Fundamentos biblicos, antropológico, teológicos e psicológicos da vida comunitária
Antropológicos e Psicológicos
Cada rosto é um espelho e um desejo de ser, de ter,
Não é preciso uma verdade nova, uma aventura...
Pra encontrar nas luzes que se acendem um brilho eterno,
E dar as mãos e dar de si além do próprio gesto,
E descobrir feliz que o amor esconde outro universo...
(Vida, Fábio Júnior)
Em primeiro lugar é importante que tenhamos em mente que antropólogos, sociólogos, filósofos e outros homens da ciência, desde o século XIX, prenunciavam o fim do mundo religioso. De fato, o desenvolvimento humano e o crescimento das condições de segurança existencial conduzem à diminuição dos valores religiosos na sociedade pós-moderna, mas isso não implica o declínio da religião ou o seu fim. A autoridade religiosa, na verdade, não ocupa mais o mesmo lugar que antes... (vide Pippa Norris e Ronald Inglehart, Sacred and secular. Religion and politics worldwide, Cambridge Press, 2004)
A secularização que vivenciamos hoje, secularização como utilizada por Peter Berger (Realidade Social da Religião), isto é, como o fim da cultura do domínio do religioso, com o concomitante crescimento da consciência do eu, possibilitou a transformação da organização das pessoas antes em comunidade para sociedade.
Os vínculos de longa duração observados na comunidade, quais sejam de parentesco e de obrigação, foram substituídos por vínculos contratuais. Tal realidade porém, gera um senso de despersonalização, coisificação. De fato, a desintegração da vida tradicional deu origem a uma espécie de anonimato, a vida é mais tolerante, em contrapartida, surge a angústia do “não ser”.
Em meio à sociedade pós-industrial, coisificante, despersonalizadora, as pessoas anseiam por relações de longa duração, menos descartáveis, menos instáveis. Busca-se comunidades. As igrejas continuam caracterizadas como grupos comunitários, onde a despersonalização dá lugar à personalização, eu tenho nome, e pertenço a uma comunidade que me conhece, re-conhece. Tem suas exigências sobre mim, sobre meu comportamento, mas isso decorre do vínculo que temos.
Na empresa somos um recurso, que precisa estar bem treinado, bem atualizado, saudável e motivado... caso isso não ocorra somos sumariamente descartados...
No casamento (o contrato de casamento), precisamos ser provedores, grandes amantes, bons pais, e manter uma bonita aparência... caso isso não ocorra... o divórcio acena constantemente...
Igreja como comunidade pode ser o lugar onde o meu desejo, antigo desejo de ser, não somente de ter, pode se materializar, quando eu der as mãos e dando de si além do próprio gesto, descubro feliz que o amor esconde outro universo...
Bíblicos e teológicos
Talvez quem sabe por esta cidade passe um anjo,
Que por encanto abra suas asas sobre os homens,
E dê vontade de se dá aos outros em medida,
A qualidade de poder viver, vida... vida... vida...
(Vida, Fábio Júnior)
Inicialmente Jesus não fala para uma comunidade. Ele ensina um punhado de pessoas que passam a ser seus seguidores. O seguem porque foram chamados por ele (como é o caso específico dos discípulos, os doze), o seguem porque sentem-se a ele vinculados após serem curados, ou libertos (Lc 8.2). Mas já vislumbra neles o embrião de uma comunidade, isto fica claro no Sermão do Monte (Mt 5), no qual fica claro que seus seguidores são a luz do mundo e o sal da terra (5.13), e que uma nova ética e prática lhes é confiada.
Nos instantes finais com os discípulos, antes de sua paixão e morte, Jesus delineia melhor como ele espera que seja a vida em comunidade de seus seguidores, e estabelece que deve ser uma comunidade que obedeça seus ditos (Jo 15.14) e viva verdadeiramente o amor mútuo (Jo 15.17).
O desafio de viver em comunidade é o desafio de viver o amor de Cristo, é o compromisso de perdão (Mt 18.21-22) e reconciliação (Mt 5.23,24), é o desafio de servir, considerando os outros superior a si mesmos (Mt 20.20-28)... Jesus ainda institui a Santa Ceia, que substitui a celebração hebraica da Páscoa, e esta não é celebrada na solidão, e sim em conjunto, no seio da comunidade, onde anunciamos a morte do Senhor até que Ele venha (I Co 11.26)
Quando a comunidade dos primeiros cristãos se torna realidade, primeiro em Jerusalém, depois em Samaria e Antioquia, a vivência dos desafios já anunciados por Jesus é observada no dia a dia da Igreja: Comiam juntos, louvavam a Deus e pregavam a mensagem (At 2.42-47), oravam juntos (At 4.24-31), cuidavam uns dos outros (At 6.1).
As cartas paulinas são direcionadas a comunidades, de Roma, de Corinto, de Tessalônica, de Filipos, de Éfeso, de Colossos, e cada comunidade apresenta suas necessidades e angústias próprias. Especialmente a 1ª Epístola aos Coríntios é um exemplo de que a vida em comunidade não é fácil: divisões internas, isto é, grupos ou panelinhas, uns são de Paulo, outros de Apolo, outros de Pedro, imoralidade, casos na justiça comum, enfim... problemas enfrentados por qualquer comunidade. Paulo apresenta a mesma solução apontada por Jesus, o Amor (I Co 13).
Ainda há um detalhe importante a ser mencionado. A Igreja, a comunidade é o corpo de Cristo, e cada um tem o seu papel no corpo (Rm 12.4-8), seus dons e talentos são usados complementarmente para formar a unidade do corpo. Essa temática é recorrente nas cartas paulinas, veja I Co 12 e Ef 4.
O escritor da carta aos Hebreus nos fala de uma forma muito bonita da importância da vida em comunidade:
“Pensemos em como nos estimular uns aos outros ao amor e às boas obras, não abandonemos a prática de nos reunir, como é costume de alguns, mas pelo contrário, animemo-nos unos aos outros, quanto mais vedes que o Dia se aproxima...” Heb 10.24-25.
Quero finalizar com alguns parágrafos do livro “O que Cristo quer de nós”, do teólogo católico Bernard Haring, Edições Paulinas (1970):
“Os sacramentos anunciam o Evangelho e, ao mesmo tempo, impõem um dever moral que, por sua vez, é uma graça. Todas as vezes que celebramos a eucaristia anunciamos a morte do Senhor como o grande acontecimento redentor que novamente nos envolve, salva-nos e nos impõe exigências. A boa nova que o Senhor nos repete sempre através da fé da comunidade: ‘Eu morri por vós, vivo para vós e em vós’, inclui sempre, também, a exigência de ‘amar-nos uns aos outros, como ele nos amou’. (p. 71)
Cristo proclama o mandamento novo, sentado à mesa, à volta da qual reuniu os apóstolos e sobre a qual instituiu a Eucaristia. Eles estão visivelmente reunidos á volta do Mestre e, mediante o amor que os liga, tornaram-se verdadeiramente uma família. Jesus ensina-os com um gesto tangível, que é fruto de amor humilde e servil. Tudo isto se repete, embora de modo diferente, na celebração dos sacramentos. ‘As funções litúrgicas são celebrações da Igreja, que é sacramento de unidade.’ (p.73)
A liturgia e a oração individual e comunitária tem por objetivo levar-nos a esta forma de adoração de Deus em espírito e em verdade (Jo 4.23-24). Mesmo quando oramos simplesmente, com o coração, no silêncio do nosso quarto, dizemos sempre: ‘Pai nosso’; temos diante dos nossos olhos os irmãos e incluímo-los, conscientemente na nossa súplica. Os sacramentos, e especialmente a celebração eucarística, tornam-nos ainda mais conscientes de tudo isso: quando os celebramos, estamos na presença de Deus, como família sua, unidos a Cristo. O seu amor redentor, com o qual glorificou verdadeiramente o Pai, convida-nos continuamente através da Bíblia, da liturgia e da pregação, a ‘ter uns para com os outros o mesmo sentimento, segundo o espírito de Cristo Jesus, para que, num só coração e com uma só voz, glorifiquemos a Deus, o Pai (Rm 15.5-6)...” (p. 79)
Segundo a psicologia, todo indivíduo está destinado a enquadrar-se a uma comunidade.Pois todo ser passa pela SOCIALIZAÇÃO, que é um processo pelo qual o indivíduo adquire os padrões de comportamento que são habituais e aceitáveis nos seus grupos sociais.Este processo de aprender a ser um membro de uma família, de uma comunidade, de um grupo maior, começa na infância e perdura por toda a vida, fazendo com que as pessoas atuem, sintam e pensem de forma muito semelhante aos demais com quem convivem.
ResponderExcluirPorém há uma grande contradição nisto!muitos indivíduos sentem simpatias por certos grupos,mas não conseguem enquadrar-se totalmente à cultura ou preceitos desses.Quer um exemplo? Que tal um certo jovem abastardo (Mt 19.16-22).
Mas há uma outra contradição que permeia os nossos dias;a comunidade é formada por indivíduos ou unida por hábitos, preceitos e até mesmo um objetivo maior em comum.Porém, muitas comunidades estão se fragmentando em subgrupos, mas ,ainda assim, possuem o mesmo objetivo.Qual seria então o fator de segregação ou fragmentação desses grupos? em (I Co1.12-13)há um grande exemplo disso.
...o fato é,perca do objetivo ou do foco???