quarta-feira, 3 de abril de 2019

Como nós, romanticamente, abrimos mão do “amor” eterno


    O soneto 116 de Shakespeare vale a pena ser relembrado:
Não tenha eu restrições ao casamento
De almas sinceras, pois não é amor
O amor que muda ao sabor do momento,
Ou se move e remove em desamor.
Oh, não, o amor é marca mais constante
Que enfrenta a tempestade e não balança,
É a estrela-guia dos batéis errantes,
Cujo valor lá no alto não se alcança.
O amor não é o bufão do Tempo, embora
Sua foice vá ceifando a face a fundo.
O amor não muda com o passar das horas,
Mas se sustenta até o final do mundo.
Se é engano meu, e assim provado for,
Nunca escrevi, ninguém jamais amou.

     O poeta maior britânico escreveu esse poema no início do século XVII. Em suas palavras que cantam o amor eterno, encontramos ecos dos filósofos gregos, mas não apenas da sabedoria clássica, mas também da sabedoria hebraica, contida no Cântico dos Cânticos onde o amor é forte como a morte (Cant 8.6), ou nos ideais cristãos também encontrados na bíblia, nos quais o amor tudo espera, tudo sofre, tudo suporta, o amor nunca perece (I Co 13.4-8).
   A sabedoria antiga, grega, judaico-cristã concordava plenamente nesse ponto: O amor é eterno! Shakespeare de forma tão inspirada o retratou no Soneto 116!
   Mas os ventos de mudança sopraram fortemente sobre o amor, sobre seu atributo de eternidade.
   Em 1946, Vinícius de Morais publicava em São Paulo o seu “Soneto de Fidelidade”. Ganhou logo fama, e veio para definitivamente substituir o Soneto 116 de Shakespeare:

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



     Diferente do amor em Shakespeare, o amor em Vinícius é chama fugaz, de forma nenhum imortal, com tempo previsto para acabar. Infinito somente enquanto durar.
    O poeta brasileiro descreveu nesses versos a sua forma de ver o mundo e o amor. Não mais um amor sagrado, eterno. Mas um amor intenso, fugaz... e passageiro! Ele viveu essa realidade:  “casou-se” nove vezes.
     Interessante que é o soneto de Vinícius que os nubentes citam um para o outro em seu matrimônio. E juram amor... não eterno! Enquanto que um padre ou um pastor declara: O que Deus uniu não separe o homem, e talvez leia o texto de 1º Coríntios 13.
    E a música popular empenhou-se em propagar o novo conceito desse amor intenso e fugaz. Música baiana, pagode, sertanejo, samba... pode procurar, alguém vai estar cantando “Eu quero que esse amor seja eterno enquanto dure...”
     É assim que um conceito muda... é assim que um atributo é perdido.  É assim que o amor eterna, torna-se finito, fugaz e passageiro!
     Gosto do "poetinha"... mas quanto à perenidade do amor, prefiro Shakespeare!



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