Já são mais de 130 mil mortos na
Síria! Morre outra família na travessia em bote ilegal! Não há lugar para os
refugiados! Avisam, ameaçam e alertam todos os noticiários acerca do drama que
se vive desde março de 2011 na República Árabe Síria. E isso nos inquieta e nos
motiva a, ao menos por alguns instantes, de maneira empática, colocar-nos nos
lugares destas pessoas que veem a guerra acontecer dentro de casa. Como se
sente o sírio que precisa se esconder, na sua própria nação, de seus
conterrâneos apenas por não proclamar a mesma fé que eles? Com que olhos
enxerga o mundo a criança que tem sua família torturada e morta? Qual é o sonho
atual daquele ancião que, quando moço, perdia-se nos seus pensamentos sobre o
futuro?
Aproximo-me da dor destas pessoas
para tentar, ao máximo, senti-la, como se no lugar delas estivesse, afim de
observar o mundo que vivem, os dramas que sofrem e, só então, oferecer-lhes,
ainda que na frialdade da palavra, um acalanto quente, daqueles que só recebemos
de quem nos conhece por inteiro.
Deste momento de compenetração,
percebo à minha volta, um cenário desolador. Para onde olho, há caos, medo e
olhares revoltados presos em corpos resignados. Muitos já morreram, outros se
foram, mas não se sabe o seu fim. O que fazer, então? Ficar no lugar onde estou
habituada e esperar a morte ou arriscar a vida e o modo de viver em um caminho
desconhecido que não se sabe qual é o fim?
Diferentemente do que se pensa, este
conflito pode ser comum a qualquer indivíduo e não apenas aos sírios
contemporâneos da guerra civil. Se todo ser humano passa por aflições, todos
irão também, como aqueles, precisar refletir sobre a situação em que se está
vivendo e tomar atitudes em relação a ela.
A guerra nos convoca a tomar uma
posição. É diante da tragédia que nos obrigamos a procurar meios para
estabilizar a situação nebulosa em que vivemos. Apenas conhecendo o caos é que
desejaremos o mais harmonioso abrigo; um lugar de paz constante, onde não haja
mais choro, dor ou morte.
Esse refúgio almejado, no entanto,
não se estabelece no mesmo território bélico, está sempre longe do ambiente de
miséria e desolação. Assim, para ter acesso ao abrigo, é necessário abandonar o
lugar onde acontece a guerra. Por isso, o conflito se dá agora não somente na
terra que guerreia, mas também naquele que é inquirido a tomar parte de um dos
lados. Permanecer no seu lugar ou refugiar-se em terra estranha?
A necessidade de sair do meio guerra
é clara, a vontade de distanciar-se dela é desejo constante, a esperança de
encontrar o fim dos problemas nos motiva. No entanto, deslocar-se implica
abandonar o que nos é comum, nossa casa, nossa história, nossa cultura, nossas
leis, em prol de uma nova vida ainda desconhecida.
As expectativas nos consomem e podem
nos fazer recuar. Já no meio do caminho, é necessário policiar-se para não se
perder olhando para trás e fantasiando um passado feliz que nunca existiu.
É certo que em meio à guerra e, às
vezes, até já tendo muitas milhas caminhadas, não se pode ver o abrigo. Ele só
nos aparece quando as forças estão indo embora, as reservas de mantimento já se
foram e os passos já ensaiam a próxima queda.
Na estrada, percebemos que é preciso
deslocar-se, a paz tem um preço e se mostra como recompensa a quem deixa para trás
a inércia de criar raízes em terreno de guerra.
Quem sai de sua ‘parentela’, porém,
pode não chegar ao abrigo. Há sempre quem prometa um caminho mais curto, mais
fácil e sem esforço. O que se autodenomina atravessador, conduz o que, por
desespero, desiste de caminhar por toda a estrada, por atalhos inseguros que se
tornam realmente um caminho mais rápido, mas, neste caso, à morte.
Não é assim a nossa vida? Não é
preciso sair do ambiente da guerra que nos consome antes que ela mesma nos
trague? Nossa caminhada não se distancia da realidade dos refugiados sírios.
Nós, como eles, nos vemos perdidos e sem esperança no mundo que nos rodeia.
Buscamos abrigo e nova vida, mas custa-nos abandonar os velhos costumes,
arriscar-nos no caminho, alimentando a certeza do que não vemos, mas esperamos.
Como bem disse o salmista: Deus é o
nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia (Salmos 46:1).
Portanto, para conhecer o que nos oferece o esconderijo divino, é preciso
despir-nos do que nos caracterizava como filhos da guerra.
Há porém uma grande diferença entre
o refúgio que abriga os sírios e o que pode proteger todo homem, de qualquer
lugar do mundo, perdido em seus flagelos. Naquele, você pode ser recebido com
preconceito por não fazer daquele
povo. Já neste, o Pai o
recebe como quem o aguarda há muito tempo. De braços abertos, abraça o filho
que tanto demorou a voltar à casa.
Quando se chega nesse novo lar divino, é que se descobre porque não se
encaixava ao cenário de guerra, ao que estava habituado, mas nunca à vontade. Percebe-se
que era imigrante em terra familiar e, só agora, reconhece o seu povo, sua
cidadania, sua língua, sua lei e levanta com orgulho seu estandarte. Pode-se
finalmente dizer: Lar Doce Lar.
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