Religião sempre foi um assunto amplamente
discutido em todos os meios, seja ele acadêmico ou popular. A carta de Tiago,
muito provavelmente irmão de Jesus que liderou a igreja em Jerusalém por muitos
anos, apresentada na Bíblia e destinada primariamente aos fiéis em Cristo entre
os judeus da Diáspora, nos apresenta um conceito interessante. O conceito de
‘’verdadeira religião’’.
Tiago 1.27 nos diz que a verdadeira religião
é: visitar os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades e não se deixar
contaminar pelo mundo.
Por que religião? E por que essa é a
verdadeira religião? Tentaremos algumas respostas.
Sabemos que o teor da carta de Tiago é
precisamente prático, ou seja, em toda sua carta ele nos faz pensar nossa fé em
termos práticos, saindo do campo da abstração ou do discurso (uma fé da boca
para fora). Tendo isso em mente, faremos algumas considerações, que ao meu ver
são pertinentes à nossa reflexão de fé e relação com o próximo e com Deus.
Religião tem sua raiz na palavra latina Religare, que significa religar, e nos
remete a reunião, comunhão, etc.... O ser humano é essencialmente um ser
religioso, porque não pode existir um “eu”, sem um “você”, que é outro “eu”.
Nossa existência se dá assim, pela comunhão de pessoas. O que nos leva a
perceber que nenhum ser humano, sendo ele religioso praticante ou não, pode
deixar de ser homo religiosus em sua
essência.
Outro conceito importante (para mim o mais
importante) é o da idolatria, que para alguns teólogos é o princípio de todo o
pecado. Ou seja, nosso coração estará sempre adorando algo ou alguém. Portanto,
se Deus não for o objeto de sua adoração, algo estará no lugar dele, e esse
algo (ou alguém) sempre será um ídolo. Tim Keller, em seu livro “Deuses Falsos”,
diz que um ídolo “é qualquer coisa que seja mais importante que Deus para você,
qualquer coisa que absorva o seu coração e imaginação mais que Deus, qualquer
coisa que só Deus pode dar”. Keller ainda diz: “Podemos não ajoelhar
fisicamente diante da estátua de Afrodite, mas muitas jovens de hoje são
levadas a depressão e disfunções alimentares por uma preocupação obsessiva com
a imagem. Podemos não queimar incenso a Ártemis, mas, quando o dinheiro e a
carreira são elevados a proporções cósmicas, realizamos algo como um verdadeiro
sacrifício de crianças, negligenciando a família e a comunidade para conquistar
um lugar mais elevado no mundo empresarial e angariar mais riquezas e
prestígio”. Portanto, o homem é um ser religioso, e sempre estará apegado a
alguma coisa (ideologia, dinheiro, sexo, poder, etc.), e todas essas coisas no
lugar de Deus o farão desligados, alienados da realidade. Como disse Nietzsche
em crepúsculo dos ídolos: “Há mais ídolos que realidades no mundo. ”
Essa idolatria, então, nos leva a
fragmentação da vida em sua totalidade. Pois, aquilo que foi colocado no lugar
de Deus, nunca terá a dignidade e nem a capacidade de Deus. Essa fragmentação é
total porque além do objeto de adoração não ser capaz de suprir o seu papel de
Deus, ele também não será amado da forma como deveria. Ao invés disso, será
amado com um amor idólatra, gerando uma série de frustrações mútuas.
Dito isso, vejamos. A teologia Cristã
visualiza um homem caído, ou seja, depois do pecado original de Adão, a
humanidade se tornou caída, e longe de Deus. Assim, o homem se encontra morto
espiritualmente: Ele é totalmente fragmentado, ou desligado de tudo. O homem
está fragmentado em relação ao seu habitat natural (a terra). Ela produz agora
espinhos e ervas daninhas, e o ser humano terá de comer o pão do suor do seu
rosto (Gn 3.18-19); está fragmentado em si mesmo. Ele agora sofre
envelhecimento, doenças, confusões e distúrbios mentais, etc.; está fragmentado
do seu próximo, ou seja, ele cobiça, mata, inveja os outros, faz guerras...; e
está fragmentado ou desligado de Deus. Ao invés de adorá-lo como Seu Criador, “o
homem é uma fábrica de ídolos” (João Calvino, Séc. XVI).
Retornemos a Tiago. Ele nos diz: A verdadeira
religião é aquela que visita os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades e não
se deixa contaminar pelo mundo.
Mas qual a relação da situação do homem para
a verdadeira religião que Tiago nos apresenta? Precisamos de atenção nesse
ponto: Nós vimos que religião vem da raiz religare,
que nos remete a “re-ligar”. E também visualizamos a condição do homem de
fragmentado ou “des-ligado”. Pois bem, agora perceba a proposta prática da
verdadeira religião que Tiago nos diz, e percebamos quem ele aponta – órfãos e
viúvas. Esses dois tipos de pessoas são aqueles que estão à margem da sociedade
da época de Tiago (e porque não, da nossa também, na maioria dos casos), a
partir daí, podemos perceber que esses dois grupos perderam vínculos, foram
desligados dos principais laços familiares, o que atinge diretamente a dignidade
delas, pois foram criadas primordialmente para viverem em sociedade, em reunião
ou comunhão. Então Tiago quase que exclama: “Como vocês dizem que estão na
verdadeira religião? Ora, e a verdadeira religião não religou vocês a vocês mesmos,
a terra, e a Deus? Como podem então fingirem que não existem os desligados? A fé que ligou vocês, se é
que vocês estão de fato ligados, terá de fazer vocês pensarem em ligar aqueles
que estão desligados. Pois vocês sabem como é estar desligado e ser ligado! ”
Nisso fica bem claro que a verdadeira
religião é necessariamente comunhão, reunião, religação de pessoas. Se é
verdade que Deus nos criou a imagem e semelhança dEle, é verdade também que na
comunhão de gente nós vemos Deus se revelando e se manifestando a nós. E
podemos ver claramente os dois maiores mandamentos que Cristo nos deixou –
amarás teu Deus acima de todas as coisas; amarás teu próximo como a ti mesmo –
e como a relação deles está completamente ligada.
Tiago ainda diz que a verdadeira religião é
também a não contaminação pelo mundo. Aqui podemos ver a singularidade e
verdade do Evangelho.
Charles Spurgeon dizia que a verdadeira
religião da Igreja de Cristo era a Bíblia e nada mais do que a Bíblia. Eu
concordo totalmente com Spurgeon (Ai de mim se não concordasse!), e acredito
que Tiago também concordaria. Porque a bíblia é a nossa fonte da revelação
especial de Deus para nós. É por ela que tomamos conhecimento que pecamos
contra Deus e estávamos totalmente longe, desligados dEle (Rm 3.23). É por ela
também que conhecemos Jesus Cristo e Sua obra, ou seja, o evangelho. E nisso
sabemos como fomos justificados e voltamos a ser ligados a Deus!
O mundo sempre nos apresenta duas formas de
salvação, que na verdade levam a contaminação. São elas: “Você pode ser seu
próprio salvador, vivendo autenticamente seu caminho” (um pensamento
progressista, digamos. Que nos levará a uma auto adoração, ou seja, a idolatria) e “Obedeça a Deus e você será
salvo” (um pensamento moralista, que também nos levará à idolatria. Passamos a
“adorar” nossa conduta). Mas o evangelho não é progressista, nem muito menos
moralista. Ele, de fato, é totalmente outra coisa.
O EVANGELHO se distingue de todas as
religiões. É diferente, o oposto. Ele (o evangelho) diz: “Deus já aceitou
vocês, já religou vocês por meio do sacrifício de Cristo, de Sua obra de
Salvação, pagando o pecado no seu lugar. Ele já fez, e você não precisa
acrescentar nada a obra de Cristo, ela é perfeita e suficiente! Agora expresse
essa fé em Cristo e seu amor por Ele fazendo boas obras, obedecendo e religando
tudo aquilo que precisa ser religado! ”
Perceba a singularidade do evangelho mais uma
vez. Todas as religiões afirmam que Deus só irá lhe aceitar, se obedecer a Ele.
Mas no evangelho isso muda: Porque você já foi aceito por Ele, você obedecerá.
Assim, nós entendemos a importância da
mensagem de Tiago. O porquê da “verdadeira religião”. Pois existe a falsa,
existe aquela que ligará o homem a ídolos. Mas o desligará da realidade de
Deus, isto é, desligará sua adoração ao verdadeiro Deus, seu amor verdadeiro ao
próximo, à sociedade e ao mundo. Certamente temos nos tornado tão egoístas por
esse motivo.
Mas o próprio evangelho é a verdadeira religare, aquela que religa e restaura o
homem e toda a criação ao propósito pelo qual foram criados.
Soli Deo
Glória.
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