Caminhando pelo lado árabe das ruas da Cidade Velha de Jerusalém muitas coisas chamam a atenção do viajante: O colorido das lojas de tapetes árabes, o cheiro forte do suco de romã vendido a dez shekels (NIS 10), as procissões compostas pelos grupos de peregrinos que se dirigem à Igreja do Santo Sepulcro (alguns levando uma cruz, não muito pesada, mas uma cruz!) e caminham pelas estações da Via Dolorosa...
No lado judeu da Cidade Velha dezenas de lojinhas vendendo os principais suvenirs de Jerusalém: menorás (candelabros), kipás... para quem não sabe o kipá é aquele pequeno chapéu usado no alto da cabeça dos judeus. Seu uso diz respeito ao temor a Deus, pois a Divina Presença está sempre acima de nós, e foi estabelecido no Talmude há muito tempo.
Para quem crê a cidade de Jerusalém é um ambiente de catarse. Ali está o Muro Ocidental, conhecido como Muro das Lamentações, que é uma parte do Muro do Templo, no Tempo de Herodes. É um lugar sagrado do judaísmo. Um ponto de contato do Eterno com o seu povo na sua Santa Cidade.
As escavações aqui e ali apontam para um fato narrado nas Escrituras, como o Túnel de Ezequias (II Rs 20.20)... num outro momento falaremos sobre isso.
Ali também foi o lugar em que o Senhor Jesus viveu sua paixão e morte. O Mestre Galileu que exerceu um profícuo ministério na região em torno do Mar da Galiléia, vem à Jerusalém, onde os grandes eventos da nação de Israel ocorrem...
Em minhas caminhadas por Jerusalém um lugar foi muito marcante para mim. Perto da Porta de Santo Estêvão, também conhecida como Porta dos Leões, está a Basílica de Santa Ana. À frente da Basílica uma grande escavação, indicando que ali já fora um balneário, uma piscina, um tanque... O Tanque de Bestesda!
No capítulo 5 do Evangelho de João podemos ler:
“Em Jerusalém, perto da porta das Ovelhas, há um tanque, chamado Betesda na língua dos hebreus, o qual tem cinco pórticos. Neles ficava uma grande multidão de doentes, cegos, mancos e paralíticos, deitados... Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Vendo-o deitado e sabendo que vivia assim havia muito tempo, Jesus lhe perguntou: Queres ficar são?” (Jo 5.1-6)
Muita gente já questionou a legitimidade da narrativa do Evangelho de João, bem como suas descrições e os discursos nele contidos. Este documento já foi acusado de ser carregado de influência grega (começando pelo Logos, que era Deus e estava com Deus), já foi proposto que os dados existentes no mesmo não poderiam ser levados muito a sério. Na melhor das hipóteses, seria um documento puramente teológico sem qualquer embasamento histórico.
A precisão em que o Evangelho de João fala de lugares e de situações, inclusive sem qualquer paralelo nos sinóticos, é digna de nota. Entretanto, críticos afirmavam que este acontecimento, bem como outros registrados neste Evangelho, não passavam de ficção, afinal, não havia indícios arqueológicos ou em qualquer fonte extra-bíblica da existência do tal Poço de Betesda.
Embora a tradição afirmasse que ali teria sido o Poço de Betesda muitos contestavam. Entretanto, cuidadosas escavações no século XX trouxeram à luz as piscinas da época de Jesus. Eram duas piscinas separadas por um pórtico, ou alpendre, totalizando assim os cinco alpendres citados pelo Evangelho. Tempos depois um Rolo de Cobre descoberto nas Cavernas de Qumran trazia a citação de um lugar denominado Bethesdataym (Casa dos Dois Derramamentos), uma variante de Betesda e aludia às suas cisternas.
Diante do Poço de Betesda meu coração bate mais forte. Visualizo o Senhor em diálogo com o enfermo... e há uma coisa que me intriga muito mais do que as minúcias arqueológicas... é a pergunta de Jesus feita ao homem paralítico: Queres ficar são?
Não seria uma pergunta sem propósito para um homem doente há 38 anos?
A pergunta não é descabida quando entendemos que a ação de Cristo está ligada ao desejo humano, à vontade do homem. O cego de Jericó grita por Jesus, e o Mestre pergunta: O que queres que eu te faça? (Lc 18.41).
Não são todos que desejam emergir de um processo de adoecimento, isto porque existem ganhos aparentes, vantagens efêmeras decorrentes da manutenção do sofrimento. Desde a forma como se é visto: um coitado, um necessitado, alguém que desperta a compaixão alheia... como também a forma como o homem se vê: dependente, não responsável por si... Ainda hoje há muitos doentes que não querem abrir mão de sua doença para não perderem o benefício eventual do INSS. É a vontade de que o benefício temporário torne-se permanente à custa de uma enfermidade, que precisa ser real... ainda que de fato, tenha se tornado imaginária!
Muitas vezes não se consegue sair das compulsões, dos medos, das reações desproporcionais, dos mecanismos de defesa, do processo em geral de adoecimento, porque não se quer perder os lucros passageiros decorrentes da dor.
Queres ficar são? É preciso abrir mão dos ganhos aparentes, é preciso mudar... é preciso querer para que haja a cura. É preciso deixar de lado a vantagem ou o benefício (seja este do INSS ou de outra fonte) que se está tirando disso. É preciso querer ficar são !!!
Mas enfermidades não são apenas do corpo... São também da alma, do espírito. É preciso querer ficar são.
A história de Zaqueu é paradigmática para ilustrar esta verdade. Um publicano desonesto, que enriqueceu por suas práticas ilícitas tornou-se marginalizado pela sociedade por sua conduta detestável... e também ficou à margem de um relacionamento com Deus... Um doente... uma alma mendicante... Mas como abrir mão de todas as vantagens adquiridas com aquele tipo de vida? Ficar são significaria abrir mão do dinheiro fácil desonestamente conquistado. Não há como ficar são sem encarar as perdas decorrentes do fim dos benefícios do adoecimento!
Zaqueu decide que ficar são vale a pena, e todas as efêmeras vantagens decorrentes de sua vida doentia poderiam ser deixadas para trás. Vai então procurar Jesus! Ao encontrar com o Senhor, Zaqueu abre mão dos seus bens (desonestamente conquistados) e decide restituir com folga aos que por ele foram prejudicados... Agora ele está são... e Jesus sorri, pois veio “buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19.1-10).
Infelizmente, nem todos querem ficar sãos, como Zaqueu... os benefícios da enfermidade falam mais forte, as estruturas já se acomodaram e se adequaram ao sofrimento, à dor, à solidão espiritual...
Em Betesda, ouvi de novo Jesus indagando: “Queres ficar são?”
Pensei em tornar mais viva esta nossa conversa através de um vídeo, com as imagens do que falamos ao som da música Betesda, de Sérgio Lopes:
Belíssimo texto Ezion. Deus o abençoe!
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