quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pinacoteca de São Paulo: um encontro com a Arte



    Ano passado fui com meus filhos para uma manhã na Pinacoteca de São Paulo. Agora estou revendo as fotos e posso assegurar que uma passada lá faz um bem danado para a alma e à sensibilidade de qualquer ser humano. Às vezes falamos do Rijksmuseum de Amsterdam, ou do Museu d’Orsay,  do Louvre e Versailles em Paris, ou do Museu Britânico e da National Gallery, ou do Museu do Prado em Madri, da Galeria Uffizi em Florença, ou da Academia em Veneza, ou mesmo dos Museus do Vaticano... mas não valorizamos o que temos debaixo do nosso nariz. Quem não pode atravessar o oceano para apreciar os museus de arte do hemisfério norte, pode descer na Estação da Luz, e a partir do trem urbano ou do metrô adentrar no mundo da arte.
  Alguns quadros me causaram  impacto peculiar. Certas obras retratam situações cotidianas, outras eternizaram na tela um sentimento, uma expressão...

   Praia de Biarritz é um enorme quadro de Paul Michel Dupuy, datado de 1913... há um século!




   Ocupa quase toda uma parede, mas chama a atenção principalmente por retratar um mundo de costumes tão diversos, quanto o de hoje.  O pintor conseguiu transpor para a tela a forma como as pessoas viviam, como se relacionavam...

    Parece  que a praia era destinada ao lazer e folguedo das crianças. As mulheres, tanto mães como babás estão ali, não para curtir a praia, e sim para cuidar dos pequenos. Não se veem homens buscando o lazer na praia. Os pequenos núcleos familiares se espalham no cenário, sempre com a presença infantil.





    As roupas eram sóbrias, cobrindo todo o corpo. A presença das babás registra o alto nível dos frequentadores do espaço... parece que não era frequentado pelas classes menos favorecidas.
       2013... cem anos depois. Pensei em ver como está a Praia de Biarritz...




   Vi que continua sendo um espaço muito procurado para o lazer, continua sendo uma praia badalada. Não é mais exclusiva dos ricaços, nem apresenta mais exclusividade para a criançada, todo mundo anda de roupa de baixo, e estas são mínimas! Somente as areias, as ondas e o calor de Biarritz continuam os mesmos!

   Outra obra que me chamou a atenção foi “Saudades de Nápoles”,  um quadro pequeno, obra da francesa Berthe Worms, 1895. 

    Nessa tela a saudade não é uma abstração, não é algo difícil de se definir... Ela se materializa, se incorpora, ela transforma-se e está espelhada no olhar dessa criança... É um menino que está  sofrendo pela dureza da vida que lhe foi imposta. A calça remendada e rasgada nos joelhos, indica o trabalho duro do engraxate que se ajoelha para cumprir seu ofício. Os sapatos estão em petição de miséria. Parece que a exaustão o levou a sentar por um minuto num banco de concreto ao pé de uma parede caindo o reboco.  Encostou o rostinho em seus instrumentos de trabalho, a caixa de engraxate, encimada pela escova... a pintora capta esse momento e a expressão daquele rosto, que  tem um nome: Saudade. É um olhar que é um misto de ausência, de nostalgia, de cansaço, de esperança, de sonho... Saudades!

     Quem tem um encontro com a arte nunca fica insensível! Vai lá, e conta também sua história.

domingo, 15 de setembro de 2013

Liderança no Contexto da Geração Y

    Liderar parece ser algo absolutamente simples. Quem olha as ações de um líder e almeja a liderança, normalmente fica pensando que no lugar daquele líder, faria muito melhor! Fala-se dos grandes líderes do passado e do presente, e comenta-se sobre seus feitos como se fossem as coisas mais banais do mundo.
   Alguém pode dizer: Alexandre, o Grande foi um grande conquistador grego que subjugou o império persa e estendeu seus domínios até a Índia;  Charles Spurgeon foi um pregador inglês que criou uma rede de assistência social e sacudiu a Inglaterra com seus sermões;  Pastor Emiliano foi um líder pentecostal  que consolidou o crescimento da Assembléia de Deus no Estado do Ceará. Falar dessa forma parece que o legado dessas pessoas foi algo muito simples, e suas realizações enquanto líderes parece ter sido algo muito natural, espontâneo...
   Eu diria que a liderança é das mais complexas artes existentes na labuta humana. Liderar, meus caros, é muito mais complexo do que parece. 
   O mercado editorial é repleto de publicações que se propõem a ensinar a arte de liderar: Aprenda a liderar com Napoleão Bonaparte, ou com Alexandre, o Grande, ou com  Jesus Cristo... Toda a literatura tem sua validade e é possível, obviamente, obter grande aprendizado com a história dos líderes do passado. Mas seria isso suficiente?





   Talvez a fonte da maior parte dos fracassos dos líderes da atualidade seja exatamente a aplicação dos métodos utilizados por outros, noutro tempo, noutra situação, noutro lugar. Como a maior parte do que se faz em ciências humanas, não é possível em liderança garantir êxito com experiência passada. Não se pode fornecer receitas sobre como fazer a partir do que aconteceu com outros. Podemos trabalhar com princípios, que nortearam experiências exitosas.  Mas é preciso algo além dos princípios... Algo que está ligado à percepção do líder...
    É preciso que o líder saiba quem são e como agem (e reagem) os seus liderados, para que ele possa posicionar-se e desenvolver uma relação sadia com os mesmos, e possa levar a efeito os desafios propostos. 
   Para nós que atualmente trabalhamos com a liderança de jovens na igreja, nossos liderados constituem o que os sociólogos chamam de geração Y.  Esta classificação envolve os nascidos após os anos 80. É uma geração que se deparou com o “boom” da rede mundial de computadores/internet, e o surgimento de uma nova tecnologia da informação, fato este que modificou substancialmente as relações humanas.

   Não se pode lidar com esta geração da mesma forma que meus líderes lidaram comigo. É preciso conhecer as características desta geração para que possamos desenvolver um relacionamento que lhes faça assumir o papel de liderados. E quem é esta geração Y?
   A geração Y é uma geração que “sabe das coisas”. A geração anterior assumia que não sabia das coisas, e o líder era aquele que sabia (ou deveria saber), e portanto era alguém em quem se podia depositar a confiança, alguém que podia ser seguido.  A idade, a formação, a experiência, tudo contava para que o líder pudesse ser alguém cujo conhecimento, ou bagagem o credenciavam para a liderança. E as pessoas precisavam de um líder... sentiam necessidade de alguém para seguir, para direcioná-las...
     A geração Y é uma geração que sabe das coisas. Não precisa de ninguém que a ensine, não quer saber de ninguém que a direcione. A autonomia da geração Y tira do caminho qualquer pessoa que possa estar ali para orientar. Quem precisa de orientação?

    A geração Y é uma geração que sabe das coisas. É uma geração que acessa o Google que imediatamente, e sem gaguejar, responde todas as suas questões. E quando, mesmo assim, ainda há alguma dúvida, faz-se uma conferência nas redes sociais, com os “amigos” virtuais que discutem a situação, e chega-se a alguma conclusão.
   A geração Y quer ser protagonista da sua própria história.  É uma geração que não quer que outros façam por si. Ela quer fazer, do seu jeito, de sua forma, com a sua cara. Não adianta chegar para alguém da geração Y pedindo que algo seja feito, e que seja feito “assim ou assado”.  Nada vai acontecer...
    Quem vai liderar a geração Y precisa saber que sua liderança não é aceita pelo simples fato de que ele foi colocado naquela posição, isto é, há uma liderança institucional. Ele precisa conquistar o seu espaço de liderança no coração dos liderados. Eles vão avaliar cada passo, cada ação daquele líder, para concluir se ele pode assumir em suas vidas, e na vida do grupo o papel de líder.

    Ora, se esta geração sabe das coisas, não precisa de ninguém que a ensine, nem oriente, nem direcione, é autônoma... Ainda há lugar para um líder? A resposta é positiva. Apesar de tudo, é uma geração consciente de que quer deixar sua marca na história. De que quer ir a algum lugar. De que não quer passar despercebida na existência. E isso só é possível se houver alguém que ocupe o papel de liderança em suas vidas, na vida do grupo.
    A liderança é um lugar a ser ocupado no coração da geração Y. Não da forma tradicional, que estávamos acostumados. Não de forma impositiva, não apenas institucionalmente. É preciso conquistar, ganhar a confiança...

    O líder hoje que ignorar estes fatos está definitivamente fadado ao fracasso.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Cargos e Funções X Títulos, ou entre Pastores e Barões

  Eu me lembro quando era garoto do subúrbio de Recife, lá no Córrego da Jaqueira... éramos pobres, mas tinha gente perto de nós que era muito mais pobre ainda... porém os livros me permitiam adentrar outro mundo... o da nobreza européia! Muito cedo eu conheci o Salão dos Espelhos, do Palácio de Versailles,  e fui me familiarizando com os Lordes britânicos, os condes franceses, os arquiduques da Áustria... Ah e eu sonhava com a corte, com a nobreza!
   Logo, logo eu sabia a hierarquia dos títulos de nobreza:  Barões, Viscondes, Condes, Marqueses, Duques...  Muito lindo tudo aquilo! E em meus sonhos, eu ficava pensando que um título de nobreza me cairia bem... um dia descobri no Museu do Estado um quadro com a imagem do Barão de Beberibe, que era o bairro onde morávamos! Eu ficaria bem recebendo uma honraria do tipo!
    Títulos eram outorgados pelos reis aos súditos que lhe agradavam e que com a honraria tornavam-se nobres, distintos dos demais. Lembrava-se da amante de D. Pedro I, Dona Domitila de Castro Canto e Melo, que recebeu o título de Marquesa de Santos. Militares recebiam títulos por suas façanhas no Campo de Batalha, como o nosso Duque de Caxias, o Duque de Wellington, que derrotou Napoleão.

    Na minha cabeça de garoto ingênuo eu olhava para a igreja onde me congregava e ficava outorgando títulos de nobreza aos irmãos... Eu e outros rapazes éramos os condes, alguns líderes seriam os duques...e por aí vai.
     O tempo passou... e eu tive oportunidade de entrar, de verdade, no Salão de Espelhos do Palácio de Versailles, e também em vários outros lugares que antes eram reservados unicamente à nobreza, e que um plebeu como eu nunca chegaria perto, se não houvessem sido transformados em museus... foi assim que eu pude conhecer o Schombrunn, a casa dos Habsburgs d’Áustria, o Palácio do Louvre, o  domicílio dos Valois da França...
   E agora, já um tanto crescido... vejo minhas imaginações de criança tornando-se realidade no mundo eclesiástico!  Há uma corrida por títulos sem precedentes... Todo tempo se ouve que alguém foi ungido apóstolo, ou bispa... ser pastor já não é mais suficiente! É preciso mais...

    É como se um simples título de Visconde fosse pouco (me lembrei de Monteiro Lobato, e o seu nobre Visconde de Sabugosa...) seria preciso  algo mais nobre... como um Marquês (ah...  marcantes lembranças da literatura: veio-me à memória o Marquês de Carabás, o título outorgado pelo Gato de Botas ao seu amo! E no Sítio também tinha o Marquês de Rabicó). Não basta ser pastor, isto é muito comum, é preciso ser intitulado bispo, de repente, bispo é pouco, ascende-se ao apostolado.
Mas esse sonho pela nobreza eclesiástica não paira unicamente na cabeça dos Príncipes da Fé. Entre a plebe espalha-se o desejo por títulos. Membros de igreja sonham  com o Diaconato, Diáconos sonham com o Presbitério, Presbíteros sonham  em ser Ministros... E assim caminha o mundo eclesiástico em seu devaneio pela nobreza... do mesmo jeito que eu imaginava quando era garoto: barões, viscondes, condes, marqueses e duques!
       Em minha necessidade de entender o mundo ao meu redor, voltei-me para a bíblia, tentando compreender  se as designações eclesiásticas de fato dizem respeito a títulos...
   Nos tempos vetero-testamentários encontraremos  sacerdotes, sumo-sacerdotes, videntes, profetas...  Percebo, porém, que não se tratava de um título de honra, embora um profeta ou sacerdote fosse tratado com honraria e distinção (I Sm 16.4) mas sim uma função, um encargo, uma missão, como o próprio Deus disse a Jeremias: Te designei como profeta às nações (Jr 1.5), ou a Amós: Vai profetiza ao meu povo, Israel (Am 7.15).
    Isso não quer dizer que não havia graves deturpações, como os profetas reais, pagos pelo rei para fazer uso da palavra divina (I Rs 22.6). Talvez para estes, muito mais que uma função, profeta significava um título de nobreza, que lhes permitia viver regaladamente do palácio. Bem que poderíamos chamá-los dos Barões do Israel Antigo, preocupados apenas em conservar seu status quo.
    E o que dizer dos sacerdotes? Tendo recebido o encargo de sacrificar e serem mediadores entre o povo e Deus, alguns também perderam totalmente a noção de sua missão e encargo divino. Como os filhos de Eli, que aproveitavam-se de sua nobre posição para se deitarem com as mulheres que serviam à porta do tabernáculo (I Sm 2.22), sem falar em outros desmandos (I Sm 2.13-14). Viam-se a si mesmos como os nobres condes da Religião de Israel.
   No tempo de Jesus a classe judaica dirigente, parceira do Império Romano era a elite sacerdotal do partido dos saduceus. De fato, naquela época o sacerdócio estava bem longe de ser encarado como missão, encargo ou função. Era título de nobreza obtido às custas de favores na relação política com os romanos. O sumo sacerdócio era fruto de negociações, e a preocupação era em buscar a manutenção do lugar conquistado (Jo 11.47-49). Eram os duques e arquiduques da Corte de Jerusalém.  Dá pra entender claramente a indignação de Jesus com tal situação. Advertências claras foram feitas contra os falsos profetas (Mt 7.15-23).
   Naquele ambiente onde funções haviam sido transformadas em títulos, e esvaziadas de seu significado original, João Batista e Jesus recusam-se a serem chamados de Profeta (Jo 1.21), embora de fato, o fossem.  Indagado acerca de sua identidade, João Batista afirma: “Eu sou a voz do que clama no deserto” (Jo 1.23), e Jesus aceitou ficar conhecido apenas como “Mestre” (Jo 13.13).
   Já era tempo de ser redescoberto o ofício profético e sacerdotal, totalmente esquecidos na vaidade louca dos títulos negociados e ostentados com orgulho por toda sorte de pessoas. Era necessária a vinda de um profeta semelhante a Moisés (Dt 18.18)! Jesus era o Mestre e seus seguidores apenas discípulos. O mestre não estimulou a competição entre os aprendizes, nem iniciou nenhum ensaio de distribuição de títulos que os fizessem sentir uns melhores do que outros. Embora essa fosse, em algum momento, a proposta dos discípulos. Eles pensavam em inaugurar uma pequena corte em torno do Rei-Messias: Tiago e João candidataram-se a Arquiduques do Império de Jesus. Grande decepção. Diante da proposta de que lhes fossem dados títulos de destaque no seu Reino, Jesus lhes disse:
     “Sabeis que os que são reconhecidos como governantes dos gentios têm domínio sobre eles, e os seus poderosos exercem autoridade sobre eles. Mas entre vós não será assim. Antes quem entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos servirá; e quem entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em resgate de muitos.” (Mc 10.35-45) 
   Talvez este tenha sido o maior balde de água fria da história!! E aquela bacia fez-lhes ver o mundo de outra forma. Entre os discípulos não deve haver busca de destaque ou competição, apenas todos servindo uns aos outros.
    A igreja inicia-se com os doze assumindo a função de apóstolos, agregando-se depois a figura dos diáconos, que parece-nos um pleonasmo, afinal ser cristão já pressupõe o servir. Depois Barnabé e Saulo recebem a incumbência do encargo da missionário (At 13.2). Não recebem um título, uma honraria para se destacarem dos demais... recebem um fardo, uma missão árdua, que Paulo encara da seguinte forma:
   “Mas em nada considero a minha vida preciosa para mim mesmo, contanto que eu complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus.” (At 20.24)
   Fica muito claro que há uma continuidade dos encargos confiados aos homens da Velha Aliança, no Israel Antigo, como Jeremias, para os chamados da Nova Aliança:
  “E ele designou uns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas, e ainda outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério e para a edificação do corpo de Cristo...” (Ef 4.11-12)
   Fica difícil pensar nas funções de pastores, apóstolos, evangelistas, mestres como títulos de nobreza, como prêmios por serviços prestados, como forma de reconhecer o trabalho de alguém, como uma maneira de destacar alguém frente aos demais. Estamos falando de fardos pesados, encargos difíceis de carregar...
     O que dizer das palavras de Paulo: Se alguém almeja ser bispo, deseja algo excelente! (I Tm 3.1)??
    Vou pedir auxílio ao Bispo de Hipona, Agostinho para nos ajudar no entendimento dessa passagem:
    “Sua intenção era dar a entender que o episcopado é nome designativo de trabalho [cargo], não de dignidade [honraria]. A palavra é grega e significa que quem está à frente é superintendente deu seus subordinados, quer dizer, tem de olhar por eles. Epi significa “sobre” e skopos, “intenção”, cuidado; portanto, podemos traduzir episkopein por “superintender”, zelar por. Dessa forma, aquele que quer comandar sem se devotar não deve pensar em ser um bispo.” Cidade de Deus, XIX, 19, pág. 410 (Ed. Vozes)
    Apenas em períodos de grave apostasia os cristãos fizeram dos cargos, títulos de nobreza, como no final da Idade Média, quando as famílias poderosas da Europa negociavam a púrpura cardinalícia para seus filhos. Foi assim com os Médici de Florença, os Bórgia... Tempos negros aqueles... Espero que não voltem mais... Mas a história tem alguns espasmos de repetição...