Minha cidade, Recife, é um lugar de muitos negros. Os engenhos de
cana-de-açúcar que a região abrigou desde o tempo de Duarte Coelho exigiram uma
quantidade razoável de mão de obra escrava... e esta mão de obra era africana,
negra. Vinha nos navios negreiros da África para o Porto de Recife. Estudo da Universidade de Emory, coloca o Porto do Recife como o quinto mais movimentado de todo o mundo no quesito desembarque de escravos. E quando o mercado de escravos foi proibido, o fluxo foi mantido às escondidas, num,
literalmente, mercado negro. Os navios não aportavam no Porto de Recife,
ficavam um pouco ao sul, e vinham carregados de negros, mas diziam que estavam
trazendo “galinhas d’Angola”, por isso o nome de uma das mais belas praias da
minha terra: Porto de Galinhas.
Bem, a cor da pele nunca foi um problema pra nós. Meu avô, Justo José, que todos nós, filhos e netos, o chamávamos carinhosamente de Meu Pai, não era um negro autêntico, era mulato. Sua mãe era branca, mas meu bisavô, o
Velho Sansão, era um negro de verdade. Imagino que meu trisavô deva ter sido
escravo em algum engenho de cana do litoral pernambucano.
Por artes da genética, nasci branco. Meus irmãos tiveram a pele mais
tostada, trazendo mais próximo os resquícios da mãe África. E quem é mais
escurinho a gente sempre chamava de “nego”. Meu irmão Heber, era, e ainda deve
ser, “o meu Nego” da tia Moisa, que era a mais morena das filhas do meu avô.
Temos uma idade próxima, e eu me lembro de desde criança admirar sua morenice,
com lindos cabelos negros escorridos. Levava à loucura os rapazes, quando era
solteira!
Tia Moisa casou com um homem branco, e teve dois filhos, um negro e um
branco. O “nego Clevson”, é o nego mais lindo dessa parte do Equador! Chamar o outro de “nego”, pode ser um
xingamento, mas também uma forma carinhosa de se dirigir a alguém que se ama.
Nos dias de hoje, penso que posso ser preso, pelo que estou escrevendo.
Na escola, nunca precisamos de um dia de consciência
negra, para reconhecer a importância de nossos colegas pretinhos. E naquela época ninguém sofria
“bullying”. Então a gente podia chamar o outro de “nego feio”. Como me chamavam
de “baleia-fora-da-água” (eu era um garoto gordo). E ninguém
morria.
Além das relações familiares, a igreja foi outro lugar onde nossa
convivência nunca esbarrou com questões ligadas à cor da pele. Na maior parte
das décadas de 80 e 90, nosso pastor era um negro, Pr. José Leôncio da Silva. O
negro mais amável e carismático que alguém pudesse imaginar. Sua lembrança
continua viva na minha memória, e de tantos outros que puderam ser sua ovelha,
por algum tempo.
Lembro que, em nossa congregação na
periferia de Recife tinha muitos irmãos negros. Gente tão querida, tão
especial, que a cor nunca fez diferença em nossos relacionamentos. Me lembro da
irmã “Roxinha”. Imagino que a apelidaram de Roxinha porque era tão pretinha que
parecia roxinha.
Na minha rede de
amigos, nunca separei, estes são os brancos, e aqueles são os negros. Foram
sempre meus amigos.
Hoje as coisas
estão diferentes. Outro dia alguém propôs que precisa catequizar quem for negro
para que volte às práticas religiosas africanas. Que coisa estranha!!!
Sempre achei interessante nosso país, onde negros e brancos caminhavam
juntos sem enfatizarem a diferença racial. As coisas parece que estão mudando.
Posso aqui gritar minha origem africana e
me definir como afrodescendente. Posso dizer aos meus filhos que busquem as
cotas na universidade pois lhes cabe de direito.
Somos homens,
somos seres criados à imagem e semelhança do Criador. Por que enfatizar o que
nos distingue? Enfatizemos o que é comum em nós: Somos todos pecadores,
carentes da graça do Senhor!
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