A Igreja Evangélica
brasileira apresentou galopante crescimento nos últimos 40 anos, ultrapassando
26 milhões de adeptos, o que significa uma parcela de aproximadamente 22% da
população, conforme dados de 2010.
Entretanto, tal
crescimento é acompanhado de algumas preocupações, tais como:
- Uma superficialidade que se manifesta
em pouca consciência do pecado, numa conversão também superficial, numa
espiritualidade carnal, ou carnalidade espiritual;
- Profunda ênfase na experiência
mística, sem a necessária dosagem de doutrina e ensino da Palavra de Deus;
- Esterilidade evangélica, ausência de
frutos;
- Desenfreada busca por modelos,
modelos que possam levar ao “sucesso”;
- Separatismo, isolamento, busca
desenfreada por garantir seus “clientes”;
- Um gosto por entretenimento, teatro,
espetáculo (sem que seja o espetáculo da cruz de Cristo);
- Desafios na santificação.
Em outras palavras, precisamos fazer a
indagação: O Brasil é um país melhor por causa de quase ¼ da população que se
diz evangélica?
A população
evangélica do Brasil está em praticamente todas as cidades. Pouquíssimas
cidades no país apresentam um número abaixo de 5% dos evangélicos. O Brasil é
um país predominante urbano, as pessoas estão mais nos ambientes de cidades.
Cerca de 80% da população brasileira está nas cidades.
No texto de Mt
9.35-38, vimos que Jesus caminhou por várias cidades, Josefo estima que tenham
sido cerca de 200 cidades, percorrendo os ambientes urbanos e também os rurais,
entrando nas sinagogas, mas não apenas enxergando as multidões como coletivo,
mas encontrando pessoas, com as quais o Mestre interage, observa suas
condições, percebe suas carências e necessidades.
Quando o Senhor
diz: Rogai ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua colheita, ele
quis dizer que os trabalhadores estão no campo da colheita. Precisamos abrir os
olhos e enxergar a nossa realidade como possível de ser transformada,
entendendo o que está acontecendo, olhando com olhos de um pesquisador, ouvidos
aguçados, coração sensível, cheio de compaixão.
Lembremo-nos que
“AS CIDADES são o principal campo missionário do século XXI.”
O contexto das
cidades tem sua complexidade, é um ambiente multigeracional, onde convivem
pessoas de diferentes gerações, culturas, cosmovisões, sonhos, valores.
Quando olhamos para
as cidades, muitos de nós temos uma postura que precisa urgentemente ser
revista:
Desprezamos a cidade como má e pecadora, então nos isolamos, buscamos
nos afastar de sua contaminação moral. De fato, nas palavras do apóstolo Paulo
“Toda a criação geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de parto” (Rm
8.22), mas essa cidade reflete os problemas do país, do mundo e precisamos
enxergá-la como objeto do amor de Deus.
Cientes de que os problemas são grandes demais, e nós não temos tanto
poder nem amplitude de ação, nos anulamos na nossa impotência, e já que nada se
pode fazer, ficamos somente a almejar o céu. De fato, não podemos resolver
todos os problemas da cidade, mas será que não podemos eleger algum problema,
uma área, e trabalharmos com afinco na transformação da cidade?
Isolamento e ausência de cooperação e unidade com outras igrejas,
associações e ONGs. É importante registrar as palavra de John Stott: Não
podemos dividir a igreja como não podemos dividir a Trindade. Mas parece que
temos um gosto especial por agir sozinhos, trabalhar sozinhos.
A percepção da vocação ministerial da igreja como espiritualizada. Na
idade Média a única forma de servir a Deus era sendo monge, freira ou padre. A
maior parte dos nossos irmãos ainda pensam assim. Só tem vocação para servir no
Reino de Deus quem prega, canta, ora, ou é cantor. Os demais, coitados, não são
vocacionados. A Reforma protestante veio restaurar a visão de vocação, a partir
do texto de Paulo aos Coríntios: Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer
outra coisa, fazei tudo para glória de Deus (I Co 10.31). Se estamos lavando a
louça, ensinando na escola, atendendo o cliente no banco, estamos desempenhando
nossa vocação para a glória de Deus. Dizia Abraham Kuyper: Não há um único
centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual
Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!
Como podemos agir na restauração da cidade?
Reconhecemos que
decorrente da queda, podemos constatar o mal estrutural no mundo, quer seja na
política, apresentada no Brasil em sua forma terrivelmente corrupta, quer seja
no secularismo da sociedade, numa religiosidade legalista e idolátrica, numa
economia de opressão e injustiça, numa mídia orientada para o negócio e o
consumo, manipulando as mentes e cheia de sensualidade, numa educaçãoo voltada
para uma filosofia secular e individualista voltada para o sucesso.
Que mensagem Deus
nos envia orientando nossa ação em algumas dessas áreas a serem transformadas
em nossa cidade?
É a mesma mensagem
contida na carta que o Profeta Jeremias enviou aos exilados em Babilônia,
contida no seu livro cap 29.3-14. As orientações divinas sobre como viver numa
terra que não pertence a Deus, na qual nos sentimos como exilados e imigrantes,
podem ser condensadas nos seguintes pontos:
a) Construam casas e habitem nelas.
Apesar de todas as coisas que estão acontecendo, Deus continua sendo soberano
sobre todas as coisas. Cultivem um senso de equilíbrio entre a peregrinação e a
permanência, que Calvino chamou de “estado de suspense”: não se pode estar
alienado da sociedade onde se habita;
b) Plantem jardins e comam dos seus
frutos. Acompanhem o ritmo da estação. A dignidade do nosso trabalho é
restaurada, fazendo tudo para a glória de Deus. Exercitem sua vocação social,
sejam produtivos. Ponham em prática o mandato cultural recebido por Deus no
Jardim do Edem: Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a e
dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu... Em outras palavras,
criem empregos, vençam nos negócios de forma lícita, paguem seus impostos com
integridade;
c) Casem-se e tenham filhos. Valorizem
seus relacionamentos, e assim testemunhem para os demais acerca dos valores
deixados por Deus;
d) Busquem a prosperidade da Cidade. A
palavra hebraica para prosperidade é Shalom, que também significa, completude,
paz, harmonia, plenitude. A Shalom dos judeus está contida na Shalom da cidade.
A prosperidade da cidade abençoa a comunidade de crentes, e não o contrário.
Para tanto engajem-se na sociedade em todas as esferas da sua vida política e
pública;
e) Orem pela prosperidade da cidade,
pelo Shalom da cidade. Busquemos a cada
dia ser uma igreja que intercede pela cidade, suas mazelas, seus problemas,
seus desafios. Isso não é algo estranho a nós. É orientação divina que sejamos
sacerdotes intercedendo pela cidade.
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