terça-feira, 10 de outubro de 2017

Os desafios do Contexto Urbano - Palestra do Pr. Rubens Muzio na Conferência Liderança em Foco

  
 A Igreja Evangélica brasileira apresentou galopante crescimento nos últimos 40 anos, ultrapassando 26 milhões de adeptos, o que significa uma parcela de aproximadamente 22% da população, conforme dados de 2010.
    Entretanto, tal crescimento é acompanhado de algumas preocupações, tais como:
- Uma superficialidade que se manifesta em pouca consciência do pecado, numa conversão também superficial, numa espiritualidade carnal, ou carnalidade espiritual;
- Profunda ênfase na experiência mística, sem a necessária dosagem de doutrina e ensino da Palavra de Deus;
- Esterilidade evangélica, ausência de frutos;
- Desenfreada busca por modelos, modelos que possam levar ao “sucesso”;
- Separatismo, isolamento, busca desenfreada por garantir seus “clientes”;
- Um gosto por entretenimento, teatro, espetáculo (sem que seja o espetáculo da cruz de Cristo);
- Desafios na santificação.
   Em outras palavras, precisamos fazer a indagação: O Brasil é um país melhor por causa de quase ¼ da população que se diz evangélica?
    A população evangélica do Brasil está em praticamente todas as cidades. Pouquíssimas cidades no país apresentam um número abaixo de 5% dos evangélicos. O Brasil é um país predominante urbano, as pessoas estão mais nos ambientes de cidades. Cerca de 80% da população brasileira está nas cidades.
     No texto de Mt 9.35-38, vimos que Jesus caminhou por várias cidades, Josefo estima que tenham sido cerca de 200 cidades, percorrendo os ambientes urbanos e também os rurais, entrando nas sinagogas, mas não apenas enxergando as multidões como coletivo, mas encontrando pessoas, com as quais o Mestre interage, observa suas condições, percebe suas carências e necessidades.
    Quando o Senhor diz: Rogai ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua colheita, ele quis dizer que os trabalhadores estão no campo da colheita. Precisamos abrir os olhos e enxergar a nossa realidade como possível de ser transformada, entendendo o que está acontecendo, olhando com olhos de um pesquisador, ouvidos aguçados, coração sensível, cheio de compaixão.
    Lembremo-nos que “AS CIDADES são o principal campo missionário do século XXI.”
     O contexto das cidades tem sua complexidade, é um ambiente multigeracional, onde convivem pessoas de diferentes gerações, culturas, cosmovisões, sonhos, valores.
    Quando olhamos para as cidades, muitos de nós temos uma postura que precisa urgentemente ser revista:
     Desprezamos a cidade como má e pecadora, então nos isolamos, buscamos nos afastar de sua contaminação moral. De fato, nas palavras do apóstolo Paulo “Toda a criação geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de parto” (Rm 8.22), mas essa cidade reflete os problemas do país, do mundo e precisamos enxergá-la como objeto do amor de Deus.
     Cientes de que os problemas são grandes demais, e nós não temos tanto poder nem amplitude de ação, nos anulamos na nossa impotência, e já que nada se pode fazer, ficamos somente a almejar o céu. De fato, não podemos resolver todos os problemas da cidade, mas será que não podemos eleger algum problema, uma área, e trabalharmos com afinco na transformação da cidade?
     Isolamento e ausência de cooperação e unidade com outras igrejas, associações e ONGs. É importante registrar as palavra de John Stott: Não podemos dividir a igreja como não podemos dividir a Trindade. Mas parece que temos um gosto especial por agir sozinhos, trabalhar sozinhos.
     A percepção da vocação ministerial da igreja como espiritualizada. Na idade Média a única forma de servir a Deus era sendo monge, freira ou padre. A maior parte dos nossos irmãos ainda pensam assim. Só tem vocação para servir no Reino de Deus quem prega, canta, ora, ou é cantor. Os demais, coitados, não são vocacionados. A Reforma protestante veio restaurar a visão de vocação, a partir do texto de Paulo aos Coríntios: Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus (I Co 10.31). Se estamos lavando a louça, ensinando na escola, atendendo o cliente no banco, estamos desempenhando nossa vocação para a glória de Deus. Dizia Abraham Kuyper: Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!
       Como podemos agir na restauração da cidade?
      Reconhecemos que decorrente da queda, podemos constatar o mal estrutural no mundo, quer seja na política, apresentada no Brasil em sua forma terrivelmente corrupta, quer seja no secularismo da sociedade, numa religiosidade legalista e idolátrica, numa economia de opressão e injustiça, numa mídia orientada para o negócio e o consumo, manipulando as mentes e cheia de sensualidade, numa educaçãoo voltada para uma filosofia secular e individualista voltada para o sucesso.
      Que mensagem Deus nos envia orientando nossa ação em algumas dessas áreas a serem transformadas em nossa cidade?
     É a mesma mensagem contida na carta que o Profeta Jeremias enviou aos exilados em Babilônia, contida no seu livro cap 29.3-14. As orientações divinas sobre como viver numa terra que não pertence a Deus, na qual nos sentimos como exilados e imigrantes, podem ser condensadas nos seguintes pontos:

a) Construam casas e habitem nelas. Apesar de todas as coisas que estão acontecendo, Deus continua sendo soberano sobre todas as coisas. Cultivem um senso de equilíbrio entre a peregrinação e a permanência, que Calvino chamou de “estado de suspense”: não se pode estar alienado da sociedade onde se habita;
b) Plantem jardins e comam dos seus frutos. Acompanhem o ritmo da estação. A dignidade do nosso trabalho é restaurada, fazendo tudo para a glória de Deus. Exercitem sua vocação social, sejam produtivos. Ponham em prática o mandato cultural recebido por Deus no Jardim do Edem: Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a e dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu... Em outras palavras, criem empregos, vençam nos negócios de forma lícita, paguem seus impostos com integridade;
c) Casem-se e tenham filhos. Valorizem seus relacionamentos, e assim testemunhem para os demais acerca dos valores deixados por Deus;
d) Busquem a prosperidade da Cidade. A palavra hebraica para prosperidade é Shalom, que também significa, completude, paz, harmonia, plenitude. A Shalom dos judeus está contida na Shalom da cidade. A prosperidade da cidade abençoa a comunidade de crentes, e não o contrário. Para tanto engajem-se na sociedade em todas as esferas da sua vida política e pública;

e) Orem pela prosperidade da cidade, pelo Shalom da cidade.  Busquemos a cada dia ser uma igreja que intercede pela cidade, suas mazelas, seus problemas, seus desafios. Isso não é algo estranho a nós. É orientação divina que sejamos sacerdotes intercedendo pela cidade.

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