No dia de ontem o Pr. Rubens Muzio nos
trouxe mais duas tendências externas que influenciam as lideranças das igrejas,
para as quais precisamos estar vigilantes e atentos, e quatro funções da igreja
que devem permanentemente nortear e orientar a nossa prática de liderança.
As duas tendências externas são o consumismo e a marketização por um
lado, e o entretenimento por outro.
A intensificação do consumo, inclusive com o fenômeno da obsolescência
planejada dos produtos, faz com que a oferta de bens e serviços seja a maior
preocupação das pessoas. E o fenômeno do mercado vai envolvendo tudo, inclusive
as igrejas. Crentes se tornam clientes, membros de igrejas se tornam
consumidores de produtos religiosos, igrejas passam a funcionar como lojas da
fé, produzindo bens religiosos para o consumo. Os pastores estão preocupados
com a concorrência da loja vizinha, e com a plena satisfação dos consumidores
exigentes.
A ciência do marketing vai tomando lugar do
Evangelho da Cruz. Líderes marqueteiros gerenciam estruturas de distribuição de
bens e serviços religiosos. E no afã da conquista de novos clientes se busca
oferecer o produto ao menor preço possível. É o fenômeno da graça em
liquidação. A graça é vendida muito barata, pois assim um número maior de
consumidores será alcançado. O Evangelho de santidade que pressupõe a graça
preciosa não tem mais espaço. Os consumidores estão muito mais interessados num
pseudoevangelho antropocêntrico, do que no verdadeiro evangelho cristocêntrico
e com a logomarca da cruz.
Não são poucos os pastores e as igrejas que
realinharam sua mensagem para não perder mercado. A marketização da igreja
parece ser muito atraente, e até eficaz, mas tira da igreja o seu papel
profético!
Outra tendência muito sedutora hoje é o
entretenimento, a igreja teatro, os eventos, os cultos shows, o pastor diretor
do espetáculo, o pregador comediante motivador. No culto entretenimento a ação
sobrenatural do Espírito Santo cede lugar à manipulação. Os consumidores se
sentem bem, saem satisfeitos. Porém o culto não é o espaço onde nosso ego é
massageado e temos nossas necessidades satisfeitas. É o lugar onde somos
confrontados com a Palavra do Senhor e nos humilhamos diante da glória de Deus!
Diante dessas tendências que muitas vezes
encantam até os escolhidos, somos chamados a refletir sobre as funções da
Igreja: Koinonia (comunhão), Kerygma (proclamação da mensagem), Diakonia
(serviço) e Martyria (testemunho).
Não estamos falando de conceitos abstratos, de formulações teológicas
complexas que podem ou não ser abraçadas. Estamos falando de funções vitais da
igreja, que caso não se observem, como diria Nietzsche, nosso cristianismo vai
cheirar mal, não nos pareceremos com redimidos.
O primeiro é o desafio da Koinonia, da comunhão, da vida unida a Cristo,
do chamado à unidade prática. É o aprendizado que nos faz conviver com pessoas
diferentes, a crescer com os conflitos. É
um chamado à maturidade de abandonarmos nossa ultrasensibilidade infantil, não
me toques, desenvolvendo a resistência de uma pele de rinoceronte, que suporte
as pressões, e as dificuldades das relações interpessoais.
Precisamos levar em conta a orientação agostiniana para que, haja
unidade nas questões essenciais, liberdade nas questões secundárias, e em todas
as outras, caridade. Precisamos ter discernimento para distinguir o que são
questões essenciais e quais são secundárias. Conhecimento da palavra de Deus e
sensibilidade do Espírito nos ajudarão a perceber cada uma delas.
O segundo desafio é o Kerygma, a
proclamação da mensagem. Há um total desvirtuamento da mensagem no mercado da
fé. Somos chamados a estar encharcados da palavra, a amar, obedecer, proclamar,
enfim, voltar à Palavra.
Da história nos vem exemplos que não
podem ser ignorados, João Bunyan, João Calvino, George Muller. Homens que liam
a bíblia, a amavam e a pregavam. Não são os reformadores que nos ensinaram a
ênfase na palavra, eles apenas trouxeram à luz algo que havia sido esquecido. Por
ocasião da separação dos diáconos os apóstolos disseram: Nós perseveraremos na
oração e no ministério da palavra (At 6.4).
O evangelho precisa ser pregado nas nossas
igrejas, não apenas para os que estão fora, mas também para os que estão
dentro. Cristo precisa ser proclamado como o único caminho para a salvação, o
centro do pensamento cristão, a essência do cristianismo.
Outra função da igreja é a diakonia, o
serviço. A diakonia exige que enxerguemos o outro, o próximo. Os quatro
primeiro mandamentos nos apontam para a relação com Deus, mas os seis últimos
nos apontam para a relação com o próximo.
Há uma tensão instalada quando falamos do mandamento: Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Alguns enfatizam uma parte e
esquecem a outra e vice versa. Somos desafiados ao equilíbrio. Serviço cristão
é tudo o que fazemos para a glória de Deus. Foi a igreja medieval que
erroneamente propôs que somente o trabalho ligado à igreja seria para a glória
de Deus. Por isso quem quisesse servir a Deus verdadeiramente precisava ser
padre, monge ou freira. Os reformadores corrigiram esta distorção. Precisamos
servir à igreja, à comunidade onde estamos. A presença de Deus não está apenas
na igreja, ela preenche toda a criação. Somos agentes na Terra, para que Venha
o Reino, seja feita a vontade do Senhor.
No século XIX os irmãos ingleses
entenderam que o problema da escravidão na Inglaterra era de todos eles. E
todos serviram a Deus no afã de acabar com aquela prática desumana.
Não esqueceremos a citação de Edmund Burke:
“Para que o mal triunfe, tudo o que é
necessário é que boas pessoas não façam nada.”
Martyria, testemunho, foi a última função
da igreja que analisamos. É curioso como a palavra original martyr significa
apenas aquele que testemunha. Jesus disse ser-me-eis testemunhas (At 1.8). Os
primeiros discípulos foram testemunhas de
Jesus, andaram como ele, proclamaram sua mensagem. Mas para as
autoridades, inicialmente judaicas, e depois romanas, essa martyria, esse
testemunho incomodava demais. Testemunhar passou a ser sinônimo de condenação à
morte. Foi assim com Estêvão, e Tiago. Então a palavra grega martyr, testemunha
foi para o latim mártir, designando aquele que dá a sua vida por uma causa.
Martyria é nossa disposição em testemunhar, e caso seja necessário dar a
nossa vida, pelo Senhor que por nós morreu. Isso é muito mais do que ser um
crente cliente, ou “criente”. Finalizo com a citação de Richard Forster, que
não devemos apenas achar bonito, mas refletir sobre o que precisamos fazer para
tornar as nossa igrejas dessa forma: “Comunidade de amor e aceitação. Alianças
de liberdade e libertação. Centros de esperança e visão. Sociedades de
edificação e prestação de contas. Pequenos bolsões de vida e luz tão
impressionantes que o mundo, quando os vir, vai se admirar: ‘Vejam como eles
amam uns aos outros!’”
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