sábado, 26 de novembro de 2016

Pastor Russell Shedd... uma perda

            É duro acordar com a notícia da morte de uma pessoa querida. E esta pessoa querida não é um parente próximo, não é um familiar consanguíneo, mas me é muito familiar: Pastor Russell Shedd.
            Meu primeiro contato com ele aconteceu no início dos anos 90, através de sua primeira publicação de grande repercussão no país, a Bíblia Vida Nova, na qual ele é o editor responsável. A minha é daquela versão grande, de púlpito. Eu ainda era um seminarista. E no meu querido Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste, comecei a ser influenciado por esse homem sem nunca tê-lo visto.
   Quando fui fazer o Mestrado na Faculdade Teológica de São Paulo, em 2002, ele já não era mais o titular da Cátedra de Novo Testamento.


     Em 2008 fui ao Congresso Vida Nova pela primeira vez. Lá nos inesquecíveis devocionais que antecediam as palestras, pude entender o significado de fazer teologia com o pastor Russell Shedd. É um mix de erudição bíblica, amor ao Senhor e à sua Palavra, e  serviço à Igreja. Na falta de qualquer desses itens teologia pode se tornar sinônimo de arrogância, ou de pragmatismo utilitarista.
         Novamente participei do Congresso de 2012, e por último em março de 2016. Era minha despedida do doutor Shedd. Num intervalo de uma das palestras, o ladeamos e registramos aquele momento numa foto,  eu e meu irmão-amigo Thalison.

        Lembro-me das copiosas lágrimas que me escorriam pelas faces quando o ouvia falar, exposições sempre entremeadas de exemplos práticos de sua experiência pastoral... ainda hoje me ardem o coração, aquelas lembranças!
      Quando esse ano fizemos a Exposição na congregação  da Carta aos Filipenses, pude novamente voltar aos pés do Mestre, através do seu livro Epístolas da Prisão. Às vezes temas áridos eram tratados por ele com singeleza e clareza que nos faziam entender a profundidade dos mistérios do Senhor.
     Por isso, Russell Shedd me é tão familiar. O Senhor toma para si, hoje, um homem que se tornou referencial para mim, de teólogo e servo de Deus. Não existe teólogo sem amor, temor e submissão a Deus. E não existe teólogo sem disposição para servir à obra de Deus.
   Hoje o Brasil tem muitos expoentes da teologia, e das Escrituras. Mas poucos com a humildade, sinceridade, e fidelidade do pastor Russell Shedd. Desde os tempos em que estudei no Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste, com pessoas de muitas denominações distintas, aprendi a viver o Evangelho respeitando nossas diferenças doutrinárias, sem proselitismo ou ar de superioridade.
    Pastor Russell Shedd nos mostrou isso, a cada momento. A possibilidade de convivermos como irmãos e enfatizarmos o que nos une, e não o que nos diferencia. Ele proferiu palestras em Seminários e Igrejas de todas as denominações. Fui ouvi-lo na AD Cidade, na Sede da IEADTC. Ainda lembro do Congresso Vida Nova de 2008, que reunia batistas como Pr. Israel Belo de Azevedo, Professor Lourenço Rega, presbiterianos como Pr. Augustus Nicodemus e, o bispo episcopal Robinson Cavalcanti. Pastor Russell Shedd nos ensinou que podemos estar unidos para glória de Deus, e em torno da sua Palavra.

    Continuarei dizendo que Pastor Shedd é um dos meus referenciais, embora não mais o tenhamos entre nós. E Deus me convoca a, do meu simples lugar, tornar-me um referencial para as novas gerações. Que o Senhor me ajude... 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Minha consciência negra...

   Minha cidade, Recife, é um lugar de muitos negros. Os engenhos de cana-de-açúcar que a região abrigou desde o tempo de Duarte Coelho exigiram uma quantidade razoável de mão de obra escrava... e esta mão de obra era africana, negra. Vinha nos navios negreiros da África para o Porto de Recife. Estudo da Universidade de Emory, coloca o Porto do Recife como o quinto mais movimentado de todo o mundo no quesito desembarque de escravos. E quando o mercado de escravos foi proibido, o fluxo foi mantido às escondidas, num, literalmente, mercado negro. Os navios não aportavam no Porto de Recife, ficavam um pouco ao sul, e vinham carregados de negros, mas diziam que estavam trazendo “galinhas d’Angola”, por isso o nome de uma das mais belas praias da minha terra: Porto de Galinhas.

  Bem, a cor da pele nunca foi um problema pra nós. Meu avô, Justo José, que todos nós, filhos e netos, o chamávamos carinhosamente de Meu Pai, não era um negro autêntico, era mulato. Sua mãe era branca, mas meu bisavô, o Velho Sansão, era um negro de verdade. Imagino que meu trisavô deva ter sido escravo em algum engenho de cana do litoral pernambucano.

   Por artes da genética, nasci branco. Meus irmãos tiveram a pele mais tostada, trazendo mais próximo os resquícios da mãe África. E quem é mais escurinho a gente sempre chamava de “nego”. Meu irmão Heber, era, e ainda deve ser, “o meu Nego” da tia Moisa, que era a mais morena das filhas do meu avô. Temos uma idade próxima, e eu me lembro de desde criança admirar sua morenice, com lindos cabelos negros escorridos. Levava à loucura os rapazes, quando era solteira!
   Tia Moisa casou com um homem branco, e teve dois filhos, um negro e um branco. O “nego Clevson”, é o nego mais lindo dessa parte do Equador!  Chamar o outro de “nego”, pode ser um xingamento, mas também uma forma carinhosa de se dirigir a alguém que se ama.

   Nos dias de hoje, penso que posso ser preso, pelo que estou escrevendo.
 Na escola, nunca precisamos de um dia de consciência negra, para reconhecer a importância de nossos colegas pretinhos. E naquela época ninguém sofria “bullying”. Então a gente podia chamar o outro de “nego feio”. Como me chamavam de “baleia-fora-da-água” (eu era um garoto gordo).  E ninguém morria.
   Além das relações familiares, a igreja foi outro lugar onde nossa convivência nunca esbarrou com questões ligadas à cor da pele. Na maior parte das décadas de 80 e 90, nosso pastor era um negro, Pr. José Leôncio da Silva. O negro mais amável e carismático que alguém pudesse imaginar. Sua lembrança continua viva na minha memória, e de tantos outros que puderam ser sua ovelha, por algum tempo.
    Lembro que, em nossa congregação na periferia de Recife tinha muitos irmãos negros. Gente tão querida, tão especial, que a cor nunca fez diferença em nossos relacionamentos. Me lembro da irmã “Roxinha”. Imagino que a apelidaram de Roxinha porque era tão pretinha que parecia roxinha. 
    Na minha rede de amigos, nunca separei, estes são os brancos, e aqueles são os negros. Foram sempre meus amigos.
   Hoje as coisas estão diferentes. Outro dia alguém propôs que precisa catequizar quem for negro para que volte às práticas religiosas africanas. Que coisa estranha!!!
   Sempre achei interessante nosso país, onde negros e brancos caminhavam juntos sem enfatizarem a diferença racial. As coisas parece que estão mudando.
    Posso aqui gritar minha origem africana e me definir como afrodescendente. Posso dizer aos meus filhos que busquem as cotas na universidade pois lhes cabe de direito.
    Somos homens, somos seres criados à imagem e semelhança do Criador. Por que enfatizar o que nos distingue? Enfatizemos o que é comum em nós: Somos todos pecadores, carentes da graça do Senhor! 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Em tempos de ebulição política...

Os sinais da Idolatria Política
  (Timothy Keller, em Deuses Falsos, pág. 96 a 98)

Obs. Trata-se de um escritor norte-americano. Qualquer semelhança com o que vemos em nosso país é mera coincidência...

   Um dos sinais de que um objeto está funcionando como um ídolo é que o medo se torna uma das características principais da vida. Quando centralizamos nossa vida em um ídolo, tornamo-nos dependentes dele Se nosso falso deus é ameaçado de alguma forma, nossa resposta é o pânico completo. Não dizemos "Que vergonha! Que dificuldade!", mas sim: "É o fim! Não há esperança!"
    Talvez seja por essa razão que tantas pessoas hoje respondem às tendências políticas dos Estados Unidos de forma tão extrema. Quando um partido ganha uma eleição, certa fração do lado perdedor começa a falar abertamente em deixar o país. Essas pessoas se tornam agitadas e temerosas em relação ao futuro. Elas colocaram em suas agendas e líderes políticos o tipo de esperança que antes era reservado a Deus e à obra do evangelho.Quando seus líderes políticos estão fora do poder, elas experimentam a morte. Acreditam que, se as pessoas e políticas delas não estiverem em ação, tudo irá pelos ares. Recusam-se a admitir as semelhanças entre seu partido e o adversário, concentrando-se em vez disso nos pontos de desacordo. Os pontos de contenda obscurecem todo o resto, e um ambiente venenoso é criado.

     Outro sinal de idolatria em nossa política é que os oponentes não são vistos como simplesmente errados, mas sim maus. Depois da última eleição presidencial, minha mãe de 84 anos observou: "Antigamente, quem quer que fosse eleito como presidente, mesmo que você não tivesse votado nele, era seu presidente. Hoje em dia não é mais assim." Depois de cada eleição, há um número significativo de pessoas que veem o presidente eleito como alguém sem legitimidade moral. A crescente polarização e amargura que vemos na política americana de hoje é um sinal de que transformamos o ativismo político em uma forma de religião. Como a idolatria produz o medo e a demonização?

   O filósofo holandês-canadense Al Wolters ensinou que, na visão bíblica das coisas, o principal problema da vida é o pecado, e a única solução é Deus e sua graça. A alternativa a essa visão é identificar algo além do pecado como o principal problema no mundo e algo além de Deus como o principal remédio. Isso demoniza algo que não é de todo ruim e transforma em ídolo que não pode ser o bem último. Wolters escreve:
    O grande perigo é isolar algum aspecto ou fenômeno da boa criação de Deus e identificá-lo, em vez da intrusão do pecado, como o vilão no drama da vida humana. [...] A Bíblia é única em sua rejeição intransigente de todas as tentativas de [..] identificar uma parte da criação como vilã ou salvadora.
   Isso explica os constantes ciclos políticos de esperanças e desilusões exageradas, os discursos políticos cada vez mais venenosos e o medo e desespero desproporcionais quando um partido perde o poder. Mas por que endeusamos e demonizamos causas e ideias políticas? Reinhold Niebuhr respondeu que, na idolatria política, transformamos o poder em um deus.