trocadilho interessante.
   Fiquei pensando na dureza daquele velório. Se eu só quero o leve da vida, o que fazer com a dureza da existência? Realmente eu gostaria de que só houvesse o leve (soft) da vida, mas também tem o duro (hard). O que fazer com ele?
   Já percebeu que o Instagram é o espaço onde o leve da vida acontece? Ali compartilhamos momentos de descontração, de alegria, de realização. Outro dia postei algo sobre o sofrimento de meu pai com Mal de Alzheimer. Teve pelo menos a metade das curtidas de algo engraçado que compartilhei. É melhor ignorar o duro, e celebrar o leve.
  Parece-me que nossa tendência é negar as coisas duras. Nega-se até enquanto pode, a realidade de um diagnóstico fatídico ou os sintomas já esperados de um mal em andamento.
   Não é somente a realidade da doença e da morte que são duras. Duro é o cotidiano. Dura é a realidade que nos cerca. Duro é o trabalho. Duras são as decisões que precisam ser tomadas. Duro é o momento em que somos confrontados...
Os filhos se chateiam com os pais porque às vezes eles são muito duros. Tem pais que não conseguem mais ser duros, porque também só querem o leve da vida. Quem não é duro hoje, pode ter a dureza da vida contra si amanhã. Ser duro faz parte!
   A garotada quer ficar com todo(a)s, pra não ter que decidir um compromisso com alguém. Isso é duro! E a gente só quer o leve da vida.
   Talvez não dê pra querer só o leve da vida pra te levar...
   Dizer que algo está certo e outro errado é duro. Melhor dizer que ninguém pode afirmar nada, é muito mais leve. Acho que é politicamente correto o leve da vida. O duro é politicamente incorreto.
    Pensa-se no cristianismo como algo leve, porque Jesus disse que o meu jugo é suave e meu fardo é leve. De fato, Jesus disse isso comparando com o pesado jugo religioso dos fariseus. Mas o discurso de Jesus teve sua dureza. Alguns até questionaram: Duro é esse discurso. Quem o pode ouvir? (Jo 6.60).
   Jesus tinha total consciência da dureza da vida. O sofrimento, as dificuldades, a humilhação, a decepção, o abandono, a cruz... tudo muito hard.
Imagino que por isso mesmo Jesus tenha dito algo intensamente hard: Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me (Lc 9.23).
A sabedoria popular também nos lembra: Rapadura é doce mas não é mole, não! Nos lembra em forma de canção o amigo João Alexandre...