quinta-feira, 3 de março de 2016

Não sou obrigado a nada, uma lição do passado

    Preciso continuar escrevendo sobre isso. Embora me digam que “não sou obrigado a nada”. Queria me dirigir especificamente aqueles e aquelas que se dizem tementes a Deus, ou integram uma comunidade cristã e ao mesmo tempo abrem a boca para dizer “não sou obrigado a nada”.
     Sabe, guri, guria, garoto, garota, jovem, cara, irmão, mano... houve um cara num passado muito distante que vivia dizendo isso, e... se deu mal. Acabou esmagado nos escombros de um velho templo filisteu em algum lugar na conhecida Faixa de Gaza, não sem antes passar por uns bons perrengues.
     Chamava-se Sansão. Em primeiro lugar ele nasceu nazireu, do hebraico nazir נזיר da raiz nazar נזר "consagrado", "separado". Assim, o nazireu era alguém escolhido por Deus de forma diferenciada. Ele tinha privilégios, entre os quais receber de forma especial o Espírito de Deus, e lhe havia sido confiada uma missão. Por outro lado, ele tinha obrigações. Fico pensando que o grande problema das pessoas hoje é esse, elas só desejam os privilégios, os bônus (como diziam os antigos), e não os ônus, as obrigações.
   Suas obrigações estavam descritas na Lei, as regras do nazireado estavam expressas na Torá, em Números 6.1-21. Outra questão delicada hoje é falar de leis, de regras. Num mundo onde todos querem ser auto-nomos (auto, de si mesmo; nomos, lei), cada um quer ditar a sua própria lei, faz todo o sentido dizer “não sou obrigado a nada”.

   Esperava-se que o nazireu se abstivesse do vinho, de bebida forte, vinagre, uvas, nada relacionado a vinha (de sementes até as cascas), não poderia passar navalha na cabeça (teria o cabelo crescido),  não aproximar-se de cadáver e  não ir a velórios.
    Sansão estava submetido às leis do nazireado, sem falar nas demais prescrições das leis mosaicas, a qual estavam ligados todos os descendentes de Jacó.
    Mas Sansão decidiu em seu coração: Não sou obrigado a nada.
    Escolheu uma garota filisteia, que pertencia ao povo inimigo, para casar. Uma guria com outra cultura, outras tradições. Seus pais foram contra o casamento, e falaram com Sansão. Mas ele insistiu:  Vou casar com ela, afinal, não sou obrigado a nada.
    O casamento acabou na festa de noivado.  Sansão acabou matando 1000 pessoas aparentados da noiva, para pagar uma aposta, que a própria noiva revelou a resposta do enigma aos parentes. O enigma envolvia a quebra de uma das regras da lei do nazireado, como aproximar-se de cadáveres.  Ele buscou no leão morto, um favo de mel que as abelhas produziram. Mas ele já decidira: Não sou obrigado a nada, muito menos a obedecer as regras do nazireado.

    Embora triste, Sansão pensou em reatar o relacionamento com a moça filisteia, passada toda a confusão. Bateu na casa do sogro, e qual não foi sua surpresa quando foi informado que a sua noiva fora dada por esposa ao seu amigo filisteu. O velho lhe ofereceu a filha mais nova. Sansão estava por demais enfurecido. Disse em alto e bom som, que em relação aos filisteus ele agora não era obrigado a nada. E tomou trezentas raposas, amarrou os rabos e tocou fogo, mesmo nas plantações dos filisteus, arrasando o trigo, as vinhas e os olivais.

      Indignados, os filisteus, que não eram obrigados a nada, foram à casa do ex-futuro sogro de Sansão e queimaram a sua ex-noiva juntamente com seu pai.
    A história pararia por aqui, se Sansão não levasse as últimas consequências o bordão “não sou obrigado a nada”, Sansão passou a frequentar os bordéis dos filisteus. Primeiro afeiçoou-se de uma prostituta em Gaza, depois apaixonou-se  por uma filisteia do vale de Soreque chamada Dalila. Como um juiz de Israel, aquilo não era nem um pouco conveniente, e muito estranho para um nazireu, alguém separado e consagrado para Deus, mas para Sansão isso não era problema, afinal  ele “não era obrigado a nada”.

    Sua força era um segredo que a ninguém poderia ser revelado. Seus cabelos que nunca haviam visto navalha guardavam o mistério da obediência do nazireado, e consequentemente do poder sobrenatural de Deus sobre Sansão.
  Mas a muita insistência de Dalila resultou no segredo revelado. Sem problemas, afinal  Sansão não era obrigado a nada. Os filisteus cortaram seus cabelos, ele perdeu inteiramente sua força. Foi levado para trabalhar como escravo dos filisteus, vazaram-lhe os olhos, riram dele e o ridicularizaram... custou muito caro, um “não sou obrigado a nada”.


     Levado para ser o palhaço da festa num templo dos filisteus, Sansão repensou sues conceitos. Percebeu o quanto havia sido ingênuo e egoísta com a sua filosofia de “não sou obrigado a nada”. Agora era tarde, resolve orar e pedir a Deus, que (este sim), não era obrigado a nada, que se lembrasse dele (isto será tema de uma próxima conversa, nossa)... Deus, que não é obrigado a nada, mas em sua misericórdia e graça ouve os homens, restituiu sua força, e Sansão conseguiu empurrar as colunas que derrubaram o templo, matando-o juntamente com os filisteus...


    Uma nota de um fim melancólico, em alguém que em vida havia entendido que “não era obrigado a nada”. Essa história é contada há mais de 3 mil anos, encontra-se na  bíblia, nos capítulos 13 a 16 do livro de Juízes...

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