terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mens sana in corpore sano: Corpo perfeito numa cabeça oca?

      Quando eu era garoto estudei numa escola onde havia um grande painel na parede retratando um jovem exercitando-se  encimado pela expressão latina “MENS SANA IN CORPORE SANO”.  Naquela época não tinha o discernimento que tenho hoje, porém, mesmo sem saber latim podia intuir a tradução e o significado da frase: Uma mente sã num corpo são.
      Posteriormente vim a descobrir que Mens sana in corpore sano é uma famosa citação do poeta romano Juvenal, que viveu entre o primeiro e o segundo século da era cristã, e escreveu as Sátiras. Esta citação encontra-se na Sátira X. No contexto, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida: Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.
O  A idéia portanto,  seria uma busca sábia, pelo domínio dos instintos, desejos e apetites, subjugando-os à razão, um ideal de equilíbrio e harmonia, um ideal de medida, ou seja, desenvolver o corpo e o espírito de forma equilibrada.
    Antes desse ideal de equilíbrio buscado pelo poeta romano, tinham vindo os gregos em seu afã pela beleza,  em seu esforço pela perfeição física. O grego belo era aquele que tinha nos exercícios físicos uma prática de valor do grande homem, era aquele que aprendia música, um ser politizado, com grande gosto pelo conhecimento e pela arte. E os Jogos Olímpicos eram a plataforma de desfile. A ocasião na qual aqueles homens competiam entre si, demonstravam também qualidades valiosas para aquele povo: coragem, astúcia, força, indo muito mais alem do que meramente corpos fortes e bonitos. Os jovens gregos exercitavam-se intensamente nos ginásios. O vocábulo grego “gymnos”  significa “nu”, isso porque os jovens que o frequentavam não usavam roupas.

     Um grande exemplo do desejo de perfeição grega em relação às formas do corpo masculino, onde a beleza e a virtude se materializam em um mesmo ideal, é a imagem do Discóbolo de Miron, uma obra datada do século V antes de Cristo. 
    Os gregos buscaram aliar a beleza e perfeição física às virtudes viris que os tornaram uma grande civilização da antiguidade. Os romanos, que os substituíram no domínio do mundo conhecido preocuparam-se em desenvolver com  equilíbrio o corpo e a mente, como nos ilustra o verso de Juvenal, Mens sana in corpore sano.  E nós? Dois mil anos depois dos gregos e romanos, depois de séculos de aprendizado acumulado como estamos? Os gregos se orgulhariam de nós? E o que diriam os romanos?
    Se um grego viesse do passado até nossas cidades ele ficaria surpreso. Viria centenas de atletas treinando no mundo inteiro para as Olimpíadas. Aquela acanhada competição que eles participavam com algumas centenas de representantes gregos agora se transformava num evento onde representantes de todo o mundo estão presentes. E como o homem avançou e superou recordes!
    Porém, para além dos ginásios,  onde os atletas dão o melhor de si (não obrigatoriamente nus, como naquela época), nosso cidadão grego  ficaria surpreso com as academias que estão em toda a parte. Dos bairros mais humildes aos mais elegantes e caros, academias espalham-se por toda a cidade.
   Imagine que nosso amigo grego pudesse estar acompanhado de Juvenal, o poeta  romano de cuja pena brotou “mens sana in corpore sano”.  Ele ficaria maravilhado com o empenho de todo um povo em exercitar-se, para ter uma mente sã num corpo são (já que todo mundo é sedentário mesmo, e tem controle remoto até dentro do carro!).
    Mas espere... eles começaram a observar o que as academias ofereciam. Passaram em frente a várias e constataram:
    Os modernos estão buscando corpos perfeitos. Muito interessante. Juvenal lembra que no seu tempo a busca já não era por corpos perfeitos e sim, corpos sãos. Mas, súbito, Juvenal indaga: E a mente?
     Uma voz brada de algum lugar:
    - Caro Juvenal, o corpo é perfeito, mas a mente é oca!
    O grego e Juvenal retrucaram em coro:
   - Nunca foi essa nossa idéia, nem gregos, nem romanos. De que vale corpo perfeito, se a mente é tristemente doentia?
     Um jovem que passava apressado pelos dois cidadãos antigos, e já estava atrasado para sua aula na academia, reclamou indignado:
    - Quem disse que eu tenho a cabeça oca?
     O grego então perguntou, num koinê irretocável:
     - Jovem, por que vais a academia?
     Impaciente o jovem respondeu:
     - Para ter o corpo perfeito:  barriga de tanquinho, bíceps definidos... tenho que ficar pelo menos parecido com o galã da novela das sete, ou o cara sarado do comercial de cuecas!
     - Quer dizer que não estás na verdade preocupado contigo mesmo, e sim em ter um corpo que não é o teu! Muito interessante!
      - Nunca pensei nisso. Minha namorada, com quem vou me encontrar agora na academia, também tem o corpo perfeito, já fez lipo, implantou silicone...  Não admito que ela tenha uma estria...
    Os antigos se entreolharam estarrecidos diante da constatação: Corpo perfeita numa cabeça oca!