Fui a Recife e revi muita gente querida. Gente que me viu garoto, gente
que me viu crescer. Outros que cresceram comigo. Minhas idas a Recife me deixam
sempre nostálgico. O cheiro da água fedorenta do Capibaribe e a visão das
pontes centenárias exercem sobre mim um efeito entorpecente e perturbador. Algo
como a Sinfonia de Gustav Mahler no personagem de “Em Algum Lugar do Passado”. Parece que de repente o passado guardado no
baú das memórias num quarto dos fundos na minha casa em Fortaleza, ressurge com
todo o vigor, ressuscita...
Olhando o anúncio virtual de um toca-discos retrô, no embalo dessa moda que a cada dia ganha mais espaço, de produtos visualmente antigos e tecnologicamente modernos, de repente eu senti o cheiro do toca-discos portátil PHILIPS novinho em folha que com muito orgulho meu pai trouxe para casa um dia. Era uma engenhoca fantástica. A tampa do equipamento continha o alto falante. Uma alça camuflada podia ser erguida e facilitar o transporte... Tínhamos uma radiola portátil. Eu me senti importante. Tinha uma radiola na minha casa, onde podíamos ouvir nossos próprios discos. Antes só tínhamos um gravador de fita k7. Para ouvir de novo uma mesma música era necessário apertar a tecla de recuo da fita e ficar testando até checar se estava no ponto. A radiola era outra coisa...
Era uma coisa mágica puxar o braço da radiola e o disco de vinil preto começar a girar. Quando quisesse ouvir uma canção novamente bastava colocar a agulha na faixa. É dessa época que eu tenho lembrança de muitas canções tocadas em nossa radiola. Meu pai tornou-se cliente assíduo da livraria da igreja. Os sucessos evangélicos vinham rapidamente para nossa radiola. São daquela época os LPs “Sigo Cantando”, de Mara Dalila; “Jardim de Deus”, de Matheus Iensen e Irmãs Falavinha; Otoniel e Oziel...
Lá em casa os discos de vinil estremeciam quando meu irmão Heber
aparecia. Com dois ou três anos, ele era uma espécie de Gargamel que
aterrorizava, não os azuizinhos, mas os negros LPs escondidos em suas capas de papelão. Quando os discos estavam arranhados, então a
agulha topava no arranhão e a música parava e ficava repetindo o tempo todo a
mesma coisa. Heber adorava esse acidente de percurso. Descobriu então que ele
próprio poderia produzir essa maravilha. Então, munido de um grampo de cabelo
da minha mãe, atacava os indefesos discos e arranhava-os cuidadosamente. Quando
íamos ouvir as canções... Como esquecer a voz adolescente e fresca de Mara
Dalila topando no estribilho da canção-tema do seu disco: Sigo, sigo, sigo, sigo,
sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo... ? Era para seguir cantando, mas era muito
mais interessante o sigo, sigo, sigo.
Todo mundo em casa já sabia, artes do Heber! Está vendo? Me lembrei de detalhes de coisas
que aconteceram “Em algum lugar do passado”! Ir ao Recife tem esse efeito em mim...
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