quinta-feira, 23 de abril de 2015

Em Algum Lugar do Passado

  Fui a Recife e revi muita gente querida. Gente que me viu garoto, gente que me viu crescer. Outros que cresceram comigo. Minhas idas a Recife me deixam sempre nostálgico. O cheiro da água fedorenta do Capibaribe e a visão das pontes centenárias exercem sobre mim um efeito entorpecente e perturbador. Algo como a Sinfonia de Gustav Mahler no personagem de “Em Algum Lugar do Passado”.  Parece que de repente o passado guardado no baú das memórias num quarto dos fundos na minha casa em Fortaleza, ressurge com todo o vigor, ressuscita...

     
                                                         Em algum lugar do Passado

   Olhando o anúncio virtual de um toca-discos retrô, no embalo dessa moda que a cada dia ganha mais espaço, de produtos  visualmente antigos e tecnologicamente modernos, de repente eu senti o cheiro do toca-discos portátil PHILIPS novinho em folha que com muito orgulho meu pai trouxe para casa um dia. Era uma engenhoca fantástica. A tampa do equipamento continha o alto falante. Uma alça camuflada podia ser erguida e facilitar o transporte... Tínhamos uma radiola portátil. Eu me senti importante. Tinha uma radiola na minha casa, onde podíamos ouvir nossos próprios discos. Antes só tínhamos um gravador de fita k7. Para ouvir de novo uma mesma música era necessário apertar a tecla de recuo da fita e ficar testando até checar se estava no ponto.  A radiola era outra coisa...



      Era uma coisa mágica puxar o braço da radiola e o disco de vinil preto começar a girar. Quando quisesse ouvir uma canção novamente bastava colocar a agulha na faixa.  É dessa época que eu tenho lembrança de muitas canções tocadas em nossa radiola. Meu pai tornou-se cliente assíduo da livraria da igreja. Os sucessos evangélicos vinham rapidamente para nossa radiola. São daquela época os LPs “Sigo Cantando”, de Mara Dalila; “Jardim de Deus”, de Matheus Iensen e Irmãs Falavinha; Otoniel e Oziel...


   Lá em casa os discos de vinil estremeciam quando meu irmão Heber aparecia. Com dois ou três anos, ele era uma espécie de Gargamel que aterrorizava, não os azuizinhos, mas os negros LPs  escondidos em suas capas de papelão.  Quando os discos estavam arranhados, então a agulha topava no arranhão e a música parava e ficava repetindo o tempo todo a mesma coisa. Heber adorava esse acidente de percurso. Descobriu então que ele próprio poderia produzir essa maravilha. Então, munido de um grampo de cabelo da minha mãe, atacava os indefesos discos e arranhava-os cuidadosamente. Quando íamos ouvir as canções... Como esquecer a voz adolescente e fresca de Mara Dalila topando no estribilho da canção-tema do seu disco: Sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo, sigo... ? Era para seguir cantando, mas era muito mais interessante o sigo, sigo, sigo.


   Todo mundo em casa já sabia, artes do Heber!  Está vendo? Me lembrei de detalhes de coisas que aconteceram “Em algum lugar do passado”! Ir ao Recife tem esse efeito em mim...

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