Hoje as pessoas participam de tantas
comunidades virtuais, mas às vezes não
encontram um ser humano de carne e osso para abraçar e partilhar o dia-a-dia.
Naquela época o mundo virtual ainda era um exercício de ficção científica, e
nós pertencíamos à comunidade da igreja local, que curiosamente chamava-se
“Acampamento”. Foi um espaço onde
fizemos amigos, nos entendemos queridos e amados, e exercitamos nossa fé. Muito
do que sou hoje, devo aquelas pessoas. Gente humilde, sofrida, trabalhadora,
piedosa. Gente com suas picuinhas, seus pra-que-isso, suas idiossincrasias,
gente... Gente aprendendo a viver com gente. Ajudávamos e éramos ajudados,
amávamos e éramos amados.
Tínhamos
um profundo senso de pertencimento. Ali estava uma comunidade na qual minha mãe
crescera com outras moças, onde também havia casado, onde as pessoas conheciam
não apenas o presente umas das outras mas o seu passado, e os seus
antepassados. Riam, choravam e sofriam juntos...
A igreja mostrou-se um lugar ideal para
exercício de talentos. Tão logo pude comprei minha máquina de datilografia
portátil. Era uma Remington. Equivalia hoje ao notebook Itautec no qual estou
digitando estas memórias. Na velha Remington eu editava o jornal mensal do
nosso Grupo Vocal: Chamava-se Shalom. Eu participava de dois grupos de cântico,
o Coral de Jovens e o Vocal, recitava, compunha jograis e pequenas peças, dava
aulas na Escola Dominical... Ah... era colportor. Para manter meus hábitos de
leitura, passei a vender livros. Foram os primeiros de minha biblioteca! E como
eu devorava livros!!
Nosso grupo de jovens era de causar
inveja... éramos mais de 100 jovens numa igreja de bairro. Tínhamos algumas
lideranças que nunca esqueceremos, gente que nos inspirava, gente que nós
queríamos seguir...
Fazíamos viagens evangelísticas para o
interior, que nos forjaram o entendimento de um evangelho simples, que podia
ser compartilhado e vivido. Meu aniversário de 15 anos foi numa dessas viagens,
à cidade de Custódia, sertão de Pernambuco.
Com 16 anos incompletos comecei a trabalhar
como Menor Auxiliar de Serviços Gerais
no Banco do Brasil. Trabalhava de manhã na agência Centro Recife, estudava à
tarde, e fazia curso de Contabilidade à noite. Lembro-me bem do ônibus do Alto
José Bonifácio/João de Barros. Vinha cheio demais, apinhado de gente... Ainda
bem que indo para o Banco, eu descia no ponto final.
Nossa farda era azul, mas um azul muito
feio. A camisa era de tergal (!). Éramos muitos menores no prédio. A Centro
Recife ocupava todo o prédio da Av. Rio Branco, 240. Eram 10 andares de gente
comandada por um super-gerente que era quase um semi-deus. Boas lembranças
daquela época.
Integrando a equipe BB fui forjado como
profissional, e lapidado nas preferências culturais. Os colegas eram
apreciadores de viagens e de arte... E o menorzinho
só ouvia os relatos.
Fui aprovado no Concurso Interno e no meu
aniversário de 18 anos assumi como funcionário da carreira administrativa do
Banco. Naquele ano passei no vestibular e tive a cabeça raspada. Despedi-me do
Colégio no qual estudei por 12 anos, e dos amigos de infância. Fiz minha
primeira viagem em férias, para João Pessoa, Natal, Campina Grande, Taquaritinga do Norte e Paulo Afonso. Meu irmão Heber me acompanhou pelo trajeto nas capitais,
depois eu continuei sozinho pelo interior.
Comprei meu primeiro carro, uma Brasília
amarela, 1980, dois carburadores... zoadenta como ela só. Foi nela que eu e meu
pai aprendemos a dirigir. O Córrego, onde morávamos estava cada vez mais
violento. Muitos moradores originais da rua já haviam se mudado para outros
bairros em busca de mais sossego. Assim que tivemos condições, custeamos a
diferença de uma outra casa, e deixamos o nosso velho Córrego da Jaqueira, e
passamos a integrar a comunidade do Rio Doce, em Olinda.
Conciliei a Faculdade com o Seminário, e
toquei os cursos de Administração de Empresas e Teologia. Novos amigos em ambas
as instituições. Muita leitura, muito estudo.
Perto do fim do curso de Teologia, meu amigo Leandro me levou ao Ceará,
e lá na bela praia da Taíba, eu conheci minha virgem dos lábios de mel, Elynes,
na época estudante de Psicologia, com a qual casei 1 ano e meio depois, e
raptei para Recife.
Concluí os cursos, fui dar aulas de Teologia, enquanto minha carreira no
Banco ia progredindo. Fizemos nossa primeira viagem à Europa em 1997, e para lá
retornamos algumas vezes... e as paisagens e histórias dos livros passavam diante
de nós, nas catedrais góticas, nas ruas, nos museus, jardins e palácios de
Paris, Toledo, Madri, Burgos, Ávila, Barcelona, Genebra, Bruges, Bruxelas,
Amsterdan, Florença, Milão, Roma, Nápoli, Praga, Budapeste, Viena, Salzburg,
Colônia...
Em 1999, nasceu nosso primeiro filho,
Paulo César. Eu era pai... Tia Cida, que cuidou de meu irmão Bene, quando ele
nasceu, veio nos ajudar a cuidar do Paulinho. Voltei para a Faculdade para
cursar uma especialização. Quando
Paulinho tinha dois anos eu fui transferido de Recife para Petrolina, no sertão
do Estado... muito chororô na despedida. Novas mudanças, novas amizades, novos
desafios, muito trabalho! Uma comunidade que nos abraçou com muito carinho,
pessoas queridas que passaram a nos amar, e vice-versa. Ali nasceu nossa filha, Aline Barros. O
nascimento de um filho era um sinal que eu precisava voltar aos bancos
escolares. Fui cursar o mestrado na Faculdade Teológica de São Paulo. Ainda me
lembro do longo trajeto... ônibus de Juazeiro a Salvador, numa estrada extremamente
esburacada e um vôo de Salvador a São Paulo. Lembro dos dias e noites trancado num quarto de um
hotelzinho barato em São Paulo para terminar os trabalhos, que não conseguia
fazer em casa...
Nas férias descobertas de novos locais...
nos feriados muita natureza a ser explorada na Chapada Diamantina, na Chapada
do Araripe, na Serra da Capivara... Não precisava ir muito longe para fazer um
passeio. Bastava pegar o barco e atravessar
o rio para Juazeiro. Os amigos nos
chamavam para as roças... uma roça à margem do Rio São Francisco, era tudo de
bom! Ah... como dizia Aline, lá nós éramos celebridades, de vez em quando
estávamos nas colunas sociais!
Naquela cidade acolhedora, nossa casa na
Rua da Simpatia, sombreada na frente por uma grande castanhola, era um convite
para fixarmos residência ali. Fui ensinar na Faculdade local... De repente...
chegou a hora de partir. Não fiz despedida, não disse adeus. Apenas fui. Por
isso quando volto lá novamente, parece que eu nunca saí dali.
O Ceará acolheu de braços abertos um
forasteiro... ninguém conhecia meu passado, minha história, minha formação,
meus pais... Fortaleza se tornou minha cidade, como Recife, Olinda,
Petrolina... mas também como tantas outras onde estive e onde estão meus
amigos... Salvador, Natal, Vitória, Brasília, Rio, São Paulo...
São 21:00 e eu estou voando sobre algum
lugar desse Brasil querido, compartilhando com vocês minhas memórias... É bom
relembrar, reviver... eu estava com saudade disso!
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