sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ideologias políticas: Ídolos e utopias

                                                              por Thalison Evangelista

Estamos às vésperas das eleições, e os debates entre candidatos acontecem em todas as grandes emissoras do país. Muita gente assiste, outros não. Alguns se empolgam, outros, na verdade, se horrorizam com a falta de conhecimento, comprometimento, ética e outras virtudes nos candidatos.
O Brasil vem passando por uma espécie de despertar (pouco, diga-se de passagem) no aspecto político. Talvez diante do fato de tantos escândalos de corrupção e também de uma crise financeira enorme, as pessoas procuram saber o motivo por trás de tudo isso. Mas esse tipo de despertar nos esclarece, ou pelo menos nos alerta, para outro tipo de problema, a saber, a esperança depositada na política (ideologias, partidos, etc.).

Nós vivemos em um mundo profundamente secularizado, apesar de ouvirmos muito a palavra “espiritualidade”, na verdade ela hoje é usada em muitos sentidos, menos no sentido real. Mas, embora secularizado, o homem jamais deixou de ser um “ser religioso”, pois é da sua natureza adorar. Mesmo o mais ateu dos ateus adora alguma coisa, seja o objeto de adoração um animal, dinheiro, sexo, poder ou ideias.
David Koyzis argumenta em seu excelente livro “Visões e Ilusões Políticas”, que “a ideologia provém do comprometimento religioso (idólatra) de uma pessoa ou comunidade”. Talvez soe estranho para nós, modernos, essa afirmação. Afinal, estamos acostumados a ver política totalmente separada de religião, e enquanto no meio cristão se vive uma espécie de esquizofrenia em que no contexto da vida “secular” somos movidos por pensamentos diferentes em várias situações, vivendo uma dicotomia, no meio não cristão costumamos ouvir: “Não se discute religião, política e futebol”. Mesmo parecendo estranho, queremos apontar alguns argumentos que mostrarão fazer muito sentido o que Koyzis diz.
A “ideologia é religião invertida”, diz o historiador Russell Kirk. Nós diríamos ainda que ideologia é uma religião reducionista. Ela nasce primeiro no imaginário do ideólogo, e depois tenta se encaixar na realidade. Assim, para poder fazer sentido, necessariamente precisará descartar algumas verdades da criação, criar outras, e distorcer outras tantas. Dessa maneira, ela acabará formando uma visão errada da criação, criando formas distintas de enxergar o que é o mal, e mostrando formas ruins de redenção para esse tipo de mal.

Alguns pensadores, ao analisarem os totalitarismos políticos, percebem que na raiz do pensamento dos totalitários, está sua maneira equivocada de perceber quem é o homem. Mas, poderíamos ir além, percebendo que, na verdade, suas maneiras de enxergar a criação são distorcidas. Por exemplo, na ideologia socialista/comunista, a liberdade individual e grupos que pensam de forma diferente (opressores) são vistos como o mal da criação a ser combatido, por isso, o próprio Marx percebia que era necessário a ditadura do proletário, e necessário também a luta armada, para o fim dos “opressores”, que atrapalham a paz e a prosperidade mundial. Essa forma de ideologia, apesar de mostrar sua ineficiência em vários países, ainda é almejada por muitos, como uma esperança utópica, uma “religião”. Mas não só ela, como todas as outras ideologias são vistas também como esperança política para a humanidade.
Existe um perigo enorme na adoção dessas ideologias, pois como afirma o professor Francisco Razzo, em sua obra "A Imaginação Totalitária",  “na articulação conceitual, uma variável pode ser eliminada com a força do raciocínio, [mas] no mundo da vida, que é o mundo de pessoas vivas e reais, eliminar variáveis pode significar eliminar pessoas”, ou seja, nossas ideias têm consequências práticas, e elas podem ser catastróficas. Quando se delimita o pensamento a um âmbito restrito, podemos pensar o que for. Porém, quando se tenta levar as mais variadas formas de pensamentos para a realidade, e transforma-las em verdade absoluta, as consequências podem ser terríveis e irreparáveis. O homem insuficiente, tenta criar uma maneira de pensar que corresponde a tudo, e falha por ser justamente insuficiente, e não conseguir visualizar tudo. Apesar das falhas, as ideologias tomam o coração humano com a força de um ídolo, que por sua vez exigirá nosso sacrifício, e também dos outros.

A ideologia surge da nossa estiagem espiritual. Trocamos o Deus cristão por diversos ídolos, incluindo nossas próprias ideias absurdas. A confiança na graça salvadora através de Cristo, é substituída pela confiança ideológica-política. O escatológico dia do juízo final, onde a justiça será manifesta de forma perfeita por Deus, agora é realizado aqui e agora, onde são julgados e aniquilados aqueles que são contrários e atrapalham a imposição de nossa ideologia.  A esperança no porvir, nos novos céus e nova terra, é alterada pela utopia da “Sião terrena”, a perfeição na terra. Como diria Kirk, “a ideologia, em suma, é uma fórmula política que promete um paraíso terreno à humanidade; mas, de fato, o que ela criou foi uma série de infernos na terra. ”
É possível que o ideólogo questione se o Cristianismo não funciona também como uma ideologia. A resposta é simples: Não. O Cristianismo é, na verdade, revelação de Deus. Não é produto de uma imaginação de ideias feita por alguns intelectuais, portanto não pode ser chamado de ideologia. A ideologia é materialista e naturalista, e por ser reducionista desse modo, não levando em consideração toda a realidade criada, sempre vai errar em sua visão total, apesar de acertar em alguns aspectos. O Cristianismo não é materialista, nem naturalista, mas percebe que existe Alguém absoluto de onde temos o referencial para afirmar o que é a criação, o que é o homem, o que é mal e o que é bom. A ideologia, no entanto, não tem referencial absoluto para afirmar o que é bom, ou o que é mal, utilizando somente a razão como forma final de avaliação. O conflito, por fim, será inevitável, pois, como sabemos, cada ideologia tem suas ideias do que é bom e do que não é, cada uma afirmando que algo deve ser combatido e aniquilado, apontando cada qual à uma redenção diferente e ineficaz. Assim, os meios para alcançar os objetivos redentores não são levados em conta, e no sentido mais maquiavélico, os “ideolatras” levarão suas ideias adiante, rumo ao inconcebível.

É preciso perceber qual cosmovisão estamos utilizando para avaliar nossas decisões. É necessário analisar nossa maneira de pensar, e perguntar a nós mesmos por que julgamos tal ação mais valiosa que outra.
Os Cristãos devem ter sua mente cativa à Palavra de Deus, que é o referencial para toda forma de julgamento de visões. É através dela que analisamos cada ação, cada ideia proposta, cada ideologia, em seus aspectos bons e ruins. Qualquer candidato que fale a verdade, seja ele ateu ou não, fala por Deus, pois, “toda verdade, é verdade de Deus”, mas, se fala mentira, seja cristão ou não, não fala por Deus, pois, “seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso”.

Que a nossa esperança seja aquela que ainda não podemos ver, como escreve o Apóstolo Paulo. Que ela seja depositada em Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso Salvador, Redentor e Senhor, e não nos governantes desta terra, tão falhos como qualquer um de nós, e busquemos àquele a que toda forma de governo deve estar sujeita.

domingo, 25 de setembro de 2016

O que nos fascina?


   O ser humano é um ser de fascínio. Nossos sentidos têm contato com certas coisas que parecem ecoar algo dentro de nós, então ficamos fascinados! Os olhos brilham, a mente fica voltada para algo como um pensamento fixo, a adrenalina corre nas veias, nada mais importa, é um fascínio, um encanto!

    A história humana nos mostra que o homem é fascinado por algumas coisas que só mudam de contexto, mas continuam as mesmas. O homem é fascinado pelo poder. Não é à toa que em algumas sociedades um homem tinha várias mulheres. E o fascínio pela conquista de novos territórios, pela expansão do poder, levou a humanidade a seguidas guerras.  A expansão do poder vai além do contexto bélico propriamente dito para englobar as disputas culturais e religiosas. O poder do sagrado fascinava o homem medieval, e dominou o pensamento da época.
   A narrativa do Gênesis mostra-nos Eva fascinada por um fruto proibido. Não um fruto qualquer, mas um fruto que lhe traria poder: O poder do conhecimento! O homem da renascença e do iluminismo é o homem fascinado pelo conhecimento, o conhecimento oriundo da razão. Esse poder continua fascinando o homem do século XXI, tanto quanto o primeiro casal.
    Há uma faceta do poder que parece ainda mais fascinante do que outras: o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Aquilo que não tem uma resposta imediata na racionalidade humana.
      Os relatos do texto sagrado indicam desde os primórdios, que para o ser humano não há outro fascínio tão irresistível quanto o sobrenatural, o inexplicável, o maravilhoso. Na verdade, o Deus invisível dos hebreus se manifesta de forma sobrenatural. E o homem é atraído como um camundongo para a fascinante armadilha divina. Foi assim com Moisés: O fascínio de um arbusto que ardia em fogo mas se mantinha verde. Quem poderia resistir como se nada tivesse acontecendo a tão tamanha maravilha?

     Quando um povo que só conhecia Deus através dos relatos orais dos seus antepassados, é formalmente apresentado a esse Deus, que é invisível, a maneira encontrada por Ele de se fazer conhecido é através do sobrenatural, do milagroso, do espantoso. Eles creram pelo fascínio do sobrenatural. Diz o texto: “...e fez  os sinais perante os olhos do povo. E o povo creu” (Ex 4.30-31).
    É assim que os judeus se tornam fascinados por sinais, pelo sobrenatural, afinal Yahweh é o Deus Todo Poderoso, que responde com fogo ao clamor de Elias no Carmelo (I Rs 18.38), além das inúmeras intervenções miraculosas de Deus ao longo da história de Israel. Os gregos por outro lado, eram fascinados pelo conhecimento. Paulo resume isto na conhecida sentença: “Os judeus pedem sinal e os gregos buscam sabedoria” (I Co 1.22).
   Escrevendo aos gálatas, Paulo indaga: “Ó Insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade”? (Gl 3.1). Alguém deveria ter fascinado os gálatas, os induzido, os encantado, os enfeitiçado, para que mudassem de entendimento, de crença.  Tiago poderia responder a Paulo, que cada um é tentado, fascinado, atraído pelo seu próprio desejo (Tg 1.14). O ser pecaminoso do homem ama o fascínio. Está dentro do homem essa tendência para ser fascinado.
      Não pergunto portanto, quem nos fascinou? Mas o que nos fascina?
     Hoje, mais do que nunca somos fascinados pelo sobrenatural, pelo místico, pelo inexplicável. E hoje há toda uma indústria que movimenta milhões em torno desse fascínio. Uma gama de segmentos religiosos surge e se expande graças ao fascínio pelo sobrenatural.

     Não estamos aqui para negarmos que Yahweh é o Deus todo poderoso, e que tem poder para dar a vida, tirar a vida, curar, abrir o Mar Vermelho... Os relatos bíblicos neo e veterotestamentários estão cheios de relatos de milagres divinos. Os fascinados pelo poder da razão e do conhecimento sempre negaram a veracidade desses relatos. Quero registrar que creio inteiramente na ação sobrenatural de Deus. Mas os evangelhos que, diga-se de passagem são eivados de relatos de milagres nos ensinam algo que não pode ser ignorado.
     Num contexto judaico a existência dos milagres, ou sinais, era autenticadora da presença de Yahweh, e legitimava a mensagem por intermédio de quem os milagres aconteciam. Foi assim que Nicodemos creu em Jesus: “Rabi, bem sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3.2).   Porém, o fato de ficarem fascinados com os sinais que Jesus fazia, fosse multiplicação de pães, cura de aleijados ou ressurreição de mortos, não os fazia seguidores verdadeiros de Cristo, e muitos o abandonaram (Jo 6.66), quando lhes foi esclarecido que precisavam partilhar da sua humanidade e crer no seu sacrifício (Jo 6.54). O fascínio é egoísta, visa fins pessoais, o gozo individual.
    É Paulo que complementa quando fala do fascínio dos judeus e dos gregos, ele diz: “Mas nós pregamos a Cristo crucificado” (I Co 1.23). Paulo nos diz o que exatamente nos deve fascinar. Não é a ressurreição de Lázaro, nem a cura da sogra de Pedro, nem a restauração da vista de Bartimeu, nem a cura da filha da mulher siro-fenícia. O que nos deve fascinar é o Cristo crucificado.
    E olhando para o Calvário veremos essa escolha da fascinação muito bem ilustrada:
    Um dos crucificados com Jesus lhe diz: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23.39). Fascinava-o o sobrenatural. Ele iria crer em Jesus se milagrosamente, e numa demonstração de poder sem igual, o mestre se despregasse dos cravos, e baixasse até o chão, deixando a cruz vazia,  salvando também a vida dos demais crucificados, e condenando à morte eterna o restante da humanidade.


    A proposta nos faz lembrar a tentação de Cristo, na qual o diabo tenta o Senhor buscando fazê-lo fascinantes demonstrações de poder: “Se tu és o filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão”; “Se tu és o filho de Deus, lança-te daqui abaixo...” (Lc 4.3,9). 
    Jesus ainda é tentado com uma proposta de fascinante poder: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória” (Lc 4.6).
    Por outro lado, o outro crucificado não se fascina com qualquer ato de glória e poder que Jesus pudesse fazer, mas apenas lhe diz: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino (Lc 23.42).
    É apenas o fascínio pelo crucificado. Que não sejam os milagres que nos fascinem, ou mesmo as possibilidades de glórias deste mundo. Mas Cristo, apenas ele, o crucificado! A nascente igreja de Cristo aprendeu que os milagres estão no âmbito da soberania de Deus. Foi assim que Tiago foi morto à espada, mas Pedro foi liberto da prisão por um anjo do Senhor (At 12.1-10).
    Se formos fascinados apenas pelo poder sobrenatural, ficaremos indefinidamente em busca de milagres e maravilhas, e não do Cristo crucificado. Se ficarmos buscando o fascínio do poder e glórias terrenas nos curvaremos diante dos ídolos. Simão, o mago samaritano recém convertido fica extasiado diante dos sinais que Deus realiza (At 8.13). Não lhe atraía o Cristo crucificado, morto, sepultado e ressuscitado. Lhe atraía de tal forma o sobrenatural que ele ofereceu aos apóstolos dinheiro para que ele pudesse ser também detentor do poder (At 8.18). Para que ele pudesse exercer livremente ações fantásticas e miraculosas. Foi duramente repreendido pelos apóstolos: Ele não era um cristão convertido!


    A prática de Simão é encontrada em toda a parte, em pleno século XXI.  Que nosso fascínio seja o Cristo crucificado, e como pobres pecadores que somos, nos juntemos ao ladrão da cruz dizendo: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino.