quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Falando em Eleições...



  O país ferve na semana decisiva das eleições que definirão os ocupantes do Poder Executivo e Legislativo, tanto federal quanto Estadual. Em meio ao frenesi emocionado desse momento quero pensar em eleições. Propor reflexão para o brasileiro num momento como esse, é um desafio e tanto. Isso porque, o brasileiro é um povo da emoção, do coração, muito menos que do intelecto, da reflexão, da racionalidade. Obviamente isso não é uma conclusão minha. Há 80 anos, analisando o Brasil e os brasileiros, o historiador Sérgio Buarque de Holanda escreveu um capítulo do seu livro “Raízes do Brasil” (1936), denominado “Homem Cordial”. Vale ressaltar que a palavra cordial, vem de cor, cordis – coração, em latim –, e empregada em seu sentido etimológico, ou seja, "do coração". O homem cordial é então aquele que, dotado de "um fundo emotivo extremamente rico e transbordante", nas palavras de Sérgio Buarque, age e reage sob a influência dominadora do coração.

    Portanto, contra a nossa natureza emotiva e efusiva uma breve reflexão a partir do texto bíblico.
  A palavra eleição, eleito,  é greco-latina. Em grego koinê (que é a língua em que o Novo Testamento foi escrito) teremos Eklogê (eleição), Eklektos, Eklegomai (eleito), do prefixo ek (para fora) + verbo legô (chamado, passado de kaleô, chamar). No latim encontraremos Electus, Eligere, cuja ideia é sempre a mesma, escolhido, selecionado.
  Sendo o texto do Antigo Testamento escrito em hebraico, e anterior à civilização greco-romana, não podemos falar dessa palavra no mesmo. Entretanto, encontraremos a mesma ideia expressa no verbo hebraico bachar (escolher, decidir). Então o povo de Deus é o povo bachir (escolhido). A maioria das versões do texto bíblico trazem “Filhos de Jacó, seus eleitos (bachir)” (I Cr 16.13). Um noivo é um bechir-libah (eleito do coração dela) ou simplesmente bachur (eleito), como encontramos em Is 62.5.
  Falar de eleições entre os semitas seria um anacronismo estranho. Os líderes políticos são escolhidos pelo próprio Deus (Teocracia), inclusive o primeiro rei, e a partir daí recebem a autoridade dinástica na monarquia hebraica. Os líderes religiosos também são escolhidos por Deus a partir da tribo de Levi e da família de Aarão.
  Apesar disso, há uma brecha para que o povo pudesse escolher, eleger (para usarmos um anacronismo ‘adequado’). Quando Moisés decide compartilhar a sua liderança com chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez, conforme orientação de seu sogro Jetro, a escolha desses líderes “operacionais” dar-se-ia por escolha do próprio povo, uma espécie de proto-eleição.
  “Como posso suportar sozinho o peso das vossas dificuldades e das vossas discórdias? Escolhei homens sábios, inteligentes e experientes das vossas tribos, e eu os porei como chefes sobre vós” (Dt 1.12-13). A Bíblia de Jerusalém traz o segundo versículo da seguinte forma: “Elegei homens sábios, inteligentes e competentes...”
  Assim, parece-nos que os chefes, anciãos, príncipes das tribos eram escolhidos através de eleições. Não podemos afirmar se diretas ou indiretas.
  Ressalte-se porém, da qualificação que esses homens precisam ter: Sábios, inteligentes e experientes.
  No período Inter-testamentário surgem no cenário da história ocidental os gregos, que ainda no século V ou VI a.C, em Atenas, realizaram as primeiras eleições. Por isso o vocábulo é originalmente grego. Os romanos copiaram os gregos e a palavra veio para o latim Electus, Eligere.


  Então, é no Novo Testamento, escrito em grego comum, que abundantemente encontraremos a ideia de Eleição, Eleitos.
  Jesus diz aos seus discípulos: “Não fostes vós que me escolhestes; pelo contrário, eu vos escolhi e vos designei a ir e dar fruto...” (Jo 15.16). O apóstolo Paulo afirma: “Como também nos elegeu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” (Ef 1.4).
  Curiosamente, a comunidade cristã é teocrática, entretanto, tem liberdade para fazer suas escolhas e votar a partir de determinados critérios, submetendo no final à vontade divina. Observamos ainda nos primeiros dias dessa comunidade, fazia-se necessário que alguém fosse nomeado apóstolo no lugar de Judas Iscariotes, o traidor.
  Foi apontado o critério da escolha “homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus andou entre nós” (At 1.21). Foram apresentados dois: José, chamado Barsabás, e Matias. Oraram e tiraram sortes, sendo sorteado Matias.
  Mas é na escolha dos diáconos que o processo eleitoral se configura de forma muito clara:
  “Portanto, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais encarreguemos deste serviço... A proposta agradou a todos, e elegeram.. Estêvão... Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau. E apresentaram perante os apóstolos, os quais depois de orar, impuseram-lhes as mãos.” (At 6.3-7)
  Foram determinadas as características que os postulantes à função deveriam possuir “de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria”, e iniciaram-se os trabalhos para eleição. A comunidade elegeu os sete homens, cujos nomes foram submetidos ao Colégio Apostólico, que funcionava também como Tribunal Eleitoral.
  Depois de orar, que seria de fato submeter os eleitos à soberana vontade de Deus, foram investidos nas suas funções através da imposição de mãos.
  Em vésperas de eleições é importante perguntar-nos sobre a serenidade que temos (ou não temos) ao fazer nossas escolhas. Estamos escolhendo apaixonadamente como homo brasilis cordialis que somos? Estamos nos deixando ser conduzidos pelo turbilhão de emoções produzidos pelas ruidosas e apelativas campanhas eleitorais?
  Estamos certos que as características de nosso candidato são compatíveis com o cargo para o qual o estamos elegendo? Acho que a recomendação de Moisés ainda é válida: “Elegei homens sábios, inteligentes e experientes”. Para isso é preciso mais racionalidade, e menos emoção!