Estou finalizando agora essa conversa sobre “não sou obrigado a nada”.
Ficou claro que o bordão “não sou obrigado a nada” é infantil, bobo. Portanto,
não o repita porque todo o mundo está falando. Nas relações entre os homens
seremos sempre obrigados a alguma coisa, mesmo contra a nossa vontade.
Mas há outras relações onde essa obrigatoriedade não é observada. Falo
em primeiro lugar da relação de Deus com o homem, depois falo da relação do
homem com Deus.
Começando no livro dos princípios, o Gênesis,
vamos encontrar o que teologicamente chamamos de Queda. Embora criado à imagem
de Deus para o louvor e glória do Criador, o homem desobedece e seu pecado essa
imagem do Criador, afasta o homem de Deus, e cria desordem no mundo físico e
espiritual. Isto é a Queda.
Deus poderia ter deixado de lado o homem desobediente
e caído. Mas não o faz. O busca na
viração da tarde, providencia-lhe vestimenta, e registra a promessa de
redenção, no protoevangelho de Gn 3.15. Ele não era obrigado a nada, mas o fez!
Tempos depois diante de uma humanidade pervertida e iníqua, Deus provê
salvação através da arca para Noé e sua família, e a história do homem recomeça...
Deus não era obrigado a nada, mas o fez!
Deus se revela a um mesopotâmio da cidade de Ur, chamado Abrão. No meio
de uma sociedade caldéia que adorava a lua, e construía templos em formas de
pirâmides, conhecidos como zigurates, Deus escolhe Abrão e lhe faz promessas.
Uma aliança, cuja celebração tem como modelo os rituais de suserania e
vassalagem da época, é firmada entre Deus e Abraão (Gn 15.1-19). Deus firma a
aliança e faz promessas a Abraão. Ele não era obrigado a nada, mas o fez!
Da descendência de Abraão surge o povo de
Israel. Escravizado no Egito, é milagrosamente tirado de lá através da ação
sobrenatural de Deus. Peregrinando no deserto, é tempo de pensar: Por que nós?
Por que fomos escolhidos?
Moisés responde e esclarece ao povo esta
questão. Não é porque Ele fosse obrigado a alguma coisa. Mas Moisés afirma: “Não
vos teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do
que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos
pais, o SENHOR vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão,
do poder de Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus,
o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o
amam e cumprem os seus mandamentos.” Dt 7.7-9
Foi iniciativa divina firmar a aliança
com Abraão, e Ele cumpriu integralmente a aliança, por AMOR. O amor é a
resposta para entender a ação de um Deus que não é obrigado a nada, mas o faz!
O povo de Israel se mostra desobediente, arredio, rebelde. Se Deus fosse
homem, a nação seria totalmente extinta, mas ele é Deus, e não homem. Ele não
era obrigado a tolerar as infidelidades sem fim de Israel. Mas Ele o faz, não
porque é obrigado a nada. Vejamos as próprias palavras do Senhor (Os 11.1-9):
Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho.
Mas, como os chamavam, assim se
iam da sua face; sacrificavam a baalins, e queimavam incenso às imagens de
escultura.
Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomando-os pelos seus braços, mas
não entenderam que eu os curava.
Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor, e fui para eles como os
que tiram o jugo de sobre as suas queixadas, e lhes dei mantimento.
Não voltará para a terra do
Egito, mas a Assíria será seu rei; porque recusam converter-se.
E cairá a espada sobre as suas
cidades, e consumirá os seus ramos, e os devorará, por causa dos seus próprios
conselhos.
Porque o meu povo é inclinado a
desviar-se de mim; ainda que chamam ao Altíssimo, nenhum deles o exalta.
Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria
como Admá? Te poria como Zeboim? Está comovido em mim o meu coração, as minhas
compaixões à uma se acendem.
Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a
Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não entrarei
na cidade.
O amor é a grande explicação da forma como
Deus age. Talvez o bordão bobo circulante pudesse ser aqui utilizado para falar
de um conceito teológico muito caro para o mundo cristão: o conceito de graça.
Graça significa a atitude de um Deus que
não é obrigado a nada, mesmo assim nos alcança em seu inexplicável amor.
Os escritos joaninos vão enfocar esse amor
de forma clara e bela: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que DEU o seu
filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna (Jo 3.16). Ele não era obrigado a
enviar o seu Filho para salvar a humanidade, mas o fez por AMOR.
Esta ação da graça de Deus, que não trabalha com a ideia de obrigação, e
sim de amor, nos confronta a um posicionamento. Ainda nos escritos joaninos
encontraremos: Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro. (I Jo 4.19)
Um Deus que não é obrigado a nada, mas tudo
faz por amor, cria no coração do recebedor de sua graça uma dívida de amor. E
então, passamos amá-lo, a obedecê-lo, a segui-lo. Não porque somos obrigados a
nada, mas porque Ele nos amou primeiro.
Talvez devêssemos concluir esta reflexão
com as palavras de Paulo, em II Co 5.13-21. Não precisa acrescentar mais nada.
Apenas podemos concluir, que em nossa relação com Deus, também não somos
obrigados a nada. Mas tudo o que fazemos provém da reconciliação em amor e
graça que Ele nos outorgou. E este amor nos constrange. Assim, em nossa relação
com Ele, não somos obrigados a nada, caso contrário nos tornaríamos apenas
religiosos e cumpridores de normas e regras. Mas o amor de Cristo nos
constrange a sermos nova criatura, a sermos embaixadores do ministério da
reconciliação:
“Pois, se enlouquecemos, é por
amor a Deus; se conservamos o juízo, é porque vos amamos. Porquanto o amor de
Cristo nos constrange, porque estamos plenamente convencidos de que Um morreu
por todos; logo, todos morreram. E Ele morreu por todos para que aqueles que
vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e
ressuscitou.
Assim, de agora em diante, a
ninguém mais consideramos do ponto de vista meramente humano. Ainda que outrora
tivéssemos considerado a Cristo assim, agora, contudo, já não o conhecemos mais
desse modo. Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação; as coisas
antigas já passaram, eis que tudo se fez novo! Tudo isso provém de Deus, que
nos reconciliou consigo mesmo por intermédio de Cristo e nos outorgou o
ministério da reconciliação. Pois Deus estava em Cristo reconciliando consigo
mesmo o mundo, não levando em conta as transgressões dos seres humanos, e nos
encarregou da mensagem da reconciliação.
Portanto, somos embaixadores de
Cristo, como se Deus vos encorajasse por nosso intermédio. Assim, vos
suplicamos em nome de Cristo que vos reconcilieis com Deus. Deus fez daquele
que não tinha pecado algum a oferta por todos os nossos pecados, a fim de que
nele nos tornássemos justiça de Deus.”
Como sempre o mestre Ezion nos tras uma palavra sábia, embasada nas escrituras e instrutiva para refletirmos e glorificarmos a Deus.
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