Uma chave hermenêutica é um
pressuposto, um método de interpretação que permite uma melhor compreensão do
texto, embora realize naturalmente uma seleção do que se enxerga e se aproveita
do mesmo. Os estudiosos concordam que Lutero utilizava como chave hermenêutica das
Escrituras a doutrina da salvação pela fé, enquanto Calvino fazia uso da ênfase
na soberania absoluta de Deus.
Não sou biblista, nem filho de biblista,
mas preciso alimentar meu pequeno rebanho, na querida congregação de Quintino
Cunha, e para isso preciso mergulhar nas complexidades do texto bíblico. Nessas
leituras, contemplando especificamente o Evangelho de João, me saltou os olhos
o versículo 25, do capítulo 2: “e não
necessitava e que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que
havia no homem”.
O próprio evangelista pode nos ter dado a
chave hermenêutica para melhor entender o seu recorte da história de Cristo.
De repente a seleção de eventos registrada
por João em seu evangelho passou a fazer ainda mais sentido. Os fatos parecem
ter sido organizados a partir da perspectiva que o Logos Divino sabe o que há
no homem. Eis uma probabilidade de uma chave hermenêutica para o Evangelho de João.
Compartilhei essa descoberta em forma de pregação no culto de domingo:
Ainda no capítulo 1 temos o episódio de
Natanael, que trazido por Felipe é
surpreendido pelo diagnóstico de Jesus: Eis aqui um verdadeiro
israelita, em quem não há dolo (Jo 1.47). Descobre que Jesus já o tinha visto
meditando debaixo da figueira. Este sinal é suficiente para que ele creia que
Jesus é o Filho de Deus (Jo 1.48-49).
O diálogo com Nicodemos é emblemático.
Jesus dá pouca atenção à saudação elogiosa do príncipe dos judeus, nas
primeiras sentenças do capítulo 3, mas insiste na verdade que Nicodemos
precisava nascer de novo. Porque Jesus conhecia o coração do velho mestre.
O encontro junto à fonte de Sicar, com a
mulher samaritana pode ser melhor visualizado a partir da perspectiva que Jesus
é o que conhece o que há no homem. Jesus entabula uma conversa com uma mulher
de moral duvidosa, mas enxerga nela alguém sinceramente faminta por
transformação. Aí está uma verdade muito importante: Aquele que conhece o que
há no homem, todas as suas sujeiras e equívocos, também é o mesmo que busca
alcançar este homem.
Os exemplos continuam ao longo do evangelho. Jesus também confronta seus seguidores e diz:
Vós me buscais não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos
saciastes (Jo 6.26). O conhecimento da motivação do coração dos homens é o que
diferencia o cristianismo de qualquer outra religião. O cristão não é um mero
praticante de ritos e ações prescritos nos livros santos. É alguém cujo coração
e mente estão voltados para o Senhor, pois tem crido e conhecido que ele é o
Cristo.
Ele sabe que um dos que ele escolheu para
estar mais próximo a si, era um enganador (Jo 6.70). Ele conhece cada um dos
homens que portavam uma pedra para executar a mulher adúltera (Jo 8.7).
Ele
faz as perguntas mas, de antemão conhece as respostas, como foi o caso de Simão
Pedro, no conhecido diálogo “Tu me amas?” (Jo 21.15-17).
Uma chave hermenêutica pode funcionar de
forma simplificadora ou redutora, mas traz ainda mais luz e significado às passagens
que lemos. Professor Bruce, em seu comentário no Evangelho de João diz:
“Aquele
que é o Verbo encarnado capta imediatamente os mistérios e complexidades da
natureza humana. Ele não depende de palavras faladas, como indicadores dos
pensamentos e sentimentos íntimos; as profundidades ocultas de cada coração
estão expostas diante de sua avaliação penetrante”.
Lembrei de um pensamento que li quando
ainda era garoto: “Amigo é alguém que te conhece a fundo e apesar disso te ama”.
Nunca esqueci. Jesus é este amigo!
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