quarta-feira, 18 de abril de 2012

Confissões (Parte 1)

    Ando ausente de postagens por tantos afazeres. Mas acho que em datas marcantes, preciso deixar algum registro. Daqui a algumas horas estarei completando mais um ano de vida... Quarenta anos, para ser mais exato.  Este final de semana estive com meus familiares no casamento do meu primo Ivson Erick, lá no sertão do meu Pernambuco. Minha mãe me abraçou e disse surpresa: Já tenho um filho com 40 anos! É isso aí, mainha... já se vão 39 anos dessa época aí, lembra?
    
     Navegando na internet, descobri surpreso que posso ser classificado como um ex-favelado (ou quem sabe um ex-futuro-favelado).  No site da CUFA,  Central  Única de Favelas, constatei  a existência da Favela do Córrego da Jaqueira, na Linha do Tiro. Nós residimos lá, boa parte da nossa infância, no número 241.
     A qualificação geográfica correspondia à realidade: Córrego. Recorro ao dicionário que esclarece: rego por onde corre água, caminho apertado entre montes...  A periferia do Recife tem muitos córregos, eu me lembro do Córrego do Ouro, Córrego do Botijão...  lá no bairro ainda tínhamos o Córrego das Negras, Córrego Central, Córrego do Curió, Córrego do Tiro... As montanhas invadidas de forma desordenada e urbanizadas à força, tornaram-se Altos.  Entre os Altos ficavam os Córregos.  Nós morávamos embaixo, no Córrego. Atrás de casa uma barreira demarcava as encostas do Alto dos Coqueiros. No final da rua, uma ladeira bastante íngreme (à época não pavimentada)  era o caminho que nos levava à casa dos nossos avós, no Alto do Deodato.
     No “pé da ladeira” existia um chafariz. Naquela época não tinha água encanada para todos. Então se ia buscar água no chafariz público. Nosso chafariz era funcional, não tinha nenhuma arte barroca ou moderna que o adornasse.  Guardávamos água num tonel (para higiene de forma geral) ,e  numa jarra (para consumo). Meu pai foi um dos que batalharam para que fosse instalada a água encanada nas casas de nossa rua.
     Era uma vida difícil, apertada... me lembro quando chovia. Descia água, muita água de todas as encostas e o nosso Córrego transformava-se em rio.  Só saíamos de casa quando a água escoava e recebíamos o nosso córrego de volta.
   Aos três anos fui para a Escola da Tia Lu. Até um dia desses minha mãe ainda guardava os meus cadernos... “a” uma bolinha e uma perninha. No dia em que o filho de Tia Lu, Flávio, teve sarampo, dizem que eu cheguei em casa contando que “ele estava com uma febre... e com a cara cheia de mofo”.
    Se eu fechar os olhos me lembro de todo mundo. Dos ricos da rua, aqueles que tinham carro e alguns muito poucos que tinham linha telefônica, própria ou alugada. Dos meninos da rua... que passavam o dia vagabundando e jogando bola. Dos jogos de bola de gude, das brincadeiras inocentes de “fruta”, “Boca de Forno”... e outras que tomavam lugar na calçada de casa quando anoitecia.  Da vizinha que morava na barreira na rua de trás de nossa casa e tinha 10 filhos. De tio João Batista e Vina, sua mulher. Das músicas de Amado Batista que enchiam o Córrego nos dias de domingo. Do pessoal que frequentava os hospitais psiquiátricos. Daqueles que foram assassinados por envolvimento com droga, roubo...
    Saímos por um tempo de nossa casa, que foi alugada e fomos morar de aluguel, um tempo em Abreu e Lima, e depois em Ouro Preto, Olinda. Nesse período morávamos todos juntos, meus pais, tios e avós. 
   
     Em 1978, obtive uma vaga no Colégio da Polícia Militar de Pernambuco, pouco tempo depois meu irmão também ingressou no Colégio.
   Voltamos para nossa velha casa, agora só nós, desta feita com um irmão mais novo.  Éramos cinco. Nossa casa era de taipa. As portas e janelas eram frágeis, e mais de uma vez fomos roubados à noite, por ladrões que destelhavam a casa ou conseguiam entrar forçando as janelas.
   Meu pai resolveu então construir nossa casa de alvenaria, ainda que para isso tivesse que se endividar muito. Ao longo de dez anos nossa casa foi lentamente... muito lentamente tomando forma. Servi de ajudante de pedreiro, muitas vezes. Peneirava a areia, carregava tijolo.
   Não tínhamos televisão, nem recursos para viajar e conhecer muitos lugares novos. Então eu descobri que se abrisse um livro eu podia viajar, conhecer, explorar... Fui me tornando aos poucos um leitor compulsivo, apaixonado. Este hábito se refletia nos destaques que fui acumulando ao longo dos anos no Colégio, e eu comecei a marcar época entre os meus colegas e professores.
    Nesse tempo aconteceu uma coisa curiosa: O BANDEPE - Banco do Estado de Pernambuco resolveu promover uma semana de aprendizado do mundo bancário, abrindo uma mini-agência no Colégio. Por dois anos seguidos eu fui escolhido para integrar a direção da mini-agência: no primeiro ano como Gerente, e no segundo como Coordenador.  Estas fotos são com a jornalista Lola e o Comandante do Colégio Coronel Ferraz, e a pose de gerente é com o Presidente do Bandepe. 

    No casamento de Ivson pude constatar o que é a passagem do tempo. As marcas do tempo em toda a parte... nas rugas de cada rosto, na flacidez da pele outrora firme, nos cabelos brancos que sobressaem quando não encobertos pela tinta escurecedora, no sobressalto ao se constatar que as crianças transformaram-se em moças e rapazes... na ausência dos avós que nos deixaram para estarem juntos no descanso eterno.  Houve um tempo em que eu coloquei o noivo nos braços e passeei com ele no Zoológico de Recife. Ele era um garotinho lourinho, e eu um jovem cheio de sonhos...