Quem consultou o Google hoje deparou-se
com um Doodle curioso: O desenho de uma senhora delicada empunhando com
segurança uma caneta na mão esquerda e folhas de papel na mão direita,
reclinada em sua mesa de trabalho, emoldurada por livros.
Quem por curiosidade clicou no Doodle soube que era uma homenagem aos
108 anos de nascimento de Hannah Arendt. Mas quem foi Hannah Arendt?
Generais foram retratados empunhando suas espadas, reis os seus
cetros... escritores e pensadores são lembrados também com seus instrumentos
que lhes conferiram poder e lhes imortalizaram. É o caso de Hannah Arendt.
Devo confessar que tenho um carinho especial por ela. Uma senhora de
olhar atento, de aguda perspicácia e de notável sensibilidade. Tenho algumas de
suas obras traduzidas no vernáculo e
disponíveis nas livrarias nacionais.
Não sei bem como foi nosso
primeiro encontro. Só sei que a conheci através de um dos seus escritos mais
famosos: Eichmann em Jerusalém, um relato
sobre a banalidade do mal. Vivia um momento especialmente delicado e a
leitura desse livro de Arendt potencializou minha indignação, minha revolta...
abriu meus olhos para situações do cotidiano... conscientizou-me de atitudes
monstruosas que Eu estava me tornando protagonista!
Todos deveriam ler esse relato de Arendt.
Afinal de que se trata?
Eichmann foi um alto funcionário da estrutura
nazista que atuava na logística da máquina da morte. Com a queda do Reich e a
derrota alemã fugiu para Argentina onde viveu até ser capturado em Buenos Aires,
em 11 de maio de 1960, e transportado para Israel onde foi levado a julgamento
em Jerusalém, em abril de 1961.
Hannah estava lá, fazendo a cobertura do
julgamento para a revista The New Yorker.
Das observações e reflexões acerca do julgamento veio à luz Eichmann em Jerusalém.
O acusado tinha dificuldade de entender
porque estava ali, afinal ele sempre fora um cidadão respeitador das leis, e
executou as ordens de seu superior hierárquico
(Hitler) o melhor que pôde. “Ao longo de todo o julgamento, Eichmann
tentou esclarecer, quase sempre sem nenhum sucesso que ele não era nenhum
sujeito imoral. Quanto a sua consciência, ele se lembrava perfeitamente de que
só ficava com a consciência pesada quando não fazia aquilo que lhe ordenavam –
embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para morte, com grande
aplicação e meticuloso cuidado.”
Arendt
registra que “quanto mais se ouvia Eichmann, mais óbvio ficava que sua
incapacidade de falar estava intimamente relacionada com sua incapacidade de pensar, ou seja, de pensar do ponto de vista de
outra pessoa.”
A não ser por sua extraordinária aplicação
em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma motivação... Ele
simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo. Ele não era burro. Foi pura
IRREFLEXÃO – algo de maneira nenhuma idêntico à burrice – que o predispôs a se
tornar um dos grandes criminosos desta época.
A leitura deste livro me deixou
profundamente perturbado. Não estamos diante da “Solução Final”, mas estamos
diante de mega estruturas econômicas e religiosas que às vezes nos engajam em
suas engrenagens e nos convidam a não pensar, a apenas agir. Podemos nos tornar monstros, seres malignos,
travestidos de bons funcionários, excelentes executivos, empregados premiados...
como Eichmann.
Arendt me resgatou do
pragmatismo utilitário do sistema em que estou inserido, e me deu uma sacudida
para que eu voltasse a vida... Aí me lembro de outro livro dela: A Condição Humana. Ela nos convida à reflexão,
e ressalta que a irreflexão, pensada como a imprudência temerária ou a
irremediável confusão ou a repetição complacente de verdades que se tornaram triviais
e vazias, parece ser uma das principais características do nosso tempo. Ela nos
propõe apenas refletirmos sobre o que
estamos fazendo.
Apenas... isso muda tudo! Grande Hannah! Homenagem muito bem merecida!
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