Acabei de chegar do sepultamento do meu avô, em Recife. Ele era o último de meus avós ainda vivo... A última ponte que unia passado e presente se foi!
Segurei a alça de caixão de meu avô Justo, junto com outros primos e parentes, e colocamos seu corpo inerte no jazigo da família Santana Nunes, no Cemitério São José, em Paulista, ao lado de minha avó Maria, que fora sepultada ali há exatos 1 ano e 4 dias! Os Santana Nunes (João e Ester) foram amigos dos meus avós durante suas vidas, e queriam estar juntos na morte. Ali estão dois casais amigos, que vieram a aparentar-se quando minha tia Ruth casou com João Santana Filho. Tiveram netos em comum, envelheceram e foram morrendo e separando um do outro, para depois se ajuntarem! O primeiro foi lá sepultado há 31 anos, e esperou sem pressa os demais que a ele se juntaram... um a um.
Rubem Alves diz que tem medo da morte... Muita gente tem. Eu não tenho medo da morte. Acho-a misteriosa, às vezes caprichosa, mas não amedrontadora! Achei muito interessante a vontade de um casal amigo compartilhar o jazigo com outro. É uma amizade que transcende a existência terrena. Ainda se fazem amigos assim?
Pensei em meu avô que desaparece do palco terreno e me deixa diante dos holofotes da vida com seus desafios. E então, me veio um entendimento análogo ao hino que meu primo Clevsom cantou na cerimônia fúnebre:
” Não se pode matar
A semente germina
Ela não morrerá
Nem se perde no chão
Se alguém a pisar
Destruindo o jardim
Ela renascerá
A semente é assim.”
A semente germina
Ela não morrerá
Nem se perde no chão
Se alguém a pisar
Destruindo o jardim
Ela renascerá
A semente é assim.”
A semente desaparece sob o solo onde foi plantada... Nunca mais ninguém a verá. Ela porém não está perdida, nem tampouco desapareceu. Ela não apenas renascerá na Ressurreição do Último Dia, como diz o Credo Atanasiano. Meu avô como semente renasce em cada filho, em cada neto que deixou, em cada pessoa com a qual conviveu.
Pensei em mim, como seu neto. Como galho dessa semente que aos poucos foi desaparecendo, até fecharmos plenamente o jazigo dos Santana Nunes com o seu corpo no caixão cheio de flores, ao tempo em que lhe dávamos o derradeiro adeus entre lágrimas.
Pensei nele como um alicerce... Eu me lembro quando meu pai construiu nossa casa de alvenaria em substituição à nossa velha casa de taipa. Me lembro da grande vala cavada que aos poucos foi sendo preenchida com tijolo, pedra e cimento... Era o alicerce. O alicerce era profundo e “reforçado”, para a possibilidade de se construir futuramente um andar superior, argumentava meu pai.
Depois as paredes foram subindo, a casa foi tomando forma e o alicerce foi cuidadosamente enterrado... Quando se olhava a casa, com seus cômodos, portas, janelas, ninguém se lembrava que havia algo sobre o qual a construção tomara forma.
Pensei em meu avô como o alicerce para a casa que eu estou me tornando: Um alicerce de honestidade, trabalho, dedicação à família, respeito pelo outro, amor pelos necessitados, fidelidade, altruismo.
Vi uma velhinha que chegou logo cedo ao velório: Era uma velha amiga. Indaguei se estou sendo capaz de fazer amizades, que se conservem mesmo quando eu nada tiver a oferecer! Numa sociedade onde a consideração é tão pouca, meus alicerces gritam pelo valor do outro, não pelo que ele possa oferecer, mas pelo que ele é.
Um antigo aluno da Escola Bíblica Dominical fez questão de falar, minutos antes do sepultamento, do seu querido professor Justo. Meu avô era um leigo, simples, pouco escolarizado, mas tinha um imenso amor por Deus. No lugar onde congregava já como ancião, ensinava na classe dos jovens. Era sempre cheia sua classe. Por que? Era um erudito? Não. Mas era um homem que ensinava com o coração, por isso os jovens gostavam de ouvi-lo. É... por isso meus alicerces clamam por uma mensagem que seja de coração para coração!
Não há herança a ser repartida. Como falei, foi sepultado no jazigo de fiéis amigos. Mas há paredes erguidas a partir dos alicerces desaparecidos sob o chão. Há árvores frondosas que nasceram a partir da semente que não existe mais:
A sabedoria hebraica expressa na poesia profunda dos Salmos diz: “O Justo florescerá como a palmeira, crescerá como cedro no Líbano... Na velhice ainda dará frutos... para proclamar que o Senhor é Justo...” Sl 92.12-15
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