segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Jesus, aquele que sabe o que há no homem, uma possível chave hermenêutica para o Evangelho de João

    Uma chave hermenêutica é um pressuposto, um método de interpretação que permite uma melhor compreensão do texto, embora realize naturalmente uma seleção do que se enxerga e se aproveita do mesmo. Os estudiosos concordam que Lutero utilizava como chave hermenêutica das Escrituras a doutrina da salvação pela fé, enquanto Calvino fazia uso da ênfase na soberania absoluta de Deus.

     Não sou biblista, nem filho de biblista, mas preciso alimentar meu pequeno rebanho, na querida congregação de Quintino Cunha, e para isso preciso mergulhar nas complexidades do texto bíblico. Nessas leituras, contemplando especificamente o Evangelho de João, me saltou os olhos o versículo 25, do capítulo 2: “e não necessitava e que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem”.
     O próprio evangelista pode nos ter dado a chave hermenêutica para melhor entender o seu recorte da história de Cristo.

     De repente a seleção de eventos registrada por João em seu evangelho passou a fazer ainda mais sentido. Os fatos parecem ter sido organizados a partir da perspectiva que o Logos Divino sabe o que há no homem. Eis uma probabilidade de uma chave hermenêutica para o Evangelho de João. Compartilhei essa descoberta em forma de pregação no culto de domingo:
    Ainda no capítulo 1 temos o episódio de Natanael, que trazido por Felipe é  surpreendido pelo diagnóstico de Jesus: Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo (Jo 1.47). Descobre que Jesus já o tinha visto meditando debaixo da figueira. Este sinal é suficiente para que ele creia que Jesus é o Filho de Deus (Jo 1.48-49).
    O diálogo com Nicodemos é emblemático. Jesus dá pouca atenção à saudação elogiosa do príncipe dos judeus, nas primeiras sentenças do capítulo 3, mas insiste na verdade que Nicodemos precisava nascer de novo. Porque Jesus conhecia o coração do velho mestre.
    O encontro junto à fonte de Sicar, com a mulher samaritana pode ser melhor visualizado a partir da perspectiva que Jesus é o que conhece o que há no homem. Jesus entabula uma conversa com uma mulher de moral duvidosa, mas enxerga nela alguém sinceramente faminta por transformação. Aí está uma verdade muito importante: Aquele que conhece o que há no homem, todas as suas sujeiras e equívocos, também é o mesmo que busca alcançar este homem.

   Os exemplos continuam ao longo do evangelho.  Jesus também confronta seus seguidores e diz: Vós me buscais não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes (Jo 6.26). O conhecimento da motivação do coração dos homens é o que diferencia o cristianismo de qualquer outra religião. O cristão não é um mero praticante de ritos e ações prescritos nos livros santos. É alguém cujo coração e mente estão voltados para o Senhor, pois tem crido e conhecido que ele é o Cristo.
     Ele sabe que um dos que ele escolheu para estar mais próximo a si, era um enganador (Jo 6.70). Ele conhece cada um dos homens que portavam uma pedra para executar a mulher adúltera (Jo 8.7).
      Ele faz as perguntas mas, de antemão conhece as respostas, como foi o caso de Simão Pedro, no conhecido diálogo “Tu me amas?” (Jo 21.15-17).
    Uma chave hermenêutica pode funcionar de forma simplificadora ou redutora, mas traz ainda mais luz e significado às passagens que lemos. Professor Bruce, em seu comentário no Evangelho de João diz:
    “Aquele que é o Verbo encarnado capta imediatamente os mistérios e complexidades da natureza humana. Ele não depende de palavras faladas, como indicadores dos pensamentos e sentimentos íntimos; as profundidades ocultas de cada coração estão expostas diante de sua avaliação penetrante”.  

    Lembrei de um pensamento que li quando ainda era garoto: “Amigo é alguém que te conhece a fundo e apesar disso te ama”. Nunca esqueci. Jesus é este amigo!

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