domingo, 25 de setembro de 2016

O que nos fascina?


   O ser humano é um ser de fascínio. Nossos sentidos têm contato com certas coisas que parecem ecoar algo dentro de nós, então ficamos fascinados! Os olhos brilham, a mente fica voltada para algo como um pensamento fixo, a adrenalina corre nas veias, nada mais importa, é um fascínio, um encanto!

    A história humana nos mostra que o homem é fascinado por algumas coisas que só mudam de contexto, mas continuam as mesmas. O homem é fascinado pelo poder. Não é à toa que em algumas sociedades um homem tinha várias mulheres. E o fascínio pela conquista de novos territórios, pela expansão do poder, levou a humanidade a seguidas guerras.  A expansão do poder vai além do contexto bélico propriamente dito para englobar as disputas culturais e religiosas. O poder do sagrado fascinava o homem medieval, e dominou o pensamento da época.
   A narrativa do Gênesis mostra-nos Eva fascinada por um fruto proibido. Não um fruto qualquer, mas um fruto que lhe traria poder: O poder do conhecimento! O homem da renascença e do iluminismo é o homem fascinado pelo conhecimento, o conhecimento oriundo da razão. Esse poder continua fascinando o homem do século XXI, tanto quanto o primeiro casal.
    Há uma faceta do poder que parece ainda mais fascinante do que outras: o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Aquilo que não tem uma resposta imediata na racionalidade humana.
      Os relatos do texto sagrado indicam desde os primórdios, que para o ser humano não há outro fascínio tão irresistível quanto o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Na verdade, o Deus invisível dos hebreus se manifesta de forma sobrenatural. E o homem é atraído como um camundongo para a fascinante armadilha divina. Foi assim com Moisés: O fascínio de um arbusto que ardia em fogo mas se mantinha verde. Quem poderia resistir como se nada tivesse acontecendo a tão tamanha maravilha?

     Quando um povo que só conhecia Deus através dos relatos orais dos seus antepassados, é formalmente apresentado a esse Deus, que é invisível, a maneira encontrada por Ele de se fazer conhecido é através do sobrenatural, do milagroso, do espantoso. Eles creram pelo fascínio do sobrenatural. Diz o texto: “...e fez  os sinais perante os olhos do povo. E o povo creu” (Ex 4.30-31).
    É assim que os judeus se tornam fascinados por sinais, pelo sobrenatural, afinal Yahweh é o Deus Todo Poderoso, que responde com fogo ao clamor de Elias no Carmelo (I Rs 18.38), além das inúmeras intervenções miraculosas de Deus ao longo da história de Israel. Os gregos por outro lado, eram fascinados pelo conhecimento. Paulo resume isto na conhecida sentença: “Os judeus pedem sinal e os gregos buscam sabedoria” (I Co 1.22).
   Escrevendo aos gálatas, Paulo indaga: “Ó Insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade”? (Gl 3.1). Alguém deveria ter fascinado os gálatas, os induzido, os encantado, os enfeitiçado, para que mudassem de entendimento, de crença.  Tiago poderia responder a Paulo, que cada um é tentado, fascinado, atraído pelo seu próprio desejo (Tg 1.14). O ser pecaminoso do homem ama o fascínio. Está dentro do homem essa tendência para ser fascinado.
      Não pergunto portanto, quem nos fascinou? Mas o que nos fascina?
     Hoje, mais do que nunca somos fascinados pelo sobrenatural, pelo místico, pelo inexplicável. E hoje há toda uma indústria que movimenta milhões em torno desse fascínio. Uma gama de segmentos religiosos surge e se expande graças ao fascínio pelo sobrenatural.

     Não estamos aqui para negarmos que Yahweh é o Deus todo poderoso, e que tem poder para dar a vida, tirar a vida, curar, abrir o Mar Vermelho... Os relatos bíblicos neo e veterotestamentários estão cheios de relatos de milagres divinos. Os fascinados pelo poder da razão e do conhecimento sempre negaram a veracidade desses relatos. Quero registrar que creio inteiramente na ação sobrenatural de Deus. Mas os evangelhos que, diga-se de passagem são eivados de relatos de milagres nos ensinam algo que não pode ser ignorado.
     Num contexto judaico a existência dos milagres, ou sinais, era autenticadora da presença de Yahweh, e legitimava a mensagem por intermédio de quem os milagres aconteciam. Foi assim que Nicodemos creu em Jesus: “Rabi, bem sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3.2).   Porém, o fato de ficarem fascinados com os sinais que Jesus fazia, fosse multiplicação de pães, cura de aleijados ou ressurreição de mortos, não os fazia seguidores verdadeiros de Cristo, e muitos o abandonaram (Jo 6.66), quando lhes foi esclarecido que precisavam partilhar da sua humanidade e crer no seu sacrifício (Jo 6.54). O fascínio é egoísta, visa fins pessoais, o gozo individual.
    É Paulo que complementa quando fala do fascínio dos judeus e dos gregos, ele diz: “Mas nós pregamos a Cristo crucificado” (I Co 1.23). Paulo nos diz o que exatamente nos deve fascinar. Não é a ressurreição de Lázaro, nem a cura da sogra de Pedro, nem a restauração da vista de Bartimeu, nem a cura da filha da mulher siro-fenícia. O que nos deve fascinar é o Cristo crucificado.
    E olhando para o Calvário veremos essa escolha da fascinação muito bem ilustrada:
    Um dos crucificados com Jesus lhe diz: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23.39). Fascinava-o o sobrenatural. Ele iria crer em Jesus se milagrosamente, e numa demonstração de poder sem igual, o mestre se despregasse dos cravos, e baixasse até o chão, deixando a cruz vazia,  salvando também a vida dos demais crucificados, e condenando à morte eterna o restante da humanidade.


    A proposta nos faz lembrar a tentação de Cristo, na qual o diabo tenta o Senhor buscando fazê-lo fascinantes demonstrações de poder: “Se tu és o filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão”; “Se tu és o filho de Deus, lança-te daqui abaixo...” (Lc 4.3,9). 
    Jesus ainda é tentado com uma proposta de fascinante poder: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória” (Lc 4.6).
    Por outro lado, o outro crucificado não se fascina com qualquer ato de glória e poder que Jesus pudesse fazer, mas apenas lhe diz: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino (Lc 23.42).
    É apenas o fascínio pelo crucificado. Que não sejam os milagres que nos fascinem, ou mesmo as possibilidades de glórias deste mundo. Mas Cristo, apenas ele, o crucificado! A nascente igreja de Cristo aprendeu que os milagres estão no âmbito da soberania de Deus. Foi assim que Tiago foi morto à espada, mas Pedro foi liberto da prisão por um anjo do Senhor (At 12.1-10).
    Se formos fascinados apenas pelo poder sobrenatural, ficaremos indefinidamente em busca de milagres e maravilhas, e não do Cristo crucificado. Se ficarmos buscando o fascínio do poder e glórias terrenas nos curvaremos diante dos ídolos. Simão, o mago samaritano recém convertido fica extasiado diante dos sinais que Deus realiza (At 8.13). Não lhe atraía o Cristo crucificado, morto, sepultado e ressuscitado. Lhe atraía de tal forma o sobrenatural que ele ofereceu aos apóstolos dinheiro para que ele pudesse ser também detentor do poder (At 8.18). Para que ele pudesse exercer livremente ações fantásticas e miraculosas. Foi duramente repreendido pelos apóstolos: Ele não era um cristão convertido!


    A prática de Simão é encontrada em toda a parte, em pleno século XXI.  Que nosso fascínio seja o Cristo crucificado, e como pobres pecadores que somos, nos juntemos ao ladrão da cruz dizendo: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino.

2 comentários:

  1. Mesmo diante de tamanha Paciência Divina em se revelar através dos tempos, levando sempre em conta a capacidade gradual e evolutiva do entendimento humano, ainda somos atraídos como camundongos na direção de migalhas "sobrenaturais"...

    A Longanimidade do Pai é mesmo soberanamente constrangedora!

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  2. Lindo e real entedimento de fé,pura fé misercordia e amor puro e simples .Gloria A Vós Senhor.

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